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Helena Freitas: “É muito fácil lançar a questão dos preços quando não vamos ao âmago da questão”

Implementação do “ecodesign” nos produtos é aposta da Sanofi Portugal. Diretora-geral frisa que na contratação pública não pode ser levado só em conta o critério preço, mas critérios de sustentabilidade.

Helena Garrido | Miguel Baltazar - Fotografia 06 de Março de 2024 às 12:30
Miguel Baltazar
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    Bilhete de identidade Idade: 47 anosCargo: Sanofi Portugal, diretora-geral (desde 2022 e entrou em 2016), Bristol- Myers Squibb (2004-2016), Ernst & Young, Auditoria (1999-2004)Formação: Programa de Gestão, AESE, Licenciatura em Economia, Universidade do Porto 

    As empresas de maior dimensão estão a ser obrigadas a cumprir regras de sustentabilidade que envolvem fornecedores e clientes, no quadro da legislação europeia. É quando se fala deste tema que Helena Freitas levanta a questão dos concursos públicos. "Enquanto levarmos em conta apenas o critério preço" nos concursos públicos, "não prosseguimos um fim sustentável", defende na Conversas com CEO que pode ser ouvida na integra em podcast. Na sua perspetiva, a contratação pública deveria considerar igualmente critérios de sustentabilidade. Numa entrevista integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, a diretora-geral da Sanofi Portugal fala do percurso profissional, das políticas ambientais e sociais da multinacional farmacêutica, nos principais desafios de governação do setor e no futuro do país, desejando que se abra uma oportunidade depois das eleições de 10 de março.

     

    Como é que aconteceu entrar para um setor de cientistas?

    Por acaso, como quase tudo na vida. Comecei a trabalhar na Ernst & Young e depois de um período em Moçambique decidi voltar para Portugal. E pensei: ‘quero trabalhar numa empresa e ver crescer um projeto, não quero ir para a banca’. Envio um currículo e, por engano, ele vai para um lugar na banca. Fui na mesma à entrevista com o ‘head hunter’, mas nos primeiros cinco minutos disse que não queria aquele lugar. Foi curioso, porque a minha experiência encaixava-se num lugar de controlo interno na indústria farmacêutica. Fui por três meses e fiquei lá 12 anos.

    Costumo dizer que uma mulher mãe é muito mais produtiva.

    Ser mulher na liderança de uma empresa ainda é uma exceção? Nunca se sentiu discriminada?

    Nunca me senti discriminada. Fui, aliás, promovida nas minhas duas gravidezes, na BMS (Bristol-Myers Squibb), a primeira vez, e depois na Sanofi. Mostra que o facto de ser uma mulher não contribui de nenhuma forma negativa, porque a questão da maternidade é um problema para algumas mulheres. Costumo dizer que uma mulher mãe é muito mais produtiva, porque tem de gerir o seu dia de uma forma diferente, tem de encontrar horas para ser profissional, mulher, mãe e outras coisas.

     

    E um homem? Um pai também é mais produtivo?

    Não posso falar pelo homem. Muitos países evoluíram e disseram que a licença de maternidade pode ser dividida, incluindo em Portugal. Na Sanofi fomos mais à frente: a mulher fica em casa porque é mãe, mas o pai fica o mesmo tempo. Valorizamos o tempo em família, a pessoa, a sua qualidade de vida e percebemos que aquele pai tem o mesmo direito a estar em casa que a mãe. São convidados a ficar em casa. Se não quiserem usufruir, terão esse direito.

     

    Este é um setor muito exposto a questões reputacionais, pelo que cobra pelos medicamentos ou pela resistência em manter fármacos já sem patentes, com consequências no acesso à saúde. Como é que pode contribuir para reduzir estas desigualdades?

    Trabalhamos todos os dias para que haja igualdade no acesso à saúde. Criámos a Global Health Unit, uma unidade de negócio sem fins lucrativos que lida diretamente com muitos países africanos e alguns asiáticos, para os ajudar a transformar aquilo que têm de mais parecido com um sistema de saúde. Temos também a Fundação S [de Sanofi], com fim filantropo, para garantir três coisas importantes. Uma é o cancro infantil, em que 80% da sua incidência está em países subdesenvolvidos. E com o programa ‘My Child Matters’ procuramos garantir que estas crianças são abrangidas por ensaios clínicos e tratamentos. Depois a doença do sono, que não se aplica só a países subdesenvolvidos, na tentativa de a conseguimos erradicar. E, por último, muitas iniciativas contra a agressividade das alterações climatéricas com impacto nestes países em vias de desenvolvimento.

     

    Há famílias que não têm dinheiro para comprar os medicamentos e a indústria farmacêutica é muito criticada pelos preços que pratica. Como é que a Sanofi tem gerido este problema?

    É muito fácil lançar a questão dos preços, quando não vamos ao âmago da questão. Cerca de 90% da investigação em ensaios clínicos e em cenário de saúde é privada. O risco está todo do lado privado. Além disso, os preços dos medicamentos são baseados numa análise de custo-efetividade. Isto é, aquilo que o medicamento vai evitar, a doença, a morte ou dar melhor qualidade de vida, tem um preço que deixa de existir no sistema. Há uma poupança quando colocamos um medicamento no sistema de saúde que evita que o doente vá ao hospital ou não tenha consultas.

     

    Há aqui uma saúde para ricos e uma para pobres?

    Na medicação não. Há atrasos no acesso à inovação, na decisão, mas as autoridades portuguesas sabem isso e acredito que estejam a trabalhar no sentido de aprovar os medicamentos. Na troika, foram emitidas três taxas para ajudar as finanças públicas: banca, energia e indústria farmacêutica. A única que ainda está orçamentada é a da indústria farmacêutica. Estamos a falar de 15% das vendas. É um valor muito elevado, não conheço nenhum negócio que dê esta comparticipação ao Estado. Em segundo lugar, o Estado tem mecanismos de controlo de despesa bastante ativos e a indústria farmacêutica colabora e contribui devolvendo milhões de euros. 

     

    A indústria farmacêutica já dá um contributo invisível?

    Invisível para o público, muito visível para nós. De tal maneira visível que às vezes põe em causa a sustentabilidade do negócio da indústria farmacêutica em Portugal.

     

    Mas há uma ameaça à sustentabilidade financeira da indústria farmacêutica em Portugal?

    Estamos a falar de preços realmente muito baixos. Não digo [que há um problema de sustentabilidade] da indústria, mas de estar ativa com as condições que temos. Se pensar que o acesso está atrasado, que pago uma contribuição que é bem visível e se tivermos pagamentos em atraso, o Estado, tudo isto é um cocktail explosivo.

    Estamos, por isso, a reforçar a implementação do ‘ecodesign’ em todos nossos produtos.

    Em alguns estudos esta indústria é identificada como tendo uma pegada que pode ser superior ao da automóvel. Que medidas têm adotado?

    Estamos a trabalhar em todas as áreas que envolvem a pegada de carbono do sistema de saúde, a indústria, os hospitais e os doentes. O setor da saúde representa cerca de 5% das emissões globais de CO2, duas vezes o setor da aviação ou o equivalente ao quinto país do mundo. É assustador. Destes 5% globais, 50% estão relacionados com a cadeia de abastecimento, onde nós entramos. Estamos, por isso, a reforçar a implementação do ‘ecodesign’ em todos nossos produtos, embalagens mais compactas, que levem à redução de 50% do espaço quando são transportadas, diminuindo assim a emissão de CO2. Exige menos transporte e nos produtos com necessidade de frio, cabem mais medicamento dentro de frigoríficos, logo, menos eletricidade. Obviamente a embalagem ‘ecodesign’ tem materiais que são recicláveis. Estamos também a trabalhar nos blisters das vacinas. Queremos que em 2027 todas as nossas vacinas estejam isentas de plástico. E o ‘ecodesign’ será em 2025, que é já amanhã. 

     

    A Sanofi vai ter de fazer o novo reporte de sustentabilidade exigido pela União Europeia. Já estão a colecionar os dados de Portugal?

    Já estamos a colecionar os dados e os relatórios preliminares indicam que somos uma das farmacêuticas com maior impacto positivo na redução da pegada de carbono. Há outros elementos, como garantirmos que, nas nossas fábricas, os resíduos são reciclados. Estamos a tentar garantir que, em 2030, os resíduos sejam reciclados e tratados nas principais fábricas e áreas onde produzimos medicamentos. Hoje, 86% dos resíduos são reutilizados, reciclados ou recuperados. É um número altíssimo se pensarmos na produção de medicamentos e de vacinas que fazemos.

     

    O reporte de sustentabilidade também tem de levar em consideração os fornecedores?

    Tudo isso. Mas em Portugal, estamos ainda muito atrasados. As multinacionais e as grandes empresas em Portugal estão a assumir estes compromissos. E porque é que a contratação pública só leva em consideração o preço? Enquanto levarmos em conta apenas o critério preço, não prosseguimos um fim sustentável. Num concurso público, o critério único é o preço quando deveríamos ter outros. Já existe noutros países da Europa, nomeadamente no Reino Unidos, a questão do ‘design’ dos produtos. Se tenho um produto sem plástico, mais pequeno e com uma pegada carbónica inferior, isso não deverá ser considerado?

     

    Os concursos públicos deveriam respeitar igualmente os critérios de sustentabilidade?

    Um preço baixo hoje garante-me uma sustentabilidade financeira hoje, mas não amanhã. A erosão do preço leva a menos parceiros na corrida e à diminuição de concorrentes. E um fornecedor único leva a que o preço volte a subir de uma forma que não se consegue controlar. É algo que nós promovemos, em conversações com o Governo e com as autoridades, porque entendemos que estes critérios de sustentabilidade deveriam ser tidos em conta.

     

    Vivemos alterações na geografia política do mundo, a Europa está rodeada de conflitos. Como é que vê o futuro enquanto líder da Sanofi Portugal?

    Este ano vamos ter muitas eleições, não só em Portugal. E isto trará certamente impactos. Portugal devia, e pode, ter oportunidades. Temos um dos mais baixos níveis de produtividade da Europa. Não há justificação. Somos um país de investigadores, de cientistas. A nossa força de trabalho é reconhecida por todos. Devia-nos motivar como país, no pós-eleições, trabalharmos juntos por um Portugal melhor. Temo que estes impactos, como a inflação, as dificuldades de distribuição, o aumento do preço das matérias-primas, que afeta todos, nos possa trazer algumas dificuldades na nossa gestão do dia a dia.

     

    Qual o desafio para a Sanofi?

    Garantir que conseguimos manter a nossa eficiência e produtividade num ecossistema de alguma forma imprevisível. Garantir que retemos o nosso talento. Os nossos jovens estão a sair do país, o que é bom, desde que estejam felizes. Mas é mau porque não conseguimos reter o talento jovem. Os nossos salários, de uma forma geral, são mais baixos do que na União Europeia.

     

    Os salários da Sanofi também são mais baixos em Portugal do que nos outros países?

    A Sanofi, como multinacional farmacêutica, tem o nível de salários adequado ao serviço que faz e que tem. Os países têm um índice que é cumprido e aí certamente, se calhar, um salário em França é superior ao de Portugal, até porque terá outro nível de responsabilidade. É muito importante garantir que temos os jovens connosco, nas empresas, mas temos de lhes dar um salário justo, boas condições...

     

    Como é que isso se faz? Usando a expressão ‘se eu mandasse fazia já imediatamente’…

    Tem muito a ver com a produtividade e garantirmos condições. Há muitas reformas que devem ser feitas em Portugal e vamos ter essa oportunidade a partir do dia 10 de março, seja quais forem os resultados das eleições, para garantir que Portugal é um parceiro da Europa com provas dadas.

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