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O turismo é considerado um dos motores de desenvolvimento de Portugal, sobretudo nos últimos anos, com impactos a vários níveis, incluindo nas cidades. O tema esteve em debate na "talk" "O impacto do turismo nas cidades e no bem-estar: dois lados da mesma moeda", promovida pela iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. "Aquilo a que assistimos nas duas últimas décadas foi à ascensão das cidades como destinos privilegiados para turismo em Portugal", começou por referir Sérgio Guerreiro, diretor-coordenador da Direção de Gestão de Conhecimento, Turismo de Portugal. Nomeadamente, "Portugal cresceu muito no turismo com destinos como o Algarve ou a Madeira, mas nos últimos anos Lisboa, Porto e outras cidades cresceram significativamente na sua atratividade, melhoraram a sua oferta hoteleira, de serviços e de animação e hoje temos as cidades como elementos fundamentais no nosso posicionamento internacional enquanto destino turístico". O responsável destacou o papel no desenvolvimento económico do país, na medida em que "há investimentos que só são viáveis se forem pensados no mercado interno e no internacional" que nos visita. Considerando que os modelos de desenvolvimentos são monitorizados para poderem ser corrigidos, apontou que "pode haver temas de pressão turística nalgumas situações, mas nada que não possa ser corrigido com políticas públicas ou com a atividade das empresas".
Pode haver temas de pressão turística nalgumas situações, mas nada que não possa ser corrigido com políticas públicas ou com a atividade das empresas. Sérgio Guerreiro
Diretor-coordenador da Direção de Gestão de Conhecimento, Turismo de Portugal
Estas dinâmicas de desenvolvimento são sentidas em Cascais, conforme salientou Nuno Piteira Lopes, vereador da Câmara Municipal de Cascais, cujo concelho viu nascer na última década diversos hotéis de quatro e cinco estrelas. "A grande maioria dos hotéis em Cascais eram familiares e há 10 anos começaram a aparecer as cadeias internacionais que vieram elevar o patamar da qualidade do destino e da nossa oferta". Porém, o vereador salientou que em Cascais os munícipes "são a prioridade". E apesar de o turismo estar no eixo estratégico de desenvolvimento de Cascais, "é tudo uma questão de equilíbrio". Cascais já regista mais de um milhão de dormidas anualmente, tem uma taxa de ocupação média de 66% e lidera no preço médio por quarto a nível nacional. Diretor-coordenador da Direção de Gestão de Conhecimento, Turismo de Portugal
A estratégia é claramente a de elevar a qualidade, subir os preços e melhorar a oferta e, para isso, tem de haver infraestruturas turísticas, mas também tem de haver comércio tradicional, restauração e oferta cultural. Nuno Piteira Lopes
Vereador da Câmara Municipal de Cascais
Nuno Piteira Lopes frisou também a necessidade de haver diálogo entre os diversos intervenientes, criticando que "muitas vezes o público e o privado não falam e cada um decide o que entende", algo que o município está a tentar colmatar através da Associação de Turismo de Cascais, que reúne vários "stakeholders", a quem é apresentada a estratégia. "A estratégia é claramente a de elevar a qualidade, subir os preços e melhorar a oferta e, para isso, tem de haver infraestruturas turísticas, mas também tem de haver comércio tradicional, restauração e oferta cultural". Destacou também que hotéis e restaurantes cheios é bom, mas "é preciso que não encham a cabeça dos residentes, porque quando isso acontece é sinal de que algo não está bem e tem de ser calibrado". Neste sentido, o município tem procurado não aumentar o número de turistas, mas sim a qualidade do que se oferece a estes de forma a elevar esse mesmo turismo. "Só assim se pode aumentar preços, só assim se pode pagar melhor aos funcionários, só assim se gera mais postos de trabalho diretos e indiretos", defendeu Nuno Piteira Lopes, acrescentando que tudo deve ser compatibilizado para não interferir na vida dos residentes. Vereador da Câmara Municipal de Cascais
Turismo como motor económico
Portugal tem vantagens relativamente a outros países concorrentes na Europa e, por isso, os clientes procuram-nos. José Theotónio
CEO do Pestana Hotel Group
José Theotónio, CEO do Pestana Hotel Group, começou por referir o papel central do turismo como motor para o desenvolvimento económico das cidades. "Se olharmos para as últimas crises económicas em Portugal, o setor do turismo foi sempre o primeiro setor a conseguir sair e o que puxa pelos outros", assinalou. Explicou também que em análises longas de 20-30 anos o turismo é um dos setores que crescem, nomeadamente cerca de 4% ao ano. E isto acontece porque "Portugal tem vantagens relativamente a outros países concorrentes na Europa e, por isso, os clientes procuram-nos". CEO do Pestana Hotel Group
Salientando que o turismo é um setor essencialmente privado, no entanto, "existe um diálogo bom com o setor público para a promoção internacional", sendo na sua perspetiva "um dos setores mais consensuais em termos de economia portuguesa".
Quanto à instabilidade internacional, referiu que guerras e crises trazem sempre volatilidade ao setor, mas o facto de Portugal ser um país periférico ajuda a atenuar esse impacto. Neste sentido, "Portugal e Espanha têm sido menos afetados do que outros destinos". Além disso, "o turismo já entrou nas populações como um produto consumível e não é já só um produto de luxo, e isso tem favorecido o setor", acrescentou o CEO do Pestana.
Impacto dos turistas nas cidades
Mais turismo significa mais pessoas a circular nas cidades, a consumir mais água e energia e a produzir mais resíduos. É uma relação direta. Emídio Pinheiro
CEO da EGF
"Mais turismo significa mais pessoas a circular nas cidades, a consumir mais água e energia e a produzir mais resíduos. É uma relação direta", referiu Emídio Pinheiro, CEO da EGF, salientando que, no caso dos resíduos, "isso põe uma pressão muito grande na infraestrutura que está montada para recolher e tratar e essa pressão é cada vez maior". Além disso, destacou que implementar medidas de circularidade para transformar os resíduos em recursos, conforme ditam as estratégias públicas de sustentabilidade, "é mais difícil de fazer com muitos turistas".CEO da EGF
Ao tratar dos resíduos em dois terços do território nacional, em 174 municípios, na EGF, quando chega a época alta, "há sempre uma enorme pressão para termos a capacidade de gerir as cidades e as vilas, nomeadamente no Algarve, onde há mais produção de resíduos, mas também se torna muito mais difícil de circular, podendo o camião demorar o dobro do tempo a fazer um circuito", explicou Emídio Pinheiro. A solução para atenuar o problema passa também pelo diálogo com os municípios e com os maiores produtores de resíduos, nomeadamente o canal horeca, que utiliza os dispositivos próprios para os habitantes para depositar os seus resíduos, para se encontrarem soluções.
Não sofrendo da pressão crítica do Algarve, onde a população triplica no verão, Cascais também sofre um acréscimo e pressão sobre a gestão de resíduos e a limpeza urbana quando há picos de turismo relacionados com eventos, como é o caso do Iron Man, que traz ao concelho milhares de pessoas durante várias semanas. "Há cinco anos, quando aconteceu o primeiro Iron Man, foi muito complicado gerir os cortes de trânsito numa vila fechada durante todo o dia, os comerciantes, os restaurantes que não podiam trabalhar. No segundo ano, com mais diálogo e planeamento, começou a ser entendido de melhor forma pelos comerciantes e pelos habitantes. Hoje é tão normal que os restaurantes já fecham naquele fim de semana sabendo que beneficiam nos outros dias", explicou Nuno Piteira Lopes.
Para lidar com as várias pressões que o país sofre, seja na gestão da água, dos resíduos, na mobilidade, entre outras, Sérgio Guerreiro salientou que "a eficiência na gestão dos recursos é um tema crítico para o setor", mas o desafio é abraçado "de forma clara e com diálogo com atores públicos e privados em todo o território nacional". Neste sentido, "assumimos claramente que a sustentabilidade é o nosso modelo de desenvolvimento", pondo em equilíbrio os interesses económicos e as questões ambientais e sociais, frisou o responsável do Turismo de Portugal. Por isso, disponibilizam um conjunto de boas práticas para a hotelaria, restauração, termas, etc., para serem instrumentos práticos de adoção, e, ao mesmo tempo, disponibilizam instrumentos de apoio financeiro e formação que ajudam as empresas na implementação dessas práticas. "Cerca de 1,4 milhões de pessoas atravessam a fronteira para fazer férias. Se nós conseguirmos através do nosso exemplo, de setor que usa recursos cada vez de forma mais responsável, influenciar comportamentos de milhões de pessoas, isso vai-se repercutir no bem-estar do planeta", sublinhou.
O representante do grupo Pestana corroborou que as empresas estão "muito atentas" às questões de sustentabilidade. "Por exemplo, nós preparámos todos os campos de golfe que temos no Algarve para usar águas residuais. Neste momento, o problema é que a rede não nos consegue servir água residual. Temos também um projeto de uma dessalinizadora no Algarve que vai começar a funcionar no mês que vem", criticando, porém, que a legislação por vezes é limitadora, uma vez que só permite utilizar estas águas em piscinas e regas.
Quando decidem abrir uma nova unidade hoteleira, José Theotónio sublinhou que consideram o impacto que têm na comunidade circundante. "O setor do turismo tem hoje uma particularidade que é conseguir criar emprego a um espetro muito largo de competências." Nomeadamente, "hoje temos a trabalhar connosco desde engenheiros de ‘data analytics’, engenheiros eletrónicos, passando pelo espetro de toda a operação, até pessoas que têm qualificações muito baixas, mas que conseguem arranjar o seu primeiro trabalho no setor do turismo". Além disso, acrescentou, é um setor que dá muita formação interna, portanto, "é um setor que contribui muito para o elevador social". Fora da operação direta, desenvolvem programas sociais nas localidades onde se inserem para melhorar as vidas dessas comunidades.