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Açores colocam Portugal na liderança da proteção dos oceanos

Implementação da rede de áreas marinhas protegidas em 30% do território regional aproxima o país da meta estabelecida pela ONU até 2030. Assinatura de memorando, na terça-feira, desbloqueia envelope de €10 milhões para investir no projeto.

12 de Fevereiro de 2025 às 13:30
Filipa Couto/Correio da Manhã
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A iniciativa das áreas marinhas protegidas junta o Governo Regional, a Fundação Oceano Azul, o Instituto Waitt e a Blue Nature Alliance, esta na qualidade de parceiro técnico.

O memorando de entendimento que faz avançar o projeto da rede de áreas marinhas protegidas dos Açores (RAMPA) foi assinado esta terça-feira na ilha da Horta, nos Açores. Com este compromisso, o programa Blue Azores vai poder avançar para a fase de implementação das zonas de proteção marinha e desbloquear um envelope financeiro de 10 milhões de euros investidos pelos parceiros. "A parceria renovada hoje garante que esta visão ambiciosa de proteger o nosso mar se torne realidade", afirmou o presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro.

A iniciativa que junta o governo, a Fundação Oceano Azul e o Instituto Waitt conta agora com um novo parceiro técnico, a Blue Nature Alliance, que irá "dar apoio técnico e financeiro". Depois da aprovação legislativa, em outubro, da RAMPA, o arquipélago fica mais perto de conseguir cumprir o objetivo a que se propôs: estabelecer áreas protegidas em 30% do mar dos Açores.

"A fase de implementação é passar das palavras aos atos. É garantir que há condições para que estas áreas possam funcionar, que as regras são respeitas pelos utilizadores, que há processos de financiamento e recursos humanos que reforçam os processos de gestão", explica ao Negócios o administrador e coordenador científico da Fundação Oceano Azul. Emanuel Gonçalves assinala ainda que é preciso criar "mecanismos de vigilância eficazes" para assegurar que a proteção do oceano é, de facto, cumprida.

O que está em causa é a definição de 15% desta rede em modo de total proteção, ou seja, sem quaisquer atividades extrativas autorizadas, e outros 15% em regime de proteção elevada. São, na totalidade, 287 mil quilómetros quadrados de área protegida entre as seis e as 200 milhas náuticas. A concretização deste projeto tornará a RAMPA na maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico Norte e coloca Portugal entre as nações que lideram o esforço de conservação e restauro dos oceanos, em linha com o objetivo definido pela ONU até 2030: garantir que 30% das áreas marinhas em todo o mundo são protegidas.

5,1%PIB
É a percentagem do PIB com origem na economia do mar, segundo dados da Direção-geral de Política do Mar.

"Achamos que os Açores são um exemplo a seguir a nível mundial", acrescenta Emanuel Gonçalves. Opinião semelhante tem Bernardo Brito e Abreu, assessor do presidente do Governo Regional, que considera que esta segunda fase do programa Blue Azores implica "uma enorme responsabilidade" para que "estas áreas não fiquem apenas no papel".

Recuperar a biodiversidade

Brito e Abreu destaca o "processo participativo inédito" como uma das grandes conquistas deste projeto, que, ao longo de 19 meses, promoveu 43 reuniões com 17 entidades ligadas às pescas, ao turismo e outros setores afetados pela RAMPA. A policy officer da Associação Zero, Joana Soares, reconhece que "é assim que estes processos devem ser feitos" e elogia os esforços desencadeados pelo arquipélago para avançar com a proteção do seu território marítimo.

Nos próximos cinco anos, o objetivo do Blue Azores passa por aprovar a estratégia de gestão e os respetivos planos de gestão, nomeadamente ao nível da monitorização e fiscalização destas áreas. "A decisão de proteger metade desta área de forma estrita é, para a Zero, de extrema importância", acrescenta a ambientalista, que lembra que só assim será possível "que a natureza se regenere devidamente e que os ecossistemas prosperem".

A mais de cinco mil quilómetros de distância, em Curaçau, o biólogo e investigador José Ricardo Paula alerta, porém, que "a criação de uma área protegida não vai fazer com o ecossistema fique como novo de um dia para o outro". Este processo pode demorar "20 ou 30 anos a ter efeito" na natureza, mas os resultados, diz, serão positivos. "Tinha esperança de que esta rede viesse a incluir áreas mais próximas da costa, que são mais difíceis de implementar porque têm mais interesses humanos de exploração", aponta.

O especialista do MARE – Centro de Ciências do Mar e Ambiente, que lidera um projeto internacional para aferir o potencial de espécies de peixes limpadores no restauro dos ecossistemas, afirma que o grande desafio dos Açores será a fiscalização. "Existe conhecimento em Portugal para fazer isto como deve ser, sem dúvida, mas será um desafio pela extensão desta área", antecipa.

Mas qual é, afinal, a importância de definir áreas marinhas protegidas? A ciência mostra que os oceanos são uma espécie de termóstato da Terra e são estes sistemas que têm capacidade para absorver mais de 90% do calor acumulado na atmosfera e cerca de um quarto das emissões de CO2. Com o aumento da temperatura média e os efeitos das alterações climáticas, os oceanos são afetados no seu "aquecimento, na oxigenação e na acidificação". Por outro lado, os ecossistemas costeiros são muito eficazes na captura e no sequestro de carbono, mais até do que as florestas terrestres.

Não há economia sem sustentabilidade

A par da proteção ambiental, um dos objetivos centrais do Blue Azores é potenciar e desenvolver a economia azul, nomeadamente por via da biotecnologia e das aplicações que os recursos marinhos podem ter na indústria farmacêutica, de cosmética e de biomateriais. Porém, a Zero avisa que é preciso cautela na exploração comercial deste recurso. "Esqueçam a economia, a competitividade e o próprio bem-estar se o oceano que temos estiver degradado", sublinha Joana Soares, que reconhece "os inúmeros benefícios" do oceano para a humanidade.

287mil
Este é o número de quilómetros quadrados que a nova rede de áreas marinhas protegidas dos Açores vai abranger.

Garantir o sucesso da RAMPA depende, consideram os promotores, ambientalistas e investigador ouvidos pelo Negócios, da sensibilização permanente das populações e, sobretudo, dos utilizadores do mar. Isto significa que é importante criar mecanismos de compensação aos setores mais afetados, com o das pescas à cabeça, e a solução pode estar em projetos já concretizados, como a área protegida da Pedra do Valado, no Algarve.

Em outubro, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, já tinha garantido que o Governo irá compensar a 100% as perdas dos pescadores açorianos através do Fundo Ambiental. Uma promessa que voltou agora a repetir. "Este cálculo das compensações está a ser feito ao mesmo tempo que está a ser implementado o calendário do projeto das áreas marinhas protegidas, ao mesmo tempo que está a ser calculada essa perda de rendimentos, para que possa ser paga pelo Fundo Ambiental", confirmou a governante esta terça-feira, na assinatura do memorando. O objetivo é garantir que os pescadores "não sejam prejudicados". 

A economia do mar representa, de acordo com dados da Direção-geral da Política do Mar (DGPM), cerca de 5,1% do PIB nacional e 4,1% do emprego. Em 2022, as empresas do mar geraram um volume de negócios superior a 12,1 mil milhões de euros.

O potencial económico da economia azul é vasto, consideram os especialistas. Emanuel Gonçalves acredita que a pesca será "mais valorizada quando a natureza também o é", assim como o turismo de natureza que, nos Açores, é um nicho de particular interesse. Os desafios da circularidade e da alimentação sustentável abrem ainda "oportunidades ao nível da biotecnologia", que podem ser exploradas com os serviços ambientais prestados pelo oceano. "Se tivermos um oceano degradado, estamos a perder valor para essa economia que também já hoje existe, mas que tem um enorme potencial de crescimento e desenvolvimento", remata.

Presente na cerimónia de assinatura do memorando, a secretária de Estado do Mar, Lídia Bulcão, assinalou que "a visão do Governo português é de que a sustentabilidade ambiental não é um obstáculo ao desenvolvimento económico", mas antes "uma condição essencial para um crescimento equilibrado, inclusivo e duradouro". "Estamos empenhados na implementação de instrumentos concretos que permitam mitigar impactos económicos, apoiar a transição dos setores mais impactados, proteger os ecossistemas e alavancar o desenvolvimento sustentável", afiançou.

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