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João Maria Botelho: “Temos um tsunami regulatório que é necessário. Precisamos de abanar as empresas”

Para se atingir a neutralidade carbónica é necessário regular porque os ‘players’, sozinhos, não o vão fazer, defende o investigador da Nova Green Lab.

26 de Junho de 2024 às 12:30
Pedro Catarino
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    Bilhete de identidade Idade : 22 anosCargo: Investigador na Nova Green Lab; Líder da Generation Resonance - equipa jovens líderes da Iniciativa da Associação das Nações Unidas Portugal; Global Shaper iniciativa do Fórum Económico MundialFormação: Especialização em ESG e Finanças Sustentáveis na Wharton Executive Education (2022) e em Economia Regenerativa; A frequentar a pós- graduação em Regulação sobre Alterações Climáticas, Universidade Católica (2024); Licenciado em Direito, Nova School of Law (2024)o

    Tem 22 anos, acabou de se licenciar em Direito, com várias especializações em Sustentabilidade, participa em múltiplos fóruns, é ‘Global Shaper’ no quadro da iniciativa do Fórum Económico Mundial e lidera a equipa ‘Generation Resonance’ da Associação das Nações Unidas Portugal que participou na COP 28 e que agora está a trabalhar para Baku. João Maria Botelho é o convidado desta semana das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30.

    Durante mais de meia hora de entrevista, aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, fala da forma como gere o seu tempo e considera que é preciso ligar os jovens porque "estão desligados". Discorda das ações de movimentos como a Climáximo, deixando aos jovens que querem fazer a diferença o conselho de participarem nos muitos projetos que já existem. Acredita que o caminho para a sustentabilidade passa pelo setor regulatório e jurídico e por combater a desinformação.

     

    Acredita que a regulação é necessária para se atingir a neutralidade carbónica porque, diz, os ‘players’ não o vão fazer sozinhos.

     

    Como é que tem tempo para fazer tanta coisa?

    Os meus amigos costumam perguntar-me se o meu dia tem 24 horas. Tem a ver com manter um horário organizado para me dividir pelos vários chapéus, na ‘Global Shapers’ [do Fórum Económico Mundial], na ‘Generation Resonance’, a juventude protocolada com a United Nations Association de Portugal, e no trabalho académico. A organização é a chave para conseguirmos ter um equilíbrio.

     

    Quer dar uma dica para quem é desorganizado?

    Tenho ‘daily’, ‘weekly’, ‘monthly planners’ e objetivos traçados. Tenho hora de almoço, de reunião, de descanso, de leitura... 

     

    Tem hora de descanso na agenda?

    É preciso. Por exemplo, há dois anos estava a estagiar na ‘Global Alliance for a Sustainable Planet’, onde comecei a minha jornada na sustentabilidade. Quando estava em Portugal, eram menos 4 a 5 horas, o que me obrigou a gerir o tempo de uma forma a que não estava habituado. 

     

    O que faz a equipa de jovens líderes da Iniciativa da Associação das Nações Unidas em Portugal?

    Essa iniciativa começou no ano passado, com a COP28. O objetivo era levar jovens a fazerem projetos, o primeiro, para o pavilhão de Portugal. Este ano voltaremos a ter em Baku. A direção da United Nations Association convidou-me para criar um grupo e tínhamos vários tópicos que foram discutidos, como financiamento do clima ou eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Agora temos um podcast, o ‘Tomorrow Talks’, que foi também reconhecido pela Forbes. Na altura auscultámos jovens entre os 18 e 20 e tal anos em Lisboa. E com isso tentámos fazer um ‘green charter’ com soluções, no nosso pavilhão de Portugal, com as preocupações dos jovens. 

     

    E agora estão a preparar-se para a próxima COP?

    Antes da COP estamos a preparar-nos para a ‘Summit of the Future’, em Nova Iorque, em Setembro. Os nossos esforços estão agora todos no pacto para o futuro, vendo o que foi discutido em Nairobi, onde começou a ser debatido, para agora ser fechado nesta cimeira. Queremos perceber o que vai ser contemplado nesse pacto, quem é que deu ‘inputs’, como é que foram tratados e qual é que vai ser a implementação.

     

    Qual devia ser o aspeto essencial desse pacto?

    O aumento dos compromissos financeiros internacionais, ou seja, temos várias nações que se comprometeram a aumentar as contribuições para o financiamento da luta contra as alterações climáticas, mas temos de colmatar o défice de financiamento que existe. São 4 ‘trillions’ de dólares que devíamos ter por ano. E a questão da transparência e da monitorização é muito importante, para perceber como é que os pactos vão ser aplicados. E aí os jovens podem ter uns ‘inputs’ mais diferentes.

     

    Dê-me um exemplo de uma medida que as equipas jovens considerem essencial.  

    Por exemplo, com a United Nations Association, juntamente com um conjunto de outras entidades europeias, estamos a tentar desenvolver o Pacto das Vozes Futuras, criando um comissário, a nível europeu e depois nas Nações Unidas, para a juventude. Seria um porta-voz para o futuro, que tem na juventude o seu foco. Estive recentemente em Bruxelas na ‘Youth Week’ onde se reuniram vários jovens de várias associações. Falamos muito, primeiro de campanhas informativas e de capacitação comunitária, porque pode parecer que não, mas hoje temos muita desinformação, ainda há muito negacionismo.

     

    Também está a estudar regulação. Há excesso de regulação na União Europeia?

    Para o que nós precisamos de fazer, para atingir a neutralidade carbónica, vamos precisar de regular, porque os ‘players’, já vimos, não o vão fazer isso sozinhos. Através da regulação vamos conseguir implementar os objetivos que queremos.

    Agarrarem, atirarem-se ao chão, atirar tinta às pessoas, é uma maneira muito rudimentar de fazer campanha [pelo clima].

    Mas essa regulação tem custos, aumenta os preços dos produtos e isso tem impacto na desigualdade. Isso não o preocupa?

    Essa questão é muito importante, mas a União Europeia nisso está a fazer um caminho fantástico. Agora temos um tsunami regulatório, mas que é necessário. Precisamos de abanar as empresas. O ESG é uma estratégia a longo prazo, em que a empresa estará mais verde, terá mais clientes, terá sucesso. Há vários estudos que mostram que se uma empresa se mantiver atualizada no setor regulatório e com as implicações que vêm daí, estará mais preparada, será mais resiliente.

     

    Se um jovem quisesse ser mais ativo nesta área, o que é que recomendaria?

    Em primeiro lugar precisamos de estudar para evitar as informações falsas e tentarmos perceber aquilo por que estamos a lutar e o que é que queremos defender.  A sustentabilidade é muito ampla, há a parte social, a ambiental, a regulatória, a de governação … E a seguir é juntar-se a movimentos que já existem e que estão a fazer a diferença. Em Portugal temos muitos projetos, como os ‘Global Shapers’, agora este da United Nations Associação de Portugal, a Generation Resilience, o Conselho Nacional da Juventude, a Praça de Luxemburgo, o Conselho Nacional de Estudantes… Eu, por exemplo comecei no primeiro ano na Associação de Estudantes da Nova, no segundo ano fui presidente do jornal da Faculdade de Direito da Nova e formei o meu próprio núcleo, de que sou presidente. Os jovens têm de se unir porque estar a remar sozinho para um porto é muito mais complicado.

     

    O que pensa das ações da Climáximo?

    Não me identifico e não acredito que isso vá trazer ‘inputs’ benéficos para a sociedade, aliás, só perturbam a paz pública. Agarrarem, atirarem-se ao chão, atirar tinta às pessoas, é uma maneira muito rudimentar de fazer campanha. Prefiro o que fizemos, por exemplo, no mês passado em que a ‘Generation Resonance’ fez uma ‘Climate Summit’, onde reunimos durante um dia inteiro eurodeputados, pessoas das Nações Unidas, professores catedráticos, falando de temas como ‘Ocean Governance’, Transição Energética, ‘Sustainable Finance’. E vamos fazer um relatório que queremos apresentar à nossa missão portuguesa na ONU. 

     

    Também sofre de stress climático?

    Sofro de stress climático, mas sofro de stress em geral. Estou sempre preocupado com tudo, de fazer isto, de conseguir os meus objetivos, de conseguir estar aqui e ali. É uma ansiedade. Por natureza sou uma pessoa bastante stressada e gosto de estar sempre ligado. Mesmo com a minha equipa gosto de saber se estão bem, se estão a gostar do que estão a fazer, se isto lhes está a trazer propósito.

     

    E os seus amigos também sofrem de stress, acham que o mundo vai acabar…

    Isso é um cenário de cataclismo. A minha equipa está bastante preocupada, mas numa vertente mais educacional, não de ativismo de rua, de partir coisas. Isso não nos vai levar a lado nenhum. Condeno veementemente todas essas atividades, acho que não traz nenhum tipo de benefício ao país. Vou mais por construir pontes e diálogos, quer nacionais, quer internacionais. Há dias tivemos a nossa reunião plenária do grupo da ‘Generation Resonance’ e posso dizer que estamos agora a expandir para Angola, Moçambique, Índia, Escócia, Dinamarca e Estados Unidos.

    As pequenas e médias empresas em Portugal precisam de alguém que as guie no que é que vem a seguir. E os juristas estão lá para descomplicar (…).

    Com os resultados das eleições europeias houve uma viragem à direita e vivemos num ambiente de guerra. Há aqui alguma preocupação de retrocesso no caminho para a sustentabilidade?

    O tema do retrocesso é muito importante. A covid-19 foi o primeiro embate porque foram desviados fundos e a sustentabilidade é a primeira a sair do barco. E eu percebo, mas não podemos deixar a sustentabilidade em segundo plano. Quanto aos resultados eleitorais, parece que o grupo que tem maior representatividade vai continuar com o Pacto Ecológico Europeu e com as regulações europeias. Não creio que isso esteja em xeque. As eleições nos EUA preocupam-me mais.  Na agenda Biden são pontos prioritários, mas na agenda Trump tenho a certeza que não são.  A sustentabilidade, nos EUA, é muito partidarizada, que é o que me assusta. Têm muitos movimentos anti-ESG, é muito direita e esquerda, o que não acontece na União Europeia. Outro ponto que também pode levar ao retrocesso, além dos conflitos e das políticas públicas globais, é a desigualdade do financiamento climático. Os mais poluidores são os que devem pôr mais dinheiro. Quanto ao impacto da guerra, houve agora um reporte que nos diz, por exemplo, que em Gaza o conflito gerou emissões de efeitos de estufa anuais superiores a 20 países vulneráveis ao clima. E que por causa das explosões em Gaza muitos rios e solos estão inutilizados e as águas ficaram poluídas.  Temos não só os crimes humanitários como também ambientais.

     

    Já tem muitas atividades e especializações nesta área e terminou agora a sua licenciatura em Direito. Como é que se vê no futuro?

    Espero que a minha vida seja pautada por este sentido de voz e de missão, sem nunca desacreditar. Há pessoas mais velhas, meus mentores, que estão numa vertente mais de desacreditar na humanidade e no progresso. Estou agora na Comissão de Cidadãos do projeto "Os 230", na Comissão de Ambiente e de Energia, e até ao final do ano queremos apresentar duas propostas concretas à Assembleia da República.   Acredito muito em Portugal.  Espero poder ser uma pessoa de referência. Acredito que o processo vai passar muito pelo setor regulatório, pelo jurídico e por informar. Com a professora Assunção Cristas, minha coordenadora no Nova Ocean e no estágio que fiz na Vieira de Almeida, na plataforma de ESG, pude perceber que as empresas, as pequenas e médias empresas em Portugal precisam de alguém que as guie no que é que vem a seguir. E os juristas estão lá para descomplicar, para ajudar, para guiar e cada vez mais vamos ver pessoas mais completas nesta área, que possam ajudar. 

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