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O negócio do mercado de carbono

A venda de créditos de carbono pode ser uma boa fonte de rendimentos extras para os negócios que sequestram mais emissões do que as que emitem. E se este pode ser um bom negócio, há de chegar uma altura em que deixa de ser viável financeiramente. Pelo que o mais importante é mesmo apostar em transformações operacionais e estruturais no sentido de conseguir a neutralidade carbónica. Em toda a cadeia de valor.

16 de Fevereiro de 2022 às 11:30
A start-up israelita High Hopes desenvolveu um balão que captura carbono dire   tamente da atmosfera.
A start-up israelita High Hopes desenvolveu um balão que captura carbono diretamente da atmosfera. Amir Cohen/Reuters
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A consciência ambiental e, consequentemente, a definição de estratégias de descarbonização são cada vez mais evidenciadas e utilizadas. E é neste contexto que entra o mercado de carbono. Pense numa bolsa de valores na qual as empresas (sejam investidores ou vendedores), em vez de transacionar ações, usam créditos de carbono. Há uma parte que está devidamente regulada, mas, a maioria, é puramente voluntária.

"Este mercado voluntário assenta, atualmente, na confiança que as empresas têm em projetos de compensação de emissões de CO2 (plantação de árvores, agricultura e outros que possam sequestrar carbono da atmosfera) ou projetos que possam evitar emissões de CO2, não existindo nenhum local ainda onde o registo destes créditos seja realizado, de forma a garantir a não existência de dupla contabilização bem como a coerência e a qualidade dos métodos usados para a realização dos cálculos das emissões poupadas e/ou compensadas", explica Sofia Santos, sustainability champion in chief da Systemic.

Cláudia Coelho, partner da PwC, acrescenta que no âmbito das estratégias de compensação as empresas têm de recorrer à compra de créditos de carbono, o que torna este mercado um mercado de enorme potencial.

A questão de ser um mercado voluntário e de (ainda) haver pouca regulação obriga à criação de um sistema de classificação que uniformize o mercado e dê credibilidade ao mesmo.

Uma outra questão relacionada com a falta de regulação prende-se com a necessidade de existir uma classificação. Deve haver "algumas regras básicas de funcionamento a nível nacional". Como afirma Sofia Santos, é necessário existir um conjunto de informação dada por todos os projetos que evitem/sequestrem carbono devem reportar, um conjunto de metodologias que é recomendável seguir, e um local público onde estas emissões são registadas, ficando claro quem é o vendedor, o comprador, a quantidade e o preço.

Venda de créditos: uma oportunidade de negócio

Para quem captura mais carbono do que emite, o mercado voluntário de carbono pode ser uma oportunidade para obter receitas extras. O setor primário, nomeadamente a gestão das florestas e a agricultura, é um bom exemplo. Como lembra Sofia Santos, "na realidade, terras que hoje "não têm valor imobiliário" podem ter um valor significativo associado ao carbono que poderão sequestrar bem como aos serviços de ecossistemas que poderão vir a prestar à sociedade". A especialista da Systemic refere mesmo que existe atualmente em Portugal um número crescente de empresas que apresentam soluções para sequestro de carbono.

Tudo o que são reduções é eficiência. Pode até haver investimento, mas é um investimento com retorno. Cláudia Coelho, Partner da PwC
Já Cláudia Coelho apontou a pressão sentida pelas empresas e tendo por origem os stakeholders. E lembrou a importância de usar os modelos setoriais de redução dos "science based targets" - uma iniciativa que certifica que os objetivos da empresa estão alinhados com o Acordo de Paris. O destaque que estes têm ganho no mercado (e que se reflete no número de empresas que os utilizam) faz com que "haja mínimos de redução". O que, à partida, inviabiliza que uma empresa pense em medidas de compensação (diga-se compra de crédito) como "a forma mais simples de resolver a questão". Por outro lado, acrescenta a partner da PwC, "tudo o que são reduções é, na verdade, eficiência". Pode até haver um investimento, "mas é um investimento com retorno". Por outro lado, o aumento da procura por crédito "também vai resultar, com certeza, no aumento desses créditos, o que tornará esta solução menos interessante do ponto de vista financeiro".

Neutralidade carbónica versus net zero

Além dos "science based targets", muitas empresas estão agora a adotar as metas de neutralidade carbónica ou o ainda mais ambicioso "net zero". Um termo que, lembra Pedro Barata, partner da Get2C, começou a ser falado com o Acordo de Paris. Acordo esse que "lida" com países e não com empresas. A questão é que há uma grande inconsistência, nomeadamente na comunicação dos objetivos de neutralidade carbónica. A maioria das pessoas não sabe (e poucas empresas o comunicam) é que há várias fases no processo para a net zero. Porque este é um objetivo mais ambicioso que, na sua fase final, implica ter zero emissões de carbono em toda a cadeia de valor. O partner da Get2C deu o exemplo da Exxon. Se uma pessoa conduz um veículo que utiliza o combustível dessa empresa esse consumo tem de estar enquadrado nos objetivos de net zero. Não se pode ficar "pela simples produção".

Os standards, afirma Pedro Barata, encorajam as empresas a irem buscar os tais créditos de carbono. No entanto, não diz que créditos de carbono ou qual a qualidade dos mesmos. Sobre isto estão a ser criadas iniciativas com o objetivo de criar standards sobre a qualidade dos créditos de carbono. Esse é o próximo passo. Porque nem todos os créditos têm a mesma qualidade, não devendo por isso ser avaliados da mesma forma. Ou seja, além da necessidade de um sistema de uniformização, há também falta de um sistema de classificação.

É certo que dever-se-ia investir na clarificação destes vários novos conceitos. No entanto, Sofia Santos refere que existe muita informação disponível online. Dito isto, "as empresas que queiram investir em projetos que evitem/compensem emissões de CO2, decorrentes das suas estratégias de atingir a neutralidade carbónica, devem sem dúvida investigar e compreender estas definições, o enquadramento e as práticas já existentes".

O que não há ainda é uma regulação para este mercado [venda de créditos], que sendo voluntário não pode ter assim tantas regras. Sofia Santos, Sustainability champion in chief da Systemic
O ditado diz que "nem tudo o que luz é ouro". E o mesmo acontece com o mercado de carbono. É certo que é uma oportunidade para as empresas melhorarem as suas operações e para (nalguns casos) obterem receitas extras. Mas também há riscos associados. Como alerta Sofia Santos, um dos grandes problemas que vamos assistir a curto prazo é o risco do "greenwashing", que decorre do desconhecimento já mencionado. A solução, para a especialista da Systemic, passa por desenvolver "um enquadramento regulatório, simples e mínimo: que garanta que os projetos divulgam a informação necessária e que esta seja pública, que usam as várias metodologias disponíveis para este fim, que existe um local onde as ofertas de créditos de carbono são registadas, bem como as compras e respetivos preços".

O mercado de carbono em Portugal

Embora de pequena dimensão já existem no mercado nacional empresas que vendem créditos associados a projetos que sequestram/evitam emissões de CO2, e empresas que compram esses créditos numa base voluntária. "O que não há ainda é uma regulação para este mercado voluntário, que, sendo voluntário, e assim se pretende que seja, não pode ter assim tantas regras", refere Sofia Santos. E isso é importante porque são as regras que vão ajudar a "colmatar as falhas de mercado, para que este se possa desenvolver". Sendo que as principais falhas são: falta de informação e falta de conhecimento. "Algo que uma ‘Bolsa de Valores de Carbono’ poderia resolver, sendo obviamente necessário perceber, entre muitas outras coisas, quem geria esta bolsa", acrescenta Sofia Santos.

Pedro Barata, por seu lado, menciona, mais uma vez, a questão da qualidade dos créditos. E remeteu para o "blue carbone ou carbono azul", que resulta do sequestro de carbono das pastagens marinhas ou em ecossistemas palustres. A comunidade internacional está especialmente interessada nesse tipo de projetos, valorizando-os acima de, por exemplo, projetos de gestão florestal.

Oficialmente não há um mercado de carbono em Portugal. Há empresas que, de forma voluntária, compram e vendem créditos de carbono. Mas não em quantidade e periodicidade suficiente para se poder dizer que, efetivamente, existe um mercado de carbono nosso país.

21Dezembro
Em dezembro do ano passado o Ministério do Ambiente anunciou intenção de regulamentar os mercados voluntários de carbono em Portugal.
Sobre isso, Sofia Santos relembra que, em despacho do Ministério do Gabinete do ministro do Ambiente e Ação Climática de 21 de dezembro de 2020, se lê que se pretende promover o desenvolvimento de uma proposta de quadro regulamentar para os "Mercados Voluntários de Carbono em Portugal". "Assim sendo, tudo indica que o Governo tem este tema bem presente e está a trabalhar para que em breve esta componente possa ser analisada e implementada", afirma a especialista. Resta então esperar para ver o que o "novo" Governo vai fazer sobre o assunto.

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