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Clientes mais verdes podem ter bonificações no crédito

Os bancos portugueses estão atrasados na implementação de uma estratégia de finanças sustentáveis. O setor já começa, porém, a analisar potenciais medidas para gerar impacto positivo na comunidade, nomeadamente através de condições especiais na concessão de crédito.

21 de Junho de 2021 às 08:00
João Cunha, “senior partner” da Roland Berger, adianta que a sustentabilidade é uma prioridade dos bancos.
João Cunha, “senior partner” da Roland Berger, adianta que a sustentabilidade é uma prioridade dos bancos. D.R.
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Mais de 70% dos bancos portugueses não têm um plano de ação estruturado para a sustentabilidade, conclui um estudo realizado pela Roland Berger. Apesar do atraso na definição de objetivos sustentáveis, a consultora destaca que há alguns critérios de sustentabilidade ponderados pelo setor para melhorar o impacto induzido na economia, nomeadamente na área do crédito. Metade dos bancos admite dar condições mais favoráveis na concessão de crédito a clientes mais verdes.

A sustentabilidade é um tema incontornável para a generalidade dos negócios. E a banca não é exceção. Contudo, no caso dos bancos não basta manter uma política interna com objetivos sustentáveis, é preciso transpor essa transição para as várias áreas de negócio. Num estudo onde avalia a forma como os bancos estão a lidar com a sustentabilidade, a Roland Berger define uma análise tripartida em três dimensões: impacto direto, indireto e induzido associado à atividade comercial do banco. E é precisamente nesta terceira vertente que a consultora identifica um atraso dos bancos nacionais em relação ao setor europeu, particularmente em relação às entidades sediadas nos países do Norte da Europa e a grandes grupos bancários.

“O desafio é nas emissões de âmbito 3, associadas à carteira de clientes, à carteira de crédito, aos serviços de aconselhamento e aos produtos de investimento que o banco oferece”, explica João Cunha, “senior project manager” da Roland Berger, numa entrevista ao Negócios.

De acordo com o mesmo responsável, os bancos têm, por um lado, de lidar com a sua própria pegada ambiental e, por outro, “têm um impacto indireto através do crédito que concedem, dos seus serviços de aconselhamento e dos próprios produtos de investimento que disponibilizam à economia. Isto contribui para um impacto induzido nas economias”, esclarece.

Para João Cunha, os próximos anos serão determinantes para o setor, que terá de acelerar a definição de uma estratégia para a sustentabilidade. Mas antes disso é preciso ainda fazer uma avaliação da sua situação e definir critérios; só depois os bancos poderão passar a um plano de execução. Contudo, a maioria dos bancos nacionais está ainda numa fase bastante atrasada: 71% não têm um plano de ação estruturado e 50% não têm objetivos específicos relacionados com critérios ESG (ambientais, sociais e de governo societário). Mesmo assim, 58% colocam a sustentabilidade no top 10 das suas prioridades.

Em termos de iniciativas concretas para gerar um impacto induzido na economia, o estudo revela também um atraso da parte da banca nacional. Contudo, metade dos bancos portugueses admite a atribuição de bonificações nos contratos de crédito de clientes sustentáveis, assim como uma avaliação das garantias dadas de acordo com o nível de sustentabilidade. Já 36% ponderam a definição de limites e objetivos para classes de ativos em função de critérios de sustentabilidade.

Grandes grupos lideram transição

Ao contrário dos bancos nacionais, grandes grupos já incluem nas suas metas objetivos sustentáveis. Entidades como o ING ou o Santander estão a comunicar objetivos de aumento de financiamento verde ou saída de indústrias poluentes, nota João Cunha. Já o “BBVA comunicou a saída de empresas ligadas a carvão até 2030. Não vai haver nova produção de crédito para empresas que tenham ligação a este tipo de indústrias poluentes. Isto vai ter de entrar nas matrizes de aprovação de crédito”, acrescenta.

Perante a implementação de novos critérios sustentáveis, o “senior partner” da Roland Berger admite que projetos relacionados com matérias-primas mais poluentes poderão ter dificuldades acrescidas de financiamento, ou custos mais elevados. “O que vai acontecer é que haverá limites a determinado tipo de projetos que empresas desta natureza possam lançar no mercado”, refere João Cunha. No que diz respeito aos clientes particulares, a Roland Berger também vê espaço para mudanças, nomeadamente na comercialização de serviços mais verdes ou no crédito.

 

Bancos têm um impacto indireto pelo crédito que concedem, pelo aconselhamento e pelos produtos de investimento. João Cunha
“Senior partner” da Roland Berger

 

Dos limites no crédito para projetos poluentes às bonificações nas contas verdes A implementação de uma estratégia ligada à sustentabilidade vai implicar mudanças na relação dos bancos com os seus clientes empresariais e particulares. A concessão de bonificações e limites em alguns financiamentos são algumas das medidas em cima da mesa.
Bonificações em função do nível de sustentabilidade
O fator sustentabilidade deverá ser incluído nos critérios de avaliação de risco e poderá ser um fator de diferenciação nas condições comerciais cobradas pelos bancos aos clientes. Assim, clientes com uma atividade mais verde poderão usufruir de custos mais favoráveis.

Limites ao financiamento de projetos poluentes na carteira de crédito
Limitar o peso do financiamento de projetos mais poluentes na carteira de crédito dos bancos é uma das metas do setor para os próximos anos. João Cunha, da Roland Berger, espera que gradualmente os bancos limitem a exposição a determinado perfil de cliente ou projetos em função do seu nível de sustentabilidade global. No mercado nacional, bancos como a CGD e o Novo Banco estabeleceram alguns compromissos ao nível da sustentabilidade. Ambas as entidades assinaram o “Business Ambition for 1,5º C”.

Apoiar a transição energética
Mais do que esperar que sejam as próprias empresas – como tem acontecido com as “utilities” – a enveredar por uma atividade mais sustentável, cabe ao setor bancário promover essa transição. Segundo João Cunha, os bancos podem, através dos seus serviços de aconselhamento, de projetos ou consultoria, apoiar a transição sustentável dos próprios modelos de negócio das PME.

Contas verdes com custos mais baixos
Perante clientes cada vez mais conscientes em relação à questão da sustentabilidade, a banca tem um desafio para responder às necessidades destes clientes. Mas o primeiro passo é a marcação do nível de sustentabilidade dos próprios clientes, através da análise do seu nível de digitalização. “Se é um cliente que aderiu a extrato bancário eletrónico, a um modelo de serviço digital, esse cliente é, por natureza, mais sustentável”, explica o “senior partner” da consultora. Para estes clientes, o banco pode criar as chamadas contas verdes, com um comissionamento mais vantajoso.

Eficácia energética dos edifícios considerada nos créditos
Outra área de atuação junto dos clientes particulares é ao nível do crédito. “Hoje em dia já se avalia o nível de eficiência energética dos colaterais. Pode assumir um papel mais ativo na própria atribuição de crédito”, explica João Cunha.

Produtos de investimento com um foco na sustentabilidade
A comercialização de produtos de investimento que seguem critérios sustentáveis é outro dos temas que deverão fazer parte da estratégia de finanças sustentáveis dos bancos, na medida em que são cada vez mais os investidores que procuram estes produtos.

 

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