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Até 2023, das 2.000 maiores empresas do mundo, apenas 900 (abaixo de metade) definiram metas climáticas para os seus negócios, aponta o Environmental Defense Fund. No entanto, e apesar das metas, a esmagadora maioria não tem uma estratégia clara para transformar os seus compromissos em ações concretas, com velocidade e escala suficientes para ajudar a travar as alterações climáticas, acrescenta a organização não governamental. Muitas não sabem sequer por onde começar a reduzir a sua pegada carbónica, já para não falar das cadeias de abastecimento, responsáveis, em média, por 90 a 95% das emissões das empresas mundiais.
CEO da Patagonia
Autor do livro "The Responsible Company", que assina com o seu amigo Yvon Chouinard - que há 50 anos fundou a marca de equipamento e vestuário desportivo Patagonia - Vincent Stanley explica o que define uma empresa ambientalmente responsável. "Estamos a atravessar uma crise muito grave. No mínimo, as empresas têm de limpar aquilo que sujam. Se poluímos o ar ou um rio, somos responsáveis por deixar de o fazer e corrigir esse erro. É o mínimo indispensável. As empresas ficam com os lucros e a sociedade é que paga o preço. Se uma empresa quer ser verdadeiramente responsável, tem de tentar mudar a indústria em que se insere. Fazemos todos parte do mesmo sistema global", disse em entrevista ao Negócios o diretor de filosofia da Patagonia, empresa onde começou a trabalhar aos 21 anos, em 1973 (ano da sua fundação), quando o conceito de sustentabilidade ambiental ainda nem fazia parte do dicionário corporativo. Hoje tem 72 anos, com cinco décadas dedicadas à área.
Com uma filosofia oposta à tendência atual da "fast fashion", a Patagonia prega o anticonsumo ao fabricar peças de roupa - de uma simples t-shirt branca de algodão até um blusão capaz de aguentar temperaturas negativas - para "durar vários anos e não apenas uma estação". Ainda assim, a empresa gera lucros ano após ano, com vendas que superam os mil milhões de dólares. Logo em 1985, decidiram que 1% do valor das vendas da marca deveria ser canalizado para a preservação ambiental. Em 2022, a ideia tornou-se numa organização sem fins lucrativos para incentivar outras empresas a fazer o mesmo.
Antes disso, em 2018, a marca já tinha começado por reescrever o seu lema: "Fazemos negócio para salvar o planeta". Em 2020 receberam da ONU o prémio "Champion of the Earth". E em 2022, a Patagonia tomou uma decisão, no mínimo, surpreendente: fez do planeta Terra o seu único acionista. Ou seja, há dois anos que os lucros anuais de cerca de 100 milhões da empresa (avaliada em três mil milhões de euros) são canalizados a 100% para o combate às alterações climáticas, através do fundo Patagonia Purpose Trust.
E se esta marca conseguiu provar que o lucro é compatível com a sustentabilidade, significa que todas podem ser rentáveis e amigas do ambiente? "Podemos até assumir um compromisso profundo com a sustentabilidade, mas se a empresa estiver em dificuldades financeiras o lucro vai sempre ganhar. O mais importante é alinhar o modelo de negócio com as iniciativas de sustentabilidade, para que as vendas surjam como um efeito disso. Aí os lucros vão começar a vir da responsabilidade ambiental e social", defendeu ainda Vincent Stanley numa entrevista à margem da conferência We Choose Earth, da EDP, em Munique.
Greenwashing "não resulta"
Sobre greenwashing, diz que "está por todo o lado" e que as empresas o fazem para "tentar aumentar as vendas ou anular a vantagem competitiva dos seus concorrentes". No entanto, diz que é sempre uma estratégia falhada. "As empresas costumam fazer ‘greenwash’ apenas durante um ano ou dois e depois desistem, porque não resulta", garante. Em relação à Patagónia, são os próprios fundadores, e autores do livro "The Responsible Company" - Stanley e Chouinard - a admitir que a empresa não é perfeita. Em 2023 chegou a emissões poluentes de quase 200 mil toneladas de CO2 equivalente para a atmosfera, das quais as maiores fatias dizem respeito à cadeia de abastecimento: fabrico de matérias-primas (cerca de 180 mil toneladas), transporte de produtos (13.309 toneladas) e produção (3.404 toneladas). A marca prometeu ser neutra em carbono até 2025, mas diz que só isso não chega.
"A crise climática tem de ser o nosso principal negócio. Ela representa uma ameaça à nossa existência e toda a atividade da empresa está implicada. Temos de reduzir as emissões, começando pela forma como fabricamos os produtos. Comprar créditos de carbono não apaga a nossa pegada e não vai salvar-nos a longo prazo. Se o nosso objetivo fosse cortar só as nossas emissões, estávamos bem, mas 95% são provenientes da cadeia de valor. E assumimos essa responsabilidade", escreve a Patagonia no seu site.
E apesar dos progressos até agora, a empresa assume que muito ainda está por fazer. Sobretudo enquanto existirem fábricas a queimar carvão para fazerem as roupas da marca e enquanto 13% do vestuário que vendem estiver fora do Comércio Justo. "Se não limparmos o que sujamos, passamos à História. Temos de usar todas as ferramentas ao nosso dispor para garantir um futuro mais seguro e justo", diz Ryan Gellert, CEO da Patagonia.
Roupa polui mais do que aviões
Em relação à indústria da moda e vestuário (responsável por cerca de 10% das emissões globais, acima do transporte aéreo e marítimo), Stanley diz que há claramente produção em excesso, com as marcas a enviarem toneladas de roupa para queimar antes mesmo de chegarem às lojas, acusa. "É uma loucura, em termos ambientais". Quase sem investimento em marketing e publicidade, a Patagonia prefere que os consumidores associem uma compra ou uma determinada peça da marca à experiência que se tem ao usá-la e também à ideia de que vai durar muito tempo.
"Em geral, poupa-se dinheiro logo à partida se o tecido for de melhor qualidade", diz Stanley, sublinhando que, além de apostar 100% em algodão orgânico e materiais reciclados, a marca criou também um programa de reparação de vestuário. Assim, se uma t-shirt tiver um buraco ou um blusão ficar sem fecho, não vai para o lixo, mas é remendado para durar mais alguns anos. A Patagonia tem ainda uma plataforma própria de revenda: "Se eu me cansar, posso vender um artigo que já não uso, em vez de o deitar no lixo".
Mas foi décadas antes, ainda nos anos 90 do século passado, que a empresa começou a olhar mais atentamente para a sua cadeia de abastecimento. Tudo começou quando descobriram que o algodão dito convencional - que usavam nas suas peças - era cultivado e trabalhado de forma muito intensiva, recorrendo a químicos nocivos e muita água. "Então perguntámos: Há alguma coisa que possamos fazer para mudar isto?". E foram bater à porta dos principais fornecedores, muitos deles localizados em países asiáticos.
"Foi um passo muito difícil, porque estamos a lidar com os nossos parceiros, empresas que não controlamos. Estamos a pedir-lhes que alterem as suas práticas para um cliente que pode ser demasiado pequeno em relação aos seus outros clientes", lembra Vincent Stanley. E conta a história de uma das maiores empresas de fiação de algodão de Banguecoque, na Tailândia, que aceitou mudar a sua forma de produzir para cumprir os parâmetros de sustentabilidade da Patagonia. "Anos mais tarde, perguntámos ao dono dessa empresa porque aceitou trabalhar connosco. Nós éramos tão pequenos, e eles gigantes. Respondeu-nos assim: ‘Pode dizer-se que eu era um ambientalista que ainda estava no armário’", diz o diretor de Filosofia.
Outra dificuldade, nessa altura, foi encontrar especialistas em sustentabilidade. Simplesmente não havia. "Quando contratei o nosso primeiro gestor ambiental, tive de ir buscar alguém ligado às cidades e ao poder local, porque no mundo empresarial não existia ninguém com esse perfil. Exceto nas empresas petrolíferas e químicas. No início foi um caminho difícil, solitário , porque fomos dos primeiros a trilhá-lo. Íamos buscar pessoas a outras empresas e tínhamos de lhes dar formação", conta Stanley, acrescentando: "Mas sabíamos que éramos os pioneiros e não podíamos ser preguiçosos".
O responsável garante que em 50 anos nunca houve um momento em que a empresa, como um todo, perdeu dinheiro para ser sustentável. "É importante o facto de não termos gasto muito dinheiro em publicidade e marketing. Os nossos clientes sempre foram fiéis à marca e recomendavam os produtos uns aos outros. Houve projetos que não correram tão bem financeiramente durante alguns anos até descobrirmos como o fazer e sermos bem-sucedidos". Quanto ao facto de as preocupações com a sustentabilidade aumentarem os preços da marca, Vicent Stanley admite que sim: "O algodão orgânico é sempre mais caro do que o convencional, claro. Mas ao mesmo tempo poupamos dinheiro em energia, água e resíduos. O maior custo de todos é com os trabalhadores e com os salários dignos que pagamos desde os anos 90". Neste momento, 90% das roupas da Patagonia são oriundas do Comércio Justo.
Quanto ao futuro, a marca está a aventurar-se no negócio alimentar e já produz conservas de peixe enlatadas, cerveja e bolachas. "É um segmento que tem muito potencial para crescer. E o nosso modelo de negócio exige que a cada novo produto que é lançado, pelo menos um problema do setor alimentar ou agrícola seja resolvido", explica.
Outra aposta passa por expandir a plataforma de revenda de vestuário e olhar mais para os grandes mercados europeus de desportos de ar livre, como a Alemanha e a Itália, entre outros. "Fizemos um mau trabalho aqui durante muito tempo e começámos tarde, mas a Europa tem um grande potencial de crescimento. Fora dos EUA, há muito tempo que estamos estabelecidos no Japão, a Coreia do Sul está a correr bem e crescemos na América Latina", diz o diretor de Filosofia.