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O eterno problema dos plásticos

Metas definidas pela Comissão Europeia não são suficientemente ambiciosas, segundo as conclusões de estudos e pareceres de entidades ambientalistas. É preciso reciclar mais, assim como melhorar o processo de recolha.

02 de Outubro de 2024 às 13:30
Sistema de depósito e reembolso de embalagens deverá entrar em vigor em janeiro de 2026. Yves Herman
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Há seis anos foi definida a Rede de Pactos para os plásticos. Uma rede com vários países, cada um deles com um pacto. Objetivo: reduzir a utilização deste material e aumentar a circularidade do mesmo. Houve avanços, mas um relatório recente conclui que o trabalho feito não é suficiente.

Segundo a Ellen MacArthur Foundation, durante este período "dezenas de milhares de milhões de artigos de plástico problemáticos ou desnecessários foram eliminados". Os dados indicam que a conceção para reutilização, reciclagem e composição na prática e à escala aumentou 23% e a incorporação de conteúdos reciclados nas embalagens cresceu 44%.

Para compreender o real impacto dos pactos - e o que deve ser melhorado -, a fundação, em colaboração com a WRAP, elaborou o relatório intitulado "Scaling Impact: The Plastics Pact Network’s Six-Year Journey Towards Eliminating Plastic Pollution and Waste".

O documento partilha o impacto e as lições aprendidas nos últimos seis anos da Rede do Pactos para os Plásticos e destaca o seu papel contínuo na condução de ações locais e colaborativas em todo o mundo, informando e complementando a política nacional e um tratado global para os plásticos.

As três conclusões

Os pactos para os plásticos são plataformas bem estabelecidas para a colaboração, criação de conhecimentos baseados em provas, bem como para a partilha e criação de transparência. Os dados indicam que o modelo escolhido produziu resultados tangíveis no terreno, promovendo uma rede robusta de partes interessadas empenhadas em ações responsáveis a nível nacional, regional e global.

A Rede do Pacto para os Plásticos está a demonstrar o impacto rápido e impressionante que pode ser alcançado através de uma ação voluntária de colaboração. No entanto, as informações recolhidas indicam que isso não é suficiente. "As lições aprendidas até agora reforçam a necessidade de medidas políticas vinculativas adicionais e mais ambiciosas, bem como de uma ação voluntária acelerada por parte das empresas. Não se trata de uma questão de ‘ou um ou outro’: ambos são cruciais para combater os resíduos de plástico e a poluição ao ritmo e à escala necessários", lê-se.

O relatório destaca ainda a importância dos pactos, considerando que estes estão numa posição única para informar e apoiar a implementação de um futuro tratado global para os plásticos a nível nacional. "A Rede do Pacto para os Plásticos oferece um meio comprovado de envolver as partes interessadas na cadeia de valor dos plásticos e de as ajudar a efetuar as mudanças necessárias, a um ritmo acelerado."

No decorrer deste estudo, a ONG de ação climática Programa de Ação de Resíduos e Recursos (Waste and Resources Action Programme - WRAP) afirmou que a forma como produzimos e utilizamos os plásticos representa um risco para as pessoas e para o planeta. Para a ONG, a Rede de Pactos para os Plásticos é uma resposta coordenada a nível global a este problema mundial. A entidade refere mesmo que os os pactos para o plástico conseguiram eliminar mais de 360 mil toneladas de plásticos problemáticos e desnecessários, evitando que milhares de milhões de artigos fossem parar a aterros ou filtrados no ambiente. "Globalmente, os membros dos pactos para os plásticos evitaram a utilização de mais de 2,2 milhões de toneladas de plástico virgem até 2022".

Em janeiro de 2023, a Iniciativa de Plásticos da Fundação Ellen MacArthur uniu esforços à WRAP e à Parceria Global para Ação Climática (Global Plastic Action Partnership - GPAP) do Fórum Económico Mundial.

As três entidades desenvolviam, desde 2018, iniciativas para combater a poluição por plásticos. Hoje essas iniciativas abrangem coletivamente mais de 20 países, com quatro objetivos em mente: a eliminação de plásticos desnecessários e problemáticos; a conceção para reutilização e reciclagem; a reciclagem efetiva na prática e à escala; e a inclusão de conteúdos reciclados.

Portugal divulgou em março o 3.º Relatório de Progresso do Pacto Português para os Plásticos que definiu cinco metas a atingir até 2025: eliminar os plásticos de utilização única; assegurar que 100% das embalagens de plástico colocadas no mercado sejam reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis; garantir que 70% ou mais das embalagens plásticas sejam efetivamente recicladas, através do aumento da recolha e reciclagem; incorporar, em média, 30% de plástico reciclado nas novas embalagens; e promover atividades de sensibilização e educação dirigidas aos consumidores atuais e futuros para a utilização circular dos plásticos.

Ao definir as metas para 2025, o Pacto Português para os Plásticos e os seus membros foram ambiciosos e é assim que continuamos, no entanto, a evolução dos resultados é mais lenta do que se esperava inicialmente. Patrícia Carvalho
Coordenadora do Pacto Português para os Plásticos

Aquando da divulgação do relatório, Patrícia Carvalho, coordenadora do Pacto Português para os Plásticos, referiu que "ao analisarmos o progresso em relação às metas estabelecidas para 2025, é muito importante reconhecer as áreas em que enfrentamos desafios e identificar os caminhos para superá-los", acrescentando que "ao definir as metas para 2025, o Pacto Português para os Plásticos e os seus membros foram muito ambiciosos". "É assim que continuamos, no entanto, a evolução dos resultados é mais lenta do que se esperava inicialmente", frisou.

Sobre a situação portuguesa, a associação ambientalista Zero lembra que, nos plásticos, apenas a parte relativa às embalagens está sujeita a uma contabilização mais próxima, uma vez que existem metas comunitárias a cumprir.

A associação acrescenta que, "oficialmente, Portugal cumpre as metas de reciclagem de embalagens de plástico, contudo, dado que a Zero tem contestado os dados que são considerados para o seu cálculo e ainda aguarda pela publicação do estudo feito pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que deverá esclarecer este assunto, reservamo-nos o direito de duvidar dessa avaliação".

Os números divulgados por várias instituições e entidades oficiais mostram que a maioria dos resíduos de embalagens de plástico ainda vão para aterro e incineração, o mesmo acontecendo com a esmagadora maioria de outros plásticos. Cenário que dificulta o atingir do objetivo da circularidade dos plásticos.

Mesmo que as empresas queiram utilizar plástico reciclável como matéria-prima das suas embalagens a verdade é que este não existe em quantidade suficiente. A Zero dá outra perspetiva do mesmo problema. A associação considera que as empresas, quando promovem mudanças, tentam mudar de material e não de abordagem (de descartável para reutilizável). "A alteração de um modelo descartável para reutilizável implica alterações mais estruturais em termos de organização interna, logística, comunicação e interação com o cliente, que a maioria das empresas só desenvolverá se forem obrigadas (nomeadamente por legislação). O modelo descartável, ainda que seja uma importante fonte de impactos negativos para o ambiente, continua a funcionar bem para as empresas que o promovem, pelo que não há grandes incentivos para a mudança. Daí a necessidade da intervenção através da legislação e de um sistema de incentivos e penalizações", explica ainda a Zero.

Com o sistema de depósito e reembolso a funcionar, como é esperado a partir de janeiro de 2026, Portugal terá possibilidade de triplicar a atual taxa de recolha de embalagens. Miguel Aranda da Silva
Diretor-geral da SDR Portugal

O sistema proposto pela SDR Portugal, associação sem fins lucrativos cujo objetivo é criar e gerir o Sistema de Depósito e Reembolso (SDR) das embalagens de bebidas de uso único, pode ser uma solução. Como refere o seu diretor-geral, Miguel Aranda da Silva, o Sistema de Depósito e Reembolso é um exemplo de economia circular na medida em que promove a recolha dedicada destas embalagens, com vista a reduzir significativamente o número de embalagens depositadas no ambiente de forma inadequada e, ao mesmo tempo, melhora a qualidade do material reciclável recolhido para que este?possa ser incorporado na produção de novas embalagens.

Miguel Aranda da Silva diz mesmo que com o SDR a funcionar, como é esperado a partir de janeiro de 2026, Portugal terá possibilidade de triplicar a atual taxa de recolha de embalagens, que se fixa na ordem dos 30%. E lembra que em Portugal, anualmente, há milhares de milhões de embalagens que não têm o destino devido. Algo que a SDR pretende corrigir, "criando condições para que o cidadão-consumidor participe, de forma voluntária e interessada, na recolha e deposição adequado destas embalagens".

Para a Zero, as metas do novo regulamento europeu podiam ser mais ambiciosas, dado que o que está previsto não será suficiente para atingir os objetivos de redução previstos. Razão pela qual a associação defende maior ambição, assim como a clarificação das regras (uma embalagem reutilizável é mesmo para ser reutilizada tantas vezes quantas possível, e incentivos e penalizações, de forma a fomentar as melhores soluções e dar-lhes um impulso inicial). Sem esquecer a colaboração entre as várias entidades, dado que a "reutilização requer colaboração e partilha de soluções".

Já no que concerne à recolha seletiva e à reciclagem, a Zero considera que há trabalho a fazer, nomeadamente no que se refere ao planeamento de embalagens para que sejam monomaterial e de materiais facilmente identificáveis pelo consumidor (portanto, logo na fase do design da embalagem). Depois é fundamental ter um sistema de recolha seletiva de embalagens de grande proximidade (a Zero defende a recolha porta a porta pelos resultados que apresenta), aplicar sistemas de "Pay-as-you-throw" (PAYT), onde quem não separa é penalizado financeiramente, e é também fundamental promover a sustentabilidade financeira do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE), dado que no momento quer o ecovalor (pago por quem coloca as embalagens no mercado), quer o valor de contrapartida (valor recebido pelos municípios os pelos sistemas de gestão de resíduos pelos serviços de recolha e triagem) está muito abaixo do necessário.

Medidas essenciais se se quer promover a diminuição da utilização do plástico e aumentar a reutilização do mesmo. E que, no caso de Portugal, defende a Zero, são imprescindíveis, dado que o país importa uma boa parte das matérias-primas que utiliza. "Apostando na economia circular podemos potenciar recursos que já estão em circulação na economia, evitando que se tornem resíduos e promovendo uma economia mais resiliente, promovendo, ao mesmo tempo, a indústria nacional", explica a Zero.

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