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Quando se junta sustentabilidade a água, a maioria das pessoas pensa imediatamente nos oceanos. Mas há um problema muito mais premente. A água doce. Apesar de mais de 70% da superfície da Terra ser coberta por água, apenas 3% de toda a água existente é água doce. Dessa muito pequena percentagem menos de 1% está disponível para consumo. Onde? Em rios, lagos e águas subterrâneas. Vamos então falar dos rios. Rios que acolhem cerca de 15 mil espécies de peixes (os oceanos acolhem outras 15 mil) e que sofrem inúmeras pressões, a maioria originárias no ser humano, explica Filipe Ribeiro, investigador de Peixe de Rio, que acrescenta que os efeitos da pressão humana são muito mais intensos. É certo que as espécies nos oceanos enfrentam a pesca comercial e atividades como a exploração petrolífera, mas, em compensação, têm mais "espaço" para fugir.
Hoje, na opinião de Sara Correia, dirigente da Zero, os principais desafios que os rios enfrentam estão muito relacionados com os efeitos das alterações climáticas e com o uso que fazemos da água e os impactos produzidos pelas atividades humanas, particularmente a atividade agrícola. Opinião partilhada por Catarina Miranda, coordenadora do projeto Rios Livres, do GEOTA, que refere que, se por um lado há que garantir disponibilidade e qualidade de água para as atividades essenciais que dela dependem, como a agricultura e o consumo humano, por outro, este é um recurso cada vez mais escasso. Principalmente porque as alterações climáticas têm intensificado os fenómenos de seca, que são cada vez mais frequentes e prolongados.
Sara Correia tem uma visão mais pessimista. Para a ambientalista da Zero, os dados revelados neste novo ciclo de planeamento vêm mostrar que estamos cada vez mais longe de alcançar aquele que era o objetivo preconizado no 2.º ciclo dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica para 2027 de atingir os 100% de massas de água em estado bom ou superior. "Relativamente à quantidade, sabemos que as disponibilidades hídricas sofreram uma redução de 20% nos últimos 20 anos, com tendência de agravamento dessa redução até ao final do século, em virtude do que referimos anteriormente em relação às alterações climáticas e à diminuição da precipitação anual", aponta. E acrescenta que a redução da quantidade, aliada a uma igual redução de qualidade "só nos pode indicar que os nossos rios não estão propriamente a vender saúde já que todos estes fatores produzem grandes impactos sobre os ecossistemas que estão totalmente dependentes da água". Catarina Miranda, do GEOTA, partilha da mesma opinião e afirma mesmo que pelo menos metade dos rios e ribeiras em Portugal não cumprem os critérios mínimos de qualidade química e ecológica.
Atividades humanas e a poluição
É certo que as alterações climáticas, nomeadamente a seca, colocam pressão sobre os rios. No entanto, aponta Sara Correia, a poluição, o consumo excessivo de água e as alterações físicas dos cursos dos rios (barragens, açudes, etc.) continuam a ser as principais causas da degradação das massas de água com efeitos sobre os ecossistemas aquáticos, contribuindo para a perda de biodiversidade e ameaçando a utilização da água para usos prioritários, como é o abastecimento humano. A ambientalista afirma que as que produzem maiores impactos ao nível da qualidade são sobretudo as cargas poluentes resultantes das rejeições de águas residuais com origem nos vários setores de atividade como o setor urbano, industrial ou a produção pecuária e a poluição excessiva resultante da atividade agrícola, em particular da utilização de fertilizantes, pesticidas e herbicidas.
Um estudo da espanhola Ecologistas en Acción revelou a extensa contaminação das águas superficiais e subterrâneas espanholas por substâncias tóxicas, vindas, sobretudo da agricultura. "Um dos contaminantes mais prevalentes é o glifosato, um herbicida amplamente utilizado não apenas em Espanha, mas também em Portugal", aponta Sara Correia, que acrescenta que tendo em conta que uma parte dos rios que apresentaram níveis elevados de contaminação por estas substâncias são rios transfronteiriços, não será de estranhar que também as nossas massas de água sejam afetadas por este tipo de contaminação proveniente do país vizinho, acrescida do facto de também nós fazermos uso destes contaminantes.
Sobre isto Catarina Miranda revela que as políticas que têm vindo a ser implementadas pelo Governo português não estão alinhadas com as diretrizes europeias. "É urgente implementar em Portugal soluções que visem a preservação dos recursos hídricos, como a implementação de uma estratégia de remoção sistemática de barreiras obsoletas, a promoção de uma transição para uma agricultura mais sustentável, menos dependente de água, que use espécies adaptadas ao nosso clima e às várias regiões, e que não contribua para o declínio da biodiversidade", acrescenta. Já Filipe Ribeiro refere que podemos mudar os produtos agrícolas e otimizar o uso da água. Um exemplo? Talvez concentrar as produções de gado em locais que não sofram tanto com a escassez da água.
Sendo que a solução, afirma Filipe Ribeiro, não passa pela construção de mais barragens. De que serve gastar milhões do dinheiro público a construir todo um empreendimento de betão - com toda a pegada associada - se depois, devido à escassez de água, a barragem não fica cheia? E isso não é futurologia. Há já barragens no Algarve em que isso acontece.
Há ainda um outro problema: as espécies invasoras, introduzidas pelo Homem. Espécies que, muitas vezes, por não terem predadores, desregulam o "novo" ecossistema. Há dois anos foi feita uma revisão para os ecossistemas de água doce, revela Filipe Ribeiro, e verificou-se que a cada decénio há 14 novas espécies de animais exóticos a chegarem aos nossos rios e às nossas albufeiras. Algumas delas, como o mexilhão-zebra, a terem um impacto económico significativo, dado que "podem atingir densidades tão grandes que entopem turbinas ou mesmo canais de distribuição de água". No caso dos peixes, temos uma espécie a chegar a cada dois anos. "A chegar e a estabelecer-se", refere o investigador, acrescentando que isto tem impacto na biodiversidade e na qualidade da água.
Solução tem de ser a nível nacional
Todos nós podemos fazer a nossa parte, mas este é um problema que tem necessariamente de ser encarado a nível nacional. Quer ao nível da infraestrutura, refere o autarca João Teixeira Leite, nomeadamente, no caso de Santarém, em infraestruturas que promovam o aumento do caudal em zonas onde este é diminuto, "permitindo que diversas espécies possam fazer o seu percurso natural de desenvolvimento". Por outro lado, há que combater a poluição e ainda atuar na agricultura, grande consumidora de água doce.
"Ao contrário daquilo que acontece noutros países, Portugal não tem um programa de remoção sistemática de barreiras obsoletas prejudiciais aos ecossistemas", alerta Catarina Miranda, acrescentando que em Portugal estima-se que existam cerca de 7 mil barreiras à conectividade fluvial, e muitas são obsoletas. Situação que provoca um impacto ecológico negativo.
Hoje, na opinião de Sara Correia, dirigente da Zero, os principais desafios que os rios enfrentam estão muito relacionados com os efeitos das alterações climáticas e com o uso que fazemos da água e os impactos produzidos pelas atividades humanas, particularmente a atividade agrícola. Opinião partilhada por Catarina Miranda, coordenadora do projeto Rios Livres, do GEOTA, que refere que, se por um lado há que garantir disponibilidade e qualidade de água para as atividades essenciais que dela dependem, como a agricultura e o consumo humano, por outro, este é um recurso cada vez mais escasso. Principalmente porque as alterações climáticas têm intensificado os fenómenos de seca, que são cada vez mais frequentes e prolongados.
Os nossos rios não estão a vender saúde já que estes fatores produzem grandes impactos sobre os ecossistemas. Catarina Miranda, Ambientalista do GEOTA
Ou seja, a quantidade de água que corria nos rios e que já era diminuta fica ainda mais escassa. E aqui entra um novo problema. Por muito que se tente tratar a água proveniente da utilização humana é impossível limpá-la a 100%. Há sempre um resto que fica e que depois é diluído na água dos rios. Havendo menos quantidade de água significa que há uma maior dificuldade nessa diluição, piorando a qualidade da mesma.Sara Correia tem uma visão mais pessimista. Para a ambientalista da Zero, os dados revelados neste novo ciclo de planeamento vêm mostrar que estamos cada vez mais longe de alcançar aquele que era o objetivo preconizado no 2.º ciclo dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica para 2027 de atingir os 100% de massas de água em estado bom ou superior. "Relativamente à quantidade, sabemos que as disponibilidades hídricas sofreram uma redução de 20% nos últimos 20 anos, com tendência de agravamento dessa redução até ao final do século, em virtude do que referimos anteriormente em relação às alterações climáticas e à diminuição da precipitação anual", aponta. E acrescenta que a redução da quantidade, aliada a uma igual redução de qualidade "só nos pode indicar que os nossos rios não estão propriamente a vender saúde já que todos estes fatores produzem grandes impactos sobre os ecossistemas que estão totalmente dependentes da água". Catarina Miranda, do GEOTA, partilha da mesma opinião e afirma mesmo que pelo menos metade dos rios e ribeiras em Portugal não cumprem os critérios mínimos de qualidade química e ecológica.
A vertente poluição, hoje com um impacto menor, ainda é uma realidade. João Teixeira Leite, Vice-presidente da Câmara Municipal de Santarém
"A vertente poluição, hoje com um impacto menor, ainda é uma realidade", constata João Teixeira Leite, vice-presidente da Câmara Municipal de Santarém, que refere que há a necessidade clara de existir investimento nacional em infraestruturas que possam diluir a poluição no rio. O autarca chama a atenção para o fenómeno que começa a acontecer, nomeadamente no rio Tejo: o refluxo da água do mar que começa a subir rio acima e que "causa bastante impacto no próprio ecossistema do rio", nomeadamente "na reprodução das várias espécies". Atividades humanas e a poluição
É certo que as alterações climáticas, nomeadamente a seca, colocam pressão sobre os rios. No entanto, aponta Sara Correia, a poluição, o consumo excessivo de água e as alterações físicas dos cursos dos rios (barragens, açudes, etc.) continuam a ser as principais causas da degradação das massas de água com efeitos sobre os ecossistemas aquáticos, contribuindo para a perda de biodiversidade e ameaçando a utilização da água para usos prioritários, como é o abastecimento humano. A ambientalista afirma que as que produzem maiores impactos ao nível da qualidade são sobretudo as cargas poluentes resultantes das rejeições de águas residuais com origem nos vários setores de atividade como o setor urbano, industrial ou a produção pecuária e a poluição excessiva resultante da atividade agrícola, em particular da utilização de fertilizantes, pesticidas e herbicidas.
Um estudo da espanhola Ecologistas en Acción revelou a extensa contaminação das águas superficiais e subterrâneas espanholas por substâncias tóxicas, vindas, sobretudo da agricultura. "Um dos contaminantes mais prevalentes é o glifosato, um herbicida amplamente utilizado não apenas em Espanha, mas também em Portugal", aponta Sara Correia, que acrescenta que tendo em conta que uma parte dos rios que apresentaram níveis elevados de contaminação por estas substâncias são rios transfronteiriços, não será de estranhar que também as nossas massas de água sejam afetadas por este tipo de contaminação proveniente do país vizinho, acrescida do facto de também nós fazermos uso destes contaminantes.
Sobre isto Catarina Miranda revela que as políticas que têm vindo a ser implementadas pelo Governo português não estão alinhadas com as diretrizes europeias. "É urgente implementar em Portugal soluções que visem a preservação dos recursos hídricos, como a implementação de uma estratégia de remoção sistemática de barreiras obsoletas, a promoção de uma transição para uma agricultura mais sustentável, menos dependente de água, que use espécies adaptadas ao nosso clima e às várias regiões, e que não contribua para o declínio da biodiversidade", acrescenta. Já Filipe Ribeiro refere que podemos mudar os produtos agrícolas e otimizar o uso da água. Um exemplo? Talvez concentrar as produções de gado em locais que não sofram tanto com a escassez da água.
Medidas preconizadas não têm conseguido o objetivo de proteção das massas de água. Sara Correia, Ambientalista da Zero
Sara Correia vai mais longe e afirma que as entidades governamentais têm falhado sistematicamente na gestão que têm feito dos nossos recursos hídricos e os resultados que são apresentados neste novo ciclo de planeamento do PGRH são um bom exemplo disso mesmo. "As medidas preconizadas não têm conseguido o objetivo de proteção das massas de água, uma vez que os dados apontam para uma degradação da sua qualidade. No nosso entender, continua a falhar sobretudo a monitorização, porque não é possível planear sem conhecer devidamente aquilo que queremos proteger e, podemos dar como exemplo a contaminação dos rios espanhóis com substâncias tóxicas cujo impacto nas nossas massas de água não é conhecido por falta de monitorização dessas substâncias nos nossos rios", constata a ambientalista. Sendo que a solução, afirma Filipe Ribeiro, não passa pela construção de mais barragens. De que serve gastar milhões do dinheiro público a construir todo um empreendimento de betão - com toda a pegada associada - se depois, devido à escassez de água, a barragem não fica cheia? E isso não é futurologia. Há já barragens no Algarve em que isso acontece.
Há ainda um outro problema: as espécies invasoras, introduzidas pelo Homem. Espécies que, muitas vezes, por não terem predadores, desregulam o "novo" ecossistema. Há dois anos foi feita uma revisão para os ecossistemas de água doce, revela Filipe Ribeiro, e verificou-se que a cada decénio há 14 novas espécies de animais exóticos a chegarem aos nossos rios e às nossas albufeiras. Algumas delas, como o mexilhão-zebra, a terem um impacto económico significativo, dado que "podem atingir densidades tão grandes que entopem turbinas ou mesmo canais de distribuição de água". No caso dos peixes, temos uma espécie a chegar a cada dois anos. "A chegar e a estabelecer-se", refere o investigador, acrescentando que isto tem impacto na biodiversidade e na qualidade da água.
Solução tem de ser a nível nacional
Todos nós podemos fazer a nossa parte, mas este é um problema que tem necessariamente de ser encarado a nível nacional. Quer ao nível da infraestrutura, refere o autarca João Teixeira Leite, nomeadamente, no caso de Santarém, em infraestruturas que promovam o aumento do caudal em zonas onde este é diminuto, "permitindo que diversas espécies possam fazer o seu percurso natural de desenvolvimento". Por outro lado, há que combater a poluição e ainda atuar na agricultura, grande consumidora de água doce.
"Ao contrário daquilo que acontece noutros países, Portugal não tem um programa de remoção sistemática de barreiras obsoletas prejudiciais aos ecossistemas", alerta Catarina Miranda, acrescentando que em Portugal estima-se que existam cerca de 7 mil barreiras à conectividade fluvial, e muitas são obsoletas. Situação que provoca um impacto ecológico negativo.