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Simon Mundy: “Será necessário ter um mercado de carbono eficaz”

O editor da plataforma “Moral Money” do Financial Times assinala o papel central das empresas e defeneu a criação de um mercado de carbono eficiente no segundo Conselho Estratégico ESG do Negócios.

28 de Setembro de 2022 às 12:00
Os gestores e académicos que se juntaram na segunda reunião do Conselho Estratégico Fórum ESG do Negócios. Pedro Ferreira
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Para que o mundo consiga fazer uma transformação sustentável "será necessário ter um mercado de carbono eficaz", defendeu Simon Mundy, editor da plataforma "Moral Money", do Financial Times, no segundo Conselho Estratégico do Fórum ESG Jornal de Negócios, que decorreu estar terça-feira na Nova SBE, em Carcavelos. "Já todos ouvimos falar de compensações de carbono, mas a grande maioria - mais 95% das compensações - nada têm a ver com a remoção de carbono da atmosfera." Por isso, salientou Mundy, "vamos precisar de repensar a forma como estes mercados funcionam, se quisermos realmente enfrentar estes desafios de uma forma séria".

Perante uma plateia de gestores e académicos, Mundy assinalou o papel central das empresas: "Eu acho que a inovação e a estratégia inteligente dentro das empresas terão um papel crucial para que a humanidade enfrente estes enormes desafios". Por outro lado, o jornalista defendeu também que é preciso que as empresas poluidoras paguem os custos dos danos causados ao ambiente, que têm sido pagos pelas pessoas que sofrem com as alterações climáticas. Mundy destacou, por isso, a "insustentabilidade de um sistema que não tem preços adequados sobre o que se chama externalidades, especialmente o preço do carbono", frisando que "todos os empresários deveriam estar muito conscientes disto, porque não é sustentável".

O jornalista do Financial Times lembrou a existência do Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia (ETS, sigla em inglês), porém argumentou que terá de "haver uma mudança de algum tipo no futuro". "Penso que todos esperam que venha a haver uma fixação muito mais rigorosa dos preços do carbono ao longo da linha."

Durante dois anos, Simon Mundy percorreu 26 países e falou "com os bons e com os maus" para partilhar a história coletiva que o mundo está a viver. Nessa jornada, viu como na Mongólia, na Coreia do Sul, no Brasil, no Bangladesh, entre outros países, as alterações climáticas estão já a causar danos devastadores às comunidades, sobretudo às mais desfavorecidas, alterando o seu modo de vida, "muitas vezes secular", e obrigando muitos a deslocarem-se para outras regiões. "A maior corrida da história da humanidade é a corrida para responder às alterações climáticas", disse.

Metade vive com menos de 7 dólares Carlos Cruz, chairman da Deloitte Portugal, trouxe para o debate os impactos que a atuação humana tem tido no planeta. Em 2021, atingiu-se o nível máximo em termos de emissão de gases de efeito de estufa: 12% acima dos valores de 2010 e mais 50% acima dos valores de 1990. Tendo como consequência o aquecimento global e os impactos no planeta já conhecidos, como secas extremas, inundações, tempestades, incêndios, etc. Impactos estes sentidos de diferentes formas num mundo cheio de assimetrias. "A nível global, metade da população mundial vive com menos de 7 dólares por dia e mais de 600 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza. Se pensarmos a nível dos países, existe também uma diferença tremenda entre os mesmos, pelo que não podemos estar à espera que o nível de responsabilidade seja igual", afirmou Carlos Cruz. O chairman considera que as empresas podem ser catalisadoras dessa ação e devem olhar para as temáticas da sustentabilidade muito além de uma perspetiva de imagem e marketing. Hoje "é um imperativo de negócio que resulta de imposições dos próprios reguladores, resulta das imposições dos nossos clientes, que pretendem que as nossas organizações atuem de uma forma mais sustentável, e de um conjunto mais alargado de ‘stakeholders’", assinalou Carlos Cruz.
O também autor do livro "Race for Tomorrow: Survival, Innovation and Profit on the Front Lines of the Climate Crisis" (trd: Corrida para o Amanhã: Sobrevivência, Inovação e Lucro nas Linhas da Frente da Crise Climática), refere, contudo que apesar das grandes dificuldades provocadas pelas alterações climáticas que tem testemunhado, existem também muitos desenvolvimentos a surgirem para combater esses impactos. "Há tanta coisa que podemos fazer", sublinhou, destacando o papel da inovação.

Com uma vasta experiência jornalística a percorrer o mundo, o editor do "Moral Money" considera que as alterações climáticas são "a maior história do século", que toca todas as áreas sem exceção. "Pensávamos muitas vezes nas alterações climáticas como sendo bastante marginais em relação aos grandes temas que cobrimos. Não eram centrais para a história económica, para a história dos negócios, para a história social, para a história cultural. Bem, agora, como todos sabemos, é absolutamente central para cada uma dessas histórias", referiu.

Sustentabilidade, um tema incontornável

A transição para uma sociedade mais sustentável esteve no cerne da discussão do Conselho Estratégico, numa altura em que a Europa se vê a braços com a guerra na Ucrânia, uma crise energética, uma inflação crescente, o crescimento da extrema-direita e ainda com alguns resquícios da pandemia.

É necessário mudarmos a matriz energética mundial, que ainda hoje repousa em cerca de 81% em combustíveis fósseis. António Costa Silva, Ministro da Economia

António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, deixou uma mensagem em vídeo onde destacou a Covid-19 como "um grande grito de alerta sobre as consequências da destruição da biodiversidade do planeta". "O nosso modelo económico e social prevalecente no globo tem que ser mudado e tornado mais amigo do ambiente", frisou. Costa e Silva destacou também a guerra na Ucrânia como alerta para a sustentabilidade do abastecimento energético. "É necessário mudarmos a matriz energética mundial, que ainda hoje repousa, em cerca de 81%, em combustíveis fósseis".

Europa sofre com "erro básico" Para o economista António Nogueira Leite, a grande preocupação atual é a guerra na Ucrânia, com a "Europa a ser a região mais afetada pela guerra" e com todas as implicações que isso traz para a economia e a sociedade. O também docente universitário frisou que a Europa está a sofrer com a má decisão de um ou dois países que "cometeram o erro básico de um gestor de uma empresa ou de um país, que é pôr-se na dependência de um fornecedor". O caso português é diferente, pois "avançámos cedo com o recurso às energias renováveis", salientou.

O governante salientou ainda que a dependência extrema da Alemanha e de muitos países da Europa central e de leste do gás russo "foi um erro geoestratégico sem precedentes no domínio da energia". Neste caso, a ilação a tirar será "a criação do mercado europeu único da energia com a integração da Península Ibérica, que continua a ser uma ilha energética separada na Europa". Para o ministro, neste campo da energia, Portugal está "do lado certo da história", na medida em que o país já produz cerca de 60% de eletricidade a partir de fontes renováveis.

Teresa Brantuas, CEO da Allianz Portugal, chamou a atenção para a necessidade de atuar e ajudar os países menos desenvolvidos. "Tendemos a esquecer-nos de que há países que já estão a sofrer muito com os impactos e que não foram esses países que os provocaram e não sabem como os evitar." Por isso, acrescentou, "é inquestionável que temos que atuar para além daquilo que são os nossos objetivos fixos".

A fechar o encontro, o mote passou para o vice-presidente da Câmara de Cascais, que detalhou o empenho da autarquia rumo à sustentabilidade, que começa a ser conhecida pelos vários projetos que vai implementando, seja colocando transportes gratuitos à disposição da população, seja em projetos que fomentem a economia circular. "Neste acrónimo ESG, preocupo-me muito com o ‘G’, pois entendo que temos processos de decisão muitos lentos", assinalou Miguel Pinto Luz, referindo ainda que a Europa tem uma incapacidade crónica de tomar decisões. "Nós em Cascais tomámos decisões rápidas porque a nossa dimensão, a nossa massa crítica, a nossa independência governativa e os nossos recursos permitem-nos tomar decisões céleres e anteciparmos rapidamente aquilo que aí vem", referiu. Porém, "são desafios que não conseguimos fazer sós". Por isso, insistiu, "precisamos de mudar a mentalidade e só com decisões rápidas o podemos fazer".

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