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Adaptar a agricultura às alterações climáticas

O clima está a mudar. E isso tem impacto direto na produção agrícola. A solução está em dotar as culturas de mais capacidade de produção, atenuar o seu stress, seja hídrico ou térmico, e até, nalguns casos, prover a deslocalização assistida de espécies.

17 de Novembro de 2021 às 11:35
A Timac Agro está a usar algas da Bretanha para criar um conjunto de suplementos capazes de ajudar as culturas a resistirem às alterações climáticas.
A Timac Agro está a usar algas da Bretanha para criar um conjunto de suplementos capazes de ajudar as culturas a resistirem às alterações climáticas. DR
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Se hoje a população mundial ronda os 7,5 mil milhões de pessoas os estudos indicam que, em 2050, esse valor poderá chegar aos 10 mil milhões (ou muito perto disso). O que faz surgir uma questão: como conseguiremos alimentar todas essas pessoas? Sabendo que a área agrícola diminui de dia para dia e que as alterações climáticas estão a causar um impacto negativo nas culturas?

No cenário futuro - seja ele qual for -, a agricultura tem um papel importante a desempenhar. E, a pensar nisso, há várias empresas e centros de investigação que já estão a trabalhar no sentido de preparar a agricultura, mais precisamente as culturas, para essas dificuldades - que já se começam a sentir.

O Jornal de Negócios deslocou-se até Saint-Malo, França, precisamente para visitar o Centro Mundial de Inovação (CMI) da Timac Agro, onde investigadores utilizam as algas da Bretanha que, pela particularidade da geografia, nomeadamente das marés, têm uma resistência ímpar, para criar todo um conjunto de suplementos capazes de ajudar as várias culturas a resistir às alterações climáticas e a potenciar a sua produção natural.

A filosofia é simples: é, através de suplementos naturais - daí o recurso às algas -, "simplesmente" potenciar o que as culturas já têm no seu ADN, sem fazer qualquer tipo de alteração genética.

A ideia veio, por um lado, da resistência das algas da região às questões do stress hídrico, vento, salinidade e variação de temperaturas, mas também dos minerais. Sendo assim.... porque não tentar passar essa resistência para outras culturas? A questão resultou em mais de oito anos de investigação, 450 ensaios laboratoriais e 250 ensaios de campo em diferentes países - incluindo Portugal.

Há um número que é exemplificativo do desafio que a agricultura atravessa. Se em 1950 um hectare conseguia alimentar uma pessoa as previsões apontam para que, em 2050, esse mesmo hectare tenha de ter uma produção capaz de alimentar, pelo menos cinco pessoas. A questão é: como? Como se consegue aumentar a produção em mais de 50%?

Mas não se trata apenas de aumentar a produção das culturas. Esse acaba por ser o resultado final. O objetivo é o de preparar as culturas para o novo futuro. Um futuro que, dependendo da localização, é dominado pela seca, pelas oscilações térmicas, por tempestades repentinas... tudo isso tem impacto direto na agricultura. Porque as plantas ao entrarem em stress - seja ele hídrico ou térmico - diminuem a sua produção - quando não implica uma perda total da mesma. É por isso que Sylvain Pluchon, diretor de produtos R&D do CMI, afirma que é preciso atacar de diversas frentes: "Aumentar a qualidade de produção, melhorar o solo e otimizar os recursos naturais."

Uma possibilidade viável é a bioestimulação, que consiste numa nova forma de produzir que minimiza riscos, maximiza o potencial da planta e o seu ambiente para melhorar o desempenho. Sylvain Pluchon, Diretor de produtos R&D da CMI

O que só se consegue se se abordar a agricultura através de uma estratégia abrangente, em que, por um lado, se tente mitigar os efeitos negativos das alterações climáticas nas colheitas, mas também fornecer os nutrientes necessários às culturas, por exemplo, através de suplementos, que permitam melhorar a qualidade de produção destas, ao mesmo tempo que se protege o ciclo de vida do solo e se otimiza o consumo de água.

Oito anos de investigação levaram a empresa a apostar naquilo que considera ser o futuro (ou pelo menos uma possibilidade viável) da agricultura: a chamada bioestimulação, que consiste numa "nova forma de produzir que minimiza riscos, maximiza o potencial da planta e o seu ambiente para melhorar o desempenho". Basicamente, e de forma simplista, trata-se de dar compostos derivados de substâncias naturais que, quando aplicado à planta, lhe vão dar uma maior proteção para o tão temido stress e, com isso, aumentar a sua produção. Sem esquecer o incremento da qualidade, claro.

Há ainda uma vantagem adicional. Ao estar mais protegida a cultura vai, obrigatoriamente, requerer menos fertilizantes - embora Jéssica da Costa, development director products and markets na Timac Agro Internacional, reconheça que a empresa não faça essa medição e acrescente que não se pode confundir bioestimulação com fertilizante. A ideia não é combater doenças mas sim maximizar o efeito das plantas e aumentar o seu potencial genético.

O que dizem os ambientalistas

O melhor planeamento e adequação dos sistemas alimentares e dos modelos de produção agrícola à necessidade de preservar/potenciar os recursos naturais pode, em larga medida, criar condições para uma disponibilidade adequada de alimentos saudáveis. Esta é a visão de Francisco Ferreira, presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, que refere que abordagens como a Agroecologia (FAO) se devem tornar a norma tanto no planeamento e execução de estratégias alimentares como nas práticas agrícolas propriamente ditas.

A questão do papel da agricultura na redução da fome mundial prende-se, para o ambientalista, sobretudo com as dificuldades no acesso a uma alimentação suficiente, que estão associadas à pobreza, à equidade na distribuição e à dificuldade no acesso à terra e aos meios para a produção alimentar. Por outro lado, acrescenta, mais do que quantidade, importa olhar para a qualidade dos nutricional dos alimentos produzidos. Sem esquecer, claro, o desperdício que existe ao longo de toda a cadeia alimentar e que, segundo Francisco Ferreira, pode chegar a 20 ou 30% do total de alimentos produzidos de acordo com algumas estimativas.

A nível mundial, cerca de 1/3 das terras aráveis é usado para a produção de rações para alimentação animal, ao invés de cultivado para o consumo humano direto. Francisco Ferreira, Presidente da Zero

Quanto aos desafios que a agricultura atravessa, o presidente da Zero lembra, por um lado, que recursos naturais em particular - água, solo e biodiversidade - estão sob vários tipos de pressões qualitativas e quantitativas, sendo que a atuação humana, mais especificamente a sua forma de uso e ocupação do solo, irá determinar a potenciação ou degradação dos recursos naturais - neste caso específico, dos solos. "A nível mundial, cerca de 1/3 das terras aráveis é usado para a produção de rações para alimentação animal, ao invés de cultivado para o consumo humano direto, levando a um uso de solo exponencialmente maior àquele que seria necessário para uma nutrição equivalente (e ainda mais perante uma alimentação adequada)", constata.

Quanto à bioestimulação em si o ambientalista afirma que, é, acima de tudo, uma das funções de um solo saudável, o próprio húmus do solo e, por exemplo, certos fungos (como as micorrizas) e bactérias (como os rhizobium) são bioestimuladores. Pelo que "conseguinte a prioridade deve ser precisamente esta: assegurar a conservação/recuperação dos solos e, consequentemente, do incremento das suas contribuições para esta função (e para outras indispensáveis, incluindo o sequestro de carbono)".

A agricultura sempre teve e sempre terá um papel a desempenhar no futuro do ser humano. Não é por acaso que a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), considera que o crescimento do setor é uma das melhores formas de reduzir a pobreza e conseguir a tão almejada segurança alimentar. Para tal, deve-se encarar a agricultura numa abordagem abrangente, integrada com o meio ambiente e pensando no futuro. Diga-se não "dar cabo" do que existe hoje só porque se quer ter um resultado de curto prazo. Investir em ecossistemas saudáveis significa mais e melhor agricultura no futuro. E isso é bom para o planeta e para o ser humano.

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