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Remoção de CO2: bala de prata ou o elefante na sala das empresas?

Descarbonizar a atividade empresarial passa pela transição energética, mas também por outras soluções, como o recurso à remoção de CO2 de forma natural ou artificial. O mercado de remoção de CO2 deverá crescer 31% ao ano, mas não é consensual.

09 de Outubro de 2024 às 13:30
A neutralidade carbónica até 2050 é viável e assenta numa redução de emissões entre 85% e 90%, sustenta Manuel Gouveia Pereira. Pexels
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Os objetivos climáticos globais implicam a descarbonização da sociedade e da atividade das empresas. Para além da transição energética para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa (GEE), e consequentemente o aquecimento global, a recomendação das autoridades globais inclui também o recurso a projetos de captura e remoção de CO2, de forma natural e artificial, uma vez que é preciso reduzir a quantidade de CO2 que existe e continua a ser emitido para a atmosfera.

Em cima da mesa estão abordagens naturais e artificiais tão diversas como plantar árvores, cultivar algas, recorrer à agricultura regenerativa, recuperar solos ou utilizar tecnologias para remover ou capturar CO2 e proceder ao seu armazenamento no subsolo ou noutros produtos.

É essencial equilibrar investimentos em tecnologias de remoção com esforços contínuos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa na fonte. Inês dos Santos Costa
Associate partner de Sustentabilidade da Deloitte

A remoção de CO2 "deve ser encarada como complementar à redução das emissões, tal como numa hierarquia de prioridades. É essencial equilibrar investimentos em tecnologias de remoção com esforços contínuos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa na fonte", assinala Inês dos Santos Costa, "associate partner" de Sustentabilidade e Clima da Deloitte.

Além das vantagens de contributo para a redução de emissões líquidas, estas abordagens "trazem benefícios como o desenvolvimento de novas tecnologias e inovação", o que "pode representar mais emprego e oportunidades de novas áreas de negócio", acrescenta Inês dos Santos Costa.

Manuel Gouveia Pereira, sócio e responsável pelas Áreas de Ambiente, Clima e ESG da GPA Advogados, também considera que tecnologias de captura e remoção de CO2 podem oferecer uma série de benefícios às empresas. "Todos os projetos e estratégias complementares para a redução de emissões de CO2 são bem-vindos. Embora o sequestro de CO2 não seja a única tecnologia possível, o que me parece importante é que existam medidas equilibradas e realistas, numa lógica de complementaridade que, a médio e longo prazo, permitam alcançar a neutralidade carbónica", sustentando ainda que "considerar que este tipo de projetos não é parte da solução é, a meu ver, um erro".

Com leis e regulamentos ambientais cada vez mais rigorosos, empresas que adotam tecnologias de captura e remoção de CO2 podem ficar mais perto de cumprir as metas de redução de emissões impostas pelos governos e instâncias europeias. Também podem gerar créditos de carbono, que podem ser vendidos em mercados de carbono, criando uma nova fonte de receita. "O Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 demonstra que a neutralidade carbónica até 2050 é económica e tecnologicamente viável e assenta numa redução de emissões entre 85% e 90% até 2050, face a 2005, e numa compensação das restantes emissões através do sumidouro proporcionado pelas florestas e outros usos do solo", sublinha Manuel Gouveia Pereira.

Porém, os críticos das estratégias de remoção de carbono advertem que a possibilidade de remoção de CO2 pode dissuadir as empresas de reduzirem ao máximo as suas emissões, pondo em causa o fim principal que é a descarbonização das empresas. Para Francisco Ferreira, presidente da Zero, "a prioridade está claramente na redução das emissões". Na sua perspetiva, "devem ser medidas estruturais de redução do uso de combustíveis fósseis aquelas que devem ser prioritárias, e só para os casos em que não tenha mesmo possibilidade de alterar esse objetivo é que se deve pensar na captura e armazenamento de carbono".

Outra crítica amplamente apontada é a falta de maturidade de algumas tecnologias desenvolvidas para capturar, remover e armazenar carbono, além de serem também consideradas dispendiosas. Inês dos Santos Costa salienta, por exemplo, a incerteza associada a tecnologias que fazem o armazenamento geológico do carbono. "Ainda não está comprovada a eficácia, eficiência ou a segurança de curto a longo prazo deste tipo de soluções, além dos custos associados e potencial de escala", destaca. A "associate partner" também sublinha o "desvio de foco" das empresas ao colocarem recursos no desenvolvimento deste tipo de soluções, desviando-os de outras soluções de redução. "Podemos correr o risco de encararmos estas soluções como carta branca para continuar a emitir, o que não é sustentável dadas as interdependências existentes entre os vários fatores e serviços ambientais", defende.

Procura crescente

Porém, apesar de não gerar consensos, o mercado de remoção de dióxido de carbono (CDR, na sigla em inglês) deverá crescer 31% ao ano até 2028, segundo a consultora mundial BCC. Diz a análise que a procura por soluções de CDR vai fazer crescer o mercado de 370 milhões de dólares para 8,1 mil milhões de dólares nos próximos anos. Esta análise contabiliza soluções naturais e artificiais a usar pelas empresas.

Um desses exemplos vem da Islândia. A maior instalação operacional de captura e armazenamento direto de ar (DAC) do mundo abriu este ano no país. A central foi concebida para uma capacidade de captura nominal até 36 mil toneladas de CO2 por ano, em pleno funcionamento, filtrando o CO2 do ar e armazenando-o permanentemente no subsolo. Assim que o CO2 é libertado dos filtros, o CO2 é transportado para o subsolo, onde reage com a rocha basáltica através de um processo natural, transformando-se em pedra e ficando permanentemente armazenado.

Esta é uma das soluções criadas para reduzir artificialmente a presença de CO2 na atmosfera de modo a cumprir os objetivos climáticos globais. Os gases também podem ser capturados diretamente nas chaminés das fábricas e processados de forma a reduzir estas emissões, entre outras soluções.

"Não considero que as soluções não naturais sejam já suficientemente maduras, no sentido de que ainda são necessárias mais evidências da sua eficácia, escalabilidade e impactos gerados, além da questão do custo", considera, porém, Inês dos Santos Costa.

Por outro lado, existem as soluções de base natural naturais de captura de CO2 e estas não se esgotam na floresta. "De facto, ainda há muito a fazer nesse campo. Ainda não estamos a abordar de forma consistente outro tipo de soluções como, por exemplo, as relacionadas com a gestão do solo, com as práticas de agricultura regenerativa - como as pastagens biodiversas - ou com o papel de retenção que desempenham as pradarias marinhas e outros ecossistemas", destaca Inês dos Santos Costa.

As empresas poderão investir em projetos de florestação de forma sustentável, mas é realmente na redução de emissões que consigo ter os ganhos.Francisco Ferreira
Presidente da Zero 

Para as empresas alcançarem a neutralidade carbónica, Francisco Ferreira considera que deve ser privilegiada a substituição de combustíveis fósseis por combustíveis renováveis ou a eletrificação. Se não for possível a eletrificação, as empresas devem recorrer a gases renováveis, seja o hidrogénio ou o biometano. Se ainda assim houver necessidade de remover CO2, "as empresas poderão investir em projetos de florestação de forma sustentável, mas é realmente na redução de emissões que consigo ter os ganhos". Sublinhando que a solução "não é através de algo que pode ser viável, mas que neste momento ainda é muito dispendioso e tecnicamente problemático. Porque a captura e armazenamento e utilização e armazenamento de carbono requerem imensa energia e, portanto, a eficiência é muito menor".

A força da lei

O quadro regulatório tem um papel crucial para influenciar as empresas nas suas opções de descarbonização. Neste contexto, Manuel Gouveia Pereira explica que, no que respeita aos projetos de remoção artificial de CO2 da atmosfera, foi aprovado em 2012 o regime jurídico da atividade de armazenamento geológico de dióxido de carbono. Porém, até ao momento, não chegaram a ser executados projetos ao abrigo deste regime jurídico. Quanto aos projetos de remoção natural de CO2 da atmosfera, "a grande novidade foi a aprovação, em janeiro deste ano, do decreto-lei que instituiu o mercado voluntário de carbono", que dá prioridade às tipologias de sequestro de carbono com soluções de base natural e com benefícios para a biodiversidade, designadamente através de projetos de florestação e reflorestação, assinala o advogado. Porém, acrescenta, "o problema é que continuamos a aguardar a aprovação das metodologias pela APA [N. R.: Agência Portuguesa do Ambiente] e a entrada em funcionamento da plataforma de registo, que são peças essenciais para que um projeto de sequestro em Portugal possa gerar créditos de carbono e ter associada uma compensação de emissões certificada. Será ainda necessário que existam verificadores independentes, devidamente qualificados, que efetuem a validação inicial e a verificação periódica dos projetos de carbono".

A descarbonização da economia ao nível da União Europeia não está a ocorrer ao ritmo que inicialmente se pensava e pode vir a ser necessário rever algumas metas ou medidas legislativas.
Manuel Gouveia Pereira
Sócio da GPA Advogados 

Ou seja, as iniciativas de reflorestamento poderão ser usadas por empresas como uma forma de compensar parte das suas emissões de carbono. Mas tudo isto está em evolução e "o quadro legal e regulatório irá seguramente sofrer ajustes e alterações nos próximos anos por várias razões". Não só porque a legislação nas várias esferas da sustentabilidade continua a ser aprovada e publicada "a um ritmo muito acelerado", mas também porque "em Portugal é inconcebível haver um mercado voluntário de carbono que não inclua o sequestro florestal e, nesta sede, vai ter que ser publicada muita regulamentação para pôr este mercado a funcionar", assinala o responsável da GPA Advogados.

Manuel Gouveia Pereira salienta também que a descarbonização da economia ao nível da União Europeia "não está a ocorrer ao ritmo que inicialmente se pensava e pode vir a ser necessário rever algumas metas ou medidas legislativas" e também que existem determinados setores, como o do cimento, que estão a avançar para projetos de incorporação da captura do CO2 no próprio produto industrial, recorrendo à tecnologia de CCUS - Carbon Capture Utilization & Storage, que exigem também eles enquadramento legal.

Porém, tendo em conta o relatório Draghi, divulgado no passado mês de setembro, que aborda a competitividade da UE e uma nova estratégia industrial para a Europa, Manuel Gouveia Pereira chama a atenção para "um tema da maior importância, que é o excesso de regulação na UE", criando barreiras e entraves à inovação nas empresas. "Mais de metade das PME europeias sinalizaram os obstáculos regulatórios e a burocracia administrativa como o seu maior desafio. Ora, se uma das três áreas de ação do relatório Draghi é um plano conjunto para a descarbonização e a competitividade, e se o texto do Pacto para o Futuro submetido por António Guterres à Assembleia Geral da ONU, também em setembro passado, destaca como ação n.º 1 tomar passos ambiciosos para implementar a Agenda 2030 e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, terá que haver uma mudança de atitude por parte dos órgãos legislativos da UE no que toca à profusão de regulação", defende o advogado.

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