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Desirée Fixler, a combatente do “greenwashing”

“A Europa aposta na economia verde com as finanças sustentáveis. Tem boas intenções mas a fiscalização e a execução para evitar o greenwashing deixa a desejar”, disse Desirée Fixler, chair VentureESG.

03 de Maio de 2023 às 14:00
Desirée Fixler afirmou na conferência que ”o greenwashing é perverso”. David Cabral Santos
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É a história de ascensão, apogeu e denúncia de Desirée Fixler, hoje chair Venture ESG. Estudou Finanças na London School of Economics seduzida pela ideia de fazer carreira na banca de investimentos, onde trabalhou durante dez anos até que leu o livro, "O Banqueiro dos Pobres", de Muhammad Yunus, sobre o papel do microcrédito no combate à pobreza e à desigualdade. "Esta leitura abalou o meu mundo e percebi que podia aproveitar as minhas competências para fazer coisas boas ao serviço do bem comum nas finanças em investimentos de impacto, e assim começou minha jornada na sustentabilidade", revelou Desirée Fixler.

Viveu a crise financeira, que se iniciou em 2008, e na qual aprendeu várias lições sobre a importância da regulação e da supervisão do sistema financeiro, da transparência, da divulgação e das relações com os stakeholders.



Quando foi convidada em 2020 para responsável da sustentabilidade da subsidiária de gestão de ativos, DWS, do Deustche Bank, parecia o "emprego de sonho". "Pensei no impacto que poderia ter com os milhões que podia investir na sustentabilidade", confessou Desirée Fixler. Estas instituições ufanavam-se de ter as melhores práticas e standards em termos de ESG de utilizarem ferramentas de Inteligência Artificial. Mas, à época, já havia problemas regulatórios e algumas investigações abertas sobre o banco alemão e a DWS.

O pesadelo da DWS

Rapidamente, o emprego de sonho passou a pesadelo. Desirée detetou que havia problemas com o desenvolvimento dos produtos, com os sistemas de pesquisa ESG e avaliação de risco e também declarações públicas de relatórios ESG preocupantes, sobretudo sobre o investimento na Wirecard que entrou em colapso e viu o seu CEO detido.

Quando Desirée Fixler confrontou a sua administração com as incongruências e as más práticas no portefólio de investimentos ESG do grupo, e com o facto de os cerca de 500 mil milhões de investimentos sustentáveis não terem um sistema de rastreamento e uma base de dados, foi recebida pelo "poker face" do CEO e instada a assinar os relatórios anuais, o que recusou.

Foi sumariamente demitida porque estaria em período experimental, o que, como Desirée Fixler disse, foi logo contestado pela estrutura dos trabalhadores do banco que a instou a por uma ação judicial. "Mãe solteira com três filhos, estava em Nova Iorque quando foi publicado um artigo na Bloomberg que transcrevia o e-mail que o CEO do grupo Deutsche Bank escreveu aos funcionários. "No e-mail referia que tive um desempenho inferior como responsável pela sustentabilidade e que tinha uma ética de negócios questionável". Pouco depois era revogado o seu visto de trabalho na Alemanha. "Estava desempregada, sem teto e sem perspectiva de carreira".

A denúncia do greenwashing

Mas, em Agosto de 2021, o The Wall Street Journal revelou de forma documentada as más praticas ESG e o greenwashing da DWS, com base nos documentos que Desirée Fixler cedeu. Estas revelações levaram as autoridades financeiras e criminais dos Estados Unidos, da Alemanha e europeias a iniciar investigações e processos. Pela primeira vez "recebi de volta a minha narrativa e a minha verdade", referiu Desirée Fixler. "Como todos queriam falar comigo, chamavam-me The Whistleblower, o denunciante da DWS ou o denunciante do greenwashing, ninguém me queria contratar".

"O greenwashing é perverso porque muitas empresas estão a adotar os princípios ESG criando uma bolha que pode ser enganadora, quando há a necessidade de criar uma economia verde, o que exige uma maior regulação e fiscalização destas práticas, até pelos investimentos que são necessários", disse Desirée Fixler.

Argumenta que há um excesso de regulação que torna a supervisão e a aplicação mais difíceis, "é o que chamo a sobreposição da forma sobre a substância". Sublinhou que as instâncias reguladoras têm de ter uma maior capacidade de execução e impor maiores penalizações financeiras e reputacionais. "Se as empresas souberem que podem enfrentar problemas sérios ao greenwashing, vão pensar duas vezes antes de o fazer".

Hoje Desirée Fixler trabalha com várias organizações e instituições financeiras focadas em combater o greenwashing, mas também para aumentar o âmbito dos requisitos e princípios ESG e do investimento sustentável.
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