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Deixar de ter frio em casa

Portugal é conhecido pela pobreza energética dos seus edifícios. A apresentação da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050 pretende combater este flagelo. Aumentar a eficiência energética dos edifícios significa dar melhor qualidade de vida às pessoas e diminuir o consumo de energia.

14 de Fevereiro de 2024 às 13:30
Segundo a ADENE (Agência para a Energia), Portugal “sofre” há vários anos de maus hábitos na construção. João Cortesão
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Estar dentro de casa com casacos ou roupa quente é já uma tradição em Portugal, país que tem um dos níveis mais elevados de pobreza energética dos edifícios. É verdade que esta não é uma situação exclusiva de Portugal e que a Comissão Europeia definiu como uma das suas metas aumentar a eficiência energética dos edifícios. Medida que foi este ano transposta para o mercado nacional, com a publicação, no mês passado, em Diário da República, da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050 (ELPPE). O documento apresenta quatro eixos estratégicos fundamentais: sustentabilidade energética e ambiental da habitação, acesso universal a serviços energéticos, ação territorial integrada e promoção do conhecimento e atuação informada.

Mas quais os desafios que as habitações portuguesas enfrentam? Sobre isto, a ADENE (Agência para Energia) lembra que, e de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a grande maioria dos edifícios portugueses foi construída depois de 1970, sendo que o primeiro regulamento sobre desempenho térmico dos edifícios surgiu em 1990, motivo pelo qual os edifícios anteriores a esta data têm classes de desempenho energético inferiores a C e mais de 1 milhão precisa de reabilitação de alguma forma (em 5 milhões de alojamentos). A Agência acrescenta que apesar de os problemas serem diversos e complexos, um dos principais tem a ver com a orientação dos edifícios. "Muitas vezes, este ponto é descurado, o que leva a que as perdas térmicas sejam ainda mais elevadas em muitas situações. Por exemplo, um edifício orientado a sul é mais eficiente do que um edifício orientado a norte, pois recebe mais luz solar durante o dia."

Pedro Nunes, da Zero, por seu lado, considera que o conforto térmico dentro das habitações em Portugal está fortemente relacionado com as características do parque edificado no país. Segundo o ambientalista cerca de 70% das construções existentes foram erguidas antes de 1990, quando ainda não havia a implementação de regulamentos de desempenho energético para edifícios residenciais. "Por outro lado, a rápida urbanização e as carências habitacionais no século passado resultaram em muitas construções clandestinas e autoconstrução", afirma, acrescentando que tudo isto levou a edifícios pouco eficientes energeticamente, resultando em frio e calor extremos dentro das casas, conforme a época do ano.

A isto há ainda que acrescentar, aponta a ADENE, a utilização de materiais ineficientes. Na construção de edifícios, muitas vezes o preço é o fator mais importante, o que pode levar à utilização de materiais de menor desempenho térmico. A Agência lembra que, por exemplo, durante muitos anos optou-se pelo uso de vidros simples em vez de vidros duplos, o que causa grandes perdas de calor.

"Cerca de 69,5% das habitações avaliadas em Portugal têm uma classificação energética entre C e F, representando as classes menos eficientes em termos energéticos", refere Pedro Nunes, citando dados da ADENE. O ambientalista acrescenta que esta situação resulta num elevado peso das faturas de energia no orçamento doméstico, levando os cidadãos a recorrer excessivamente a equipamentos de aquecimento, muito deles relativamente ineficientes, como os aquecedores elétricos ou, especialmente, as lareiras, para tentar compensar as condições inadequadas. Sem esquecer a utilização de equipamentos mais eficientes de frio e calor, como as bombas de calor, que é historicamente baixa nos lares portugueses.

Na prática Portugal "sofre" há vários anos daquilo que a ADENE classifica de maus hábitos na construção. Cenário que não é fácil de alterar, dado o histórico e a dimensão do edificado. Não há uma solução fácil porque, como aponta a Agência, identificar as situações de pobreza energética é uma das questões mais complicadas, pois é algo que não é possível medir de forma mais abrangente, sendo necessário avaliar caso a caso. O importante, acrescenta a ADENE, é mitigar os problemas identificados no ponto anterior, com a necessidade de melhorar a envolvente dos edifícios, com o objetivo de manter a temperatura de conforto interior. É assim importante apoiar a instalação de isolamentos, substituição de janelas e promover uma ventilação adequada. São programas nacionais e locais de incentivo que são necessários para combater esta situação.

Pedro Nunes, por seu lado, afirma que Portugal precisa de adotar medidas concertadas no âmbito de uma estratégia para eliminar a pobreza energética, de forma a garantir que todos os cidadãos têm acesso a serviços energéticos acessíveis e fiáveis. Essas medidas deverão incluir:
- Programas de eficiência energética, implementando medidas abrangentes de melhoria da eficiência energética para reduzir o consumo global de energia, incluindo melhorias dos códigos de construção, promoção de eletrodomésticos eficientes, promoção da utilização de bombas de calor, e incentivo a práticas de redução do consumo de energia.
- Adoção de energias renováveis, incentivando e apoiando o uso generalizado de energia solar fotovoltaica e solar térmica, incluindo projetos energéticos comunitários, como cooperativas locais de energia renovável, disponibilizando incentivos, subsídios e políticas favoráveis nesse sentido.
- Financiamento acessível, estabelecendo mecanismos financeiros e incentivos para tornar as tecnologias de energia limpa e eficiente mais acessíveis para famílias e empresas, incluindo empréstimos de baixo custo, subsídios ou créditos fiscais.
- Políticas energéticas inclusivas, desenvolvendo e implementando políticas que assegurem o acesso equitativo a serviços energéticos, especialmente no caso de famílias de baixo rendimento, envolvendo subsídios direcionados.
- Educação e sensibilização, lançando campanhas educativas para aumentar a consciência pública sobre eficiência energética, práticas sustentáveis e programas governamentais disponíveis.
- Programas de renovação habitacional, implementando medidas de modernização de edifícios existentes com tecnologias eficientes de aquecimento e arrefecimento e isolamento térmico.
- Habitação social, investindo na construção de habitação social energeticamente eficiente para atender às necessidades de populações vulneráveis.
- Reformas regulatórias, avaliando e reformulando a moldura regulatória para facilitar a integração de projetos de energia renovável na infraestrutura energética existente.

Portugal no bom caminho?

A publicada ELPPE, na opinião de Pedro Nunes, demonstra uma mudança assinalável desde a proposta inicial submetida a consulta pública, pois houve uma evolução significativa de uma abordagem vaga e superficial para uma estratégia mais robusta. O ambientalista considera positivo o estabelecimento de metas na estratégia como a da redução da população a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida para menos de 1% em 2050, com objetivos intermédios de 10 e 5% em 2030 e 2040, respetivamente.

No caso da população a viver em habitações excessivamente quentes durante o verão, o objetivo é reduzi-la para menos de 5% em 2050, com objetivos intermédios de 20 e 10% em 2030 e 2040, respetivamente, "o que também é positivo". O ambientalista da Zero destaca ainda o objetivo de eliminar as situações em que a despesa com energia representa mais de 10% do total de rendimentos do agregado familiar.

"A estratégia parece estar mais focada agora em instrumentos de ação para cada eixo estratégico, havendo uma melhoria no estabelecimento de indicadores de concretização, embora ainda falte uma elaboração específica por anos. Apesar de os objetivos deixaram de ser definidos pelo montante a gastar ou pela simples implementação das medidas, ainda não é considerado o impacto de cada medida na mitigação da pobreza energética", constata.

Tendo contribuído de forma ativa para a ELPPE, a ADENE considera que "as medidas constantes neste documento vão permitir atingir as metas e objetivos traçados". A Agência afirma que "as medidas são suficientes e atacam o problema em várias vertentes, seja do ponto de vista da eficiência energética, da segurança dos consumidores ou dos incentivos financeiros e da literacia energética".
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