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As poupanças das novas gerações começam a ser relevantes nos mercados financeiros e a levarem as empresas a terem comportamentos ambientais e sociais mais responsáveis. Uma tendência identificada pelo presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG). O que o levará, diz, a tornar mais complexa a governação das empresas, já que o objetivo deixa de ser "maximizar o lucro ou o valor acionista da empresa", acrescentando-se as outras preocupações. Para João Moreira Rato esta realidade reforça a importância dos administradores independentes no apoio à comissão executiva. Convidado das "Conversas com CEO", numa entrevista integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30 que pode ser ouvida na íntegra em podcast, reflete-se sobre o melhor caminho para incentivar a sustentabilidade, considerando João Moreira Rato que a opção pela regulação é fundamentalmente determinada pela falta de coragem dos políticos de usarem os impostos para levarem a comportamentos mais sustentáveis.
Na sua carreira qual foi o desafio mais interessante?
O desafio mais interessante e estimulante foi gerir a dívida pública portuguesa durante a crise. Muitos grandes economistas achavam que as apostas estariam contra nós termos sucesso. Tinha estado na banca de investimento nos 12 anos anteriores e possuía a ‘expertise’ para fazer aquele trabalho, conhecia o ‘mindset’ dos investidores e percebia bem o mercado. Fui eu que tomei a iniciativa de falar com o primeiro-ministro da altura para lhe mostrar o meu interesse em vir trabalhar para o IGCP naquela altura [no princípio de 2012].
Como é que quem tem uma carreira na área financeira, na Goldman, na Morgan, na Lehman, vê a sustentabilidade das empresas?
Vejo a sustentabilidade de forma muito parecida com a que via a questão da dívida pública. Quando de fala do planeta Terra, passa-se pela mesma questão, pela importância de ir gerindo os consumos de forma a não o pôr em risco. Temos de pensar como um Estado, que tem de gastar de acordo com o que espera que sejam as suas receitas no futuro, de maneira a não existir daqui a 10 anos nenhuma rutura no seu financiamento.
Mas as empresas muitas vezes precisam de incentivos para olharem para o médio e longo prazo…
O mais óbvio passa pela ação do Estado. Por exemplo, se achamos que os consumos são muito carbónicos e que põem em causa a sobrevivência do planeta e do nosso modo de vida, se calhar o que faz mais sentido é existir um imposto sobre o carbono.
É mais favorável a estratégias através da política fiscal, de sinalizar através dos preços, internalizando os efeitos ambientais, ou da regulação?
É mais eficaz agir ao nível dos preços, porque levam a uma resposta descentralizada em todos os mercados. Todos os ‘players’ vão ter de os levar em consideração e dizer ‘vou ter de produzir carros com menos emissões de carbono, porque senão os consumidores vão ter de pagar mais e vou perder para os meus competidores’. O lado da regulação pura obriga a ter uma visão centralizada, a receber toda a informação da economia para saber onde se deve agir e o que se deve fazer. É uma forma muito menos eficaz do que a primeira. O preço chega muito mais rapidamente às pessoas e às empresas do que a informação dos mercados chega ao planeador central.
O problema do uso dos preços é que agrava as desigualdades.
Esse é um problema gravíssimo. Havendo impactos negativos numa parte da população, mais vale deixar os preços agir e depois redistribuir. É uma forma mais eficiente. Mas politicamente, e para a maior parte dos políticos, é uma forma complicada de o fazer, porque o impacto [do preço] tem muita visibilidade e os efeitos redistributivos só aparecem depois. Isso cria uma certa preguiça nos políticos e um incentivo para se desresponsabilizarem e passarem a responsabilidade para as empresas e o setor financeiro na tomada de medidas que resolvam o problema.
É a isso que estamos a assistir, nomeadamente na regulação europeia? Uma falta de coragem dos políticos de irem pelo caminho mais eficiente?
Não estou a dizer que não é bom. A regulação é um ‘second best’. Dada a falta de coragem para se tomarem certas medidas que seriam mais eficazes, acaba por se ir por caminhos menos eficazes, que passam muito pela regulação e pela pressão em cima das empresas. Ou que passam pelo investimento público que é [também] uma forma imperfeita de lidar com estes problemas. Porque parte do princípio de que quem decide os investimentos públicos, para lutar contra as alterações climáticas, tem toda a informação, que não é sujeito a lóbis. Há outra questão que é muito importante. Há uma nova geração de investidores que começa a acumular poupanças e a ser relevante no investimento global, que são os millennials e a geração Z, e que vai querer que as empresas se comportem de forma mais responsável.
Já identifica isso?
Já existem até estudos empíricos que o mostram. O que se reflete na forma como os grandes investidores institucionais vão votar nas assembleias gerais, exigindo certas alterações de comportamento das empresas, porque já não estão só interessados em maximizar o valor acionista puro. Têm outras exigências, o que só vai aumentar a importância e a complexidade do ‘corporate governance’. Era muito fácil quando as empresas só tinham de maximizar o lucro ou o valor acionista da empresa. Quando se acrescentam mais duas ou três dimensões, torna-se mais complicado passar das intenções dos acionistas para o comportamento dos gestores. E isto reflete-se em assembleias gerais muito mais ativas, com mais questões que são discutidas e que vão a votos.
Como é que isso se pode internalizar na gestão do dia a dia?
Vai aumentar e já está a aumentar a importância do conselho de administração. A equipa executiva terá de ter o auxílio de administradores independentes que têm de entender muito bem a intencionalidade dos acionistas em relação à empresa. Vai ser muito importante, quando se estabelece a estratégia, levar em consideração todas as intenções dos acionistas. Que não estão só interessados em maximizar valor, mas estão preocupados com a forma como a empresa trata os trabalhadores ou com as emissões ou com o impacto nos fornecedores, sendo que alguns deles podem ter também trabalhadores em condições mais precárias.
Estes temas vão tender a aparecer cada vez mais?
Têm de aparecer cada vez mais, se virmos que a tendência dos investidores é para lhes dar cada vez mais importância. A tendência está lá. Em Portugal, penso que depende muito das empresas. No IPCG olhamos para as empresas emitentes e onde ainda existe algum défice é na proporção de independentes e também na forma como são escolhidos. Mas também se nota que estes défices estão a ser corrigidos, ainda que lentamente.
Em Portugal também já existem investidores a preferirem empresas que se preocupam com as questões ambientais e sociais?
Em Portugal os grandes investidores institucionais estão, em proporção, menos presentes porque o mercado português tem menos empresas líquidas e ainda há uma parte grande do capital controlado por famílias ou por grupos de acionistas. Mas nas empresas em que esses investidores estão mais presentes já existe um aumento da preocupação com as questões sociais e ambientais. Mas, principalmente, existe uma preocupação em relação ao facto de existirem poucos independentes em muitos dos conselhos de administração.
Que outros problemas é que seria muito importante que fossem atacados na governança das empresas?
Não podemos também deixar de lado o papel importante dos órgãos de fiscalização. Desempenham um papel crucial em aferir os riscos climáticos, sociais ou reputacionais. Têm a obrigação de olhar para a empresa a prazo E, nesse sentido, o órgão de fiscalização também deve participar na estratégia, de uma forma diferente, deve aferir se essa estratégia não está a pôr em risco a sobrevivência da empresa e a sustentabilidade.
Os conflitos que rodeiam a Europa podem condicionar estas estratégias das empresas e até dos investidores?
As alterações de ‘mindset’ dos investidores demoram tempo. Ao contrário do que normalmente acontece nos mercados, que reagem muito rapidamente a nova informação, estas novas informações tendem a ser incorporadas nas perspetivas de cada grupo geracional lentamente. Mas isso pode acontecer.
Nas empresas, muitas vezes vêm-se grandes diferenças entre os que ganham muito e os que ganham pouco. Há alguma recomendação do Instituto?
Neste período que tivemos inflações elevadas, uma questão para muitas empresas era: ‘quanto é que vamos aumentar os trabalhadores’. A equipa executiva e o acionista, como querem resultados a curto prazo, poderiam ter a tendência de limitar esses aumentos para mostrar bons resultados. Os independentes não executivos podem ter a obrigação de chamar a atenção e dizer ‘é importante sermos vistos como um empregador modelo, termos a confiança dos nossos empregados, porque queremos tê-los daqui a 5 anos, 10 anos e ficar com os melhores e, portanto, vocês estão errados e devíamos aumentar mais do que aquilo que estão a planear.’ Esse diálogo do conselho de administração é um bom exemplo de como se internalizam preocupações sociais dentro da empresa. Até nem é porque os acionistas dão importância a isso, é porque é melhor para a empresa a prazo.
Mas o que vemos é algumas empresas a ganharem milhões. Os grandes ganhadores da inflação foram a distribuição, a energia e até a banca. Há essa preocupação que acabou de identificar?
Se estas empresas tivessem mais independentes a fazerem o trabalho que têm de fazer e se eles tivessem a visão certa, provavelmente estariam até mais preocupados com as questões reputacionais a curto prazo do setor e no impacto que isso pode ter na sobrevivência a prazo do que, se calhar, em apresentar mais dez ou vinte milhões de resultados no trimestre.
Não é isso que está a acontecer. Não dão grande importância à reputação e às críticas?
Estamos no princípio de uma fase ainda muito primitiva dessa leitura do conselho de administração, com os independentes a terem uma voz mais real. Mesmo que formalmente se diga que sim, que estão lá e são escolhidos da maneira certa, depois há muitas condicionantes culturais e sociais que podem limitar a facilidade com que falam, com que vão contra as exposições das comissões executivas ou com que chamam a atenção dos acionistas para certas questões.