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Fala-se muito em smart cities. As cidades do futuro onde a tecnologia vai permitir que os cidadãos usufruam de uma melhor qualidade de vida. Mas em que é que isso consiste exatamente e onde é que se posicionam as cidades portuguesas? O Jornal de Negócios conversou em exclusivo com Massamba Thioye, gestor de projeto na divisão United Nations Climate Change Global Innovation Hub das Nações e um dos oradores da cimeira "Digital with Purpose Global", que se realiza no próximo mês, em Lisboa, sobre esta questão e sobre as últimas novidades em matéria de implementação de soluções nas cidades, que combinem uma transição ecológica e digital.
Mas antes sequer de falarmos sobre projetos especificamente há que esclarecer o que são smart cities porque, como lembra Massamba Thioye, "há diferentes rankings e diferentes avaliações", que têm por base diferentes critérios. Na sua opinião, a caracterização de uma smart city é muito simples: trata-se de cidades que utilizam a tecnologia digital para resolver problemas urbanos. E estes vão desde o aumentar o nível de segurança a proporcionar uma melhor qualidade de vida, sem esquecer a sustentabilidade. "Mas há muitos níveis para testar a ‘smartness’ das cidades", afirma Massamba, dando como exemplo o relatório sobre Smart Cities da Protek, que utiliza três critérios: infraestrutura tecnológica e conectividade (hotspots WiFi gratuitos, número de empresas de IoT, rede de 5G, entre outros pontos); a infraestrutura "clean", onde consta o acesso publico a carregamento de veículos elétricos, assim como o número de edifícios com certificações verdes; e ainda o mercado de trabalho de facilitadores tecnológicos. Na prática é como que uma espécie de evolução, com o primeiro critério - o da infraestrutura - a ser, normalmente por onde a cidades começam a sua jornada.
"Os três estão interligados", refere Massamba, que acrescenta que o investir na tecnologia terá impacto na sustentabilidade e no aspeto social, criando postos de trabalho. "O primeiro critério está ligado à tecnologia, o segundo ao ambiente e o terceiro ao social", afirma, acrescentando que todos estão ligados à sociedade digital.
Londres, diz o relatório, é a cidade europeia mais "smart, tendo já iniciativas nas três vertentes. Segue-se Amesterdão, Berlim, Paris e Lisboa.
O caso de Londres é paradigmático e deve ser observado com atenção, podendo servir de exemplo. A cidade britânica distingue-se por ter investido na infraestrutura verde e nos postos de trabalho que criou à sua volta. Um exemplo: "Londres tem 346 empresas de IoT que têm a sede na capital britânica", aponta Massamba Thioye. Empresas que usam a tecnologia para "limpar" a cidade.
Significa isto que a Europa está bem encaminhada no que se refere à criação de smart cities? Nem por isso. Como aponta Massamba há apenas duas cidades europeias no top 20 mundial - o ranking é liderado por Singapura.
Lisboa com poucas empresas tech
Nos últimos anos a capital portuguesa tem apostado numa transformação do seu espaço. Em 2020 foi Capital Verde Europeia, Carlos Moedas tem, de forma reiterada, anunciado que quer que Lisboa seja uma fábrica de unicórnios... mas e quanto a resultados concretos? Para Massamba o défice da capital portuguesa reside no seu impacto social. No número existente de startups relacionadas com a sociedade digital. A resposta talvez esteja na estratégia até aqui seguida pelo país no sentido de ter vários polos espalhados pelo território em vez de apenas alguns. O que por um lado é bom porque leva inovação a várias partes do país e ajuda a, nalguns casos, combater a desertificação, mas, no caso deste tipo de rankings, acaba por ser uma desvantagem.
Sobre isto Massmaba lembra que para a polinização cruzada é bom haver uma concentração de empresas. Um pouco como acontece em Sillicon Valley, nos Estados Unidos da América. Portugal, por seu lado, parece seguir a estratégia seguida por outros países, em que determinadas cidades especializam-se num determinado tipo de tecnologia. O que permite que entidades e empresas entrem numa "competição saudável entre si".
O Fundão é um bom exemplo dessa especialização. O município, na última década, tem-se especializado no agrotech. Aveiro é outro exemplo, sendo conhecido pelos seus projetos em telecomunicações.
O exemplo dos líderes
A capital inglesa começou por investir na infraestrutura e na certificação verde dos seus edifícios. Já Singapura, entre outras medidas, apostou na digitalização dos serviços de saúde, tendo em vista a população mais idosa. Como explica Massamba a cidade combina consultas em videoconferência com dispositivos IoT para monitorizarem a saúde dos pacientes. "Sem esquecer a inexistência de veículos particulares", acrescenta.
É certo que é muito mais fácil para uma cidade ser uma smart city quando é uma nova cidade (ou relativamente recente). A questão torna-se mais complicada quando se trata de uma cidade antiga. No caso europeu com centenas de anos e edifícios que não podem simplesmente ser demolidos. Há que fazer algumas adaptações e trabalhar na melhoria do espaço, sabendo que a antiguidade da cidade traz algumas limitações.
A maioria das cidades que lidera o ranking mundial - Singapura e Seul, por exemplo - estão claramente a investir na melhoria da qualidade de vida da sua população mais idosa. Nomeadamente os que vivem sozinhos. Um exemplo? Sensores que detetam quando não há movimentação nas habitações - num determinado período - ou quando dados como a temperatura, humidade, etc., revelam dados anormais, é automaticamente acionado um alarme e os serviços correspondentes são contactados.
Nem tudo é tecnologia
Fala-se muito na eficiência energética dos edifícios. E, embora Massamba considere que as metas definidas pela Comissão Europeia vão ajudar as cidades a ficarem mais smart, aponta que antes de começar a investir nos edifícios propriamente ditos há um conjunto de medidas que as cidades podem (e devem) levar a cabo. É o caso da florestação das cidades. As árvores numa cidade não só ajudam a limpar o ar - aumentando a sua qualidade e, indiretamente, diminuindo os casos de saúde relacionados com o mesmo - como a regular a temperatura. No caso específico de Lisboa, considerada uma cidade quente, esta é uma medida que Massamba acredita que deveria ser tida em conta. Mesmo porque ao apostar na florestação urbana consegue-se "controlar" melhor as ondas de calor.
"Não se pode ter uma cidade sustentável se não for uma smart citiy", afirma Massamba Thioye, acrescentando que a relação entre os dois aspetos é muito forte porque é necessária tecnologia digital para disponibilizar qualidade de vida às pessoas, de uma forma que esteja alinhada com as metas de sustentabilidade e do clima. Na prática, na opinião de Massamba, ao investir-se numa smart city está-se simultaneamente a contribuir para a neutralidade carbónica da cidade, assim como a prevenir o impacto negativo e a utilização dos recursos para além do que o planeta dispõe.
Cidades movidas a dados. Mas a produção e tratamento desses dados vão necessitar de data centers e, consequentemente, de energia. Sobre isso Massamba refere que já estão a ser pensadas soluções. Por um lado, ter os centros em países considerados mais frios, por forma a que o calor gerado possa ser aproveitado, ou, uma outra alternativa, ter data centers distribuídos, localizados em hotéis, que utilizam o calor para aquecer o sistema de água.
A par disso há que aumentar a eficiência na utilização dos produtos. Um exemplo? A partilha de viaturas, o chamado car sharing. E para isso é preciso tecnologia digital.
O trabalho de transformar uma cidade é abismal. E pode desmoralizar os governantes. Porque no meio de tudo o que há para fazer coloca-se a questão: por onde começar? Sobre isso Massamba é muito claro. O executivo aconselha a que se comece pela definição do futuro. Do que se quer para a cidade num determinado intervalo de tempo. O que pode ser algo complicado, dado que as administrações tendem a optar por estratégias a curto prazo. Mas esse é um passo essencial e necessário para construir uma estratégia consistente e evolutiva.
Mas antes sequer de falarmos sobre projetos especificamente há que esclarecer o que são smart cities porque, como lembra Massamba Thioye, "há diferentes rankings e diferentes avaliações", que têm por base diferentes critérios. Na sua opinião, a caracterização de uma smart city é muito simples: trata-se de cidades que utilizam a tecnologia digital para resolver problemas urbanos. E estes vão desde o aumentar o nível de segurança a proporcionar uma melhor qualidade de vida, sem esquecer a sustentabilidade. "Mas há muitos níveis para testar a ‘smartness’ das cidades", afirma Massamba, dando como exemplo o relatório sobre Smart Cities da Protek, que utiliza três critérios: infraestrutura tecnológica e conectividade (hotspots WiFi gratuitos, número de empresas de IoT, rede de 5G, entre outros pontos); a infraestrutura "clean", onde consta o acesso publico a carregamento de veículos elétricos, assim como o número de edifícios com certificações verdes; e ainda o mercado de trabalho de facilitadores tecnológicos. Na prática é como que uma espécie de evolução, com o primeiro critério - o da infraestrutura - a ser, normalmente por onde a cidades começam a sua jornada.
"Os três estão interligados", refere Massamba, que acrescenta que o investir na tecnologia terá impacto na sustentabilidade e no aspeto social, criando postos de trabalho. "O primeiro critério está ligado à tecnologia, o segundo ao ambiente e o terceiro ao social", afirma, acrescentando que todos estão ligados à sociedade digital.
Londres, diz o relatório, é a cidade europeia mais "smart, tendo já iniciativas nas três vertentes. Segue-se Amesterdão, Berlim, Paris e Lisboa.
O caso de Londres é paradigmático e deve ser observado com atenção, podendo servir de exemplo. A cidade britânica distingue-se por ter investido na infraestrutura verde e nos postos de trabalho que criou à sua volta. Um exemplo: "Londres tem 346 empresas de IoT que têm a sede na capital britânica", aponta Massamba Thioye. Empresas que usam a tecnologia para "limpar" a cidade.
Significa isto que a Europa está bem encaminhada no que se refere à criação de smart cities? Nem por isso. Como aponta Massamba há apenas duas cidades europeias no top 20 mundial - o ranking é liderado por Singapura.
Lisboa com poucas empresas tech
Nos últimos anos a capital portuguesa tem apostado numa transformação do seu espaço. Em 2020 foi Capital Verde Europeia, Carlos Moedas tem, de forma reiterada, anunciado que quer que Lisboa seja uma fábrica de unicórnios... mas e quanto a resultados concretos? Para Massamba o défice da capital portuguesa reside no seu impacto social. No número existente de startups relacionadas com a sociedade digital. A resposta talvez esteja na estratégia até aqui seguida pelo país no sentido de ter vários polos espalhados pelo território em vez de apenas alguns. O que por um lado é bom porque leva inovação a várias partes do país e ajuda a, nalguns casos, combater a desertificação, mas, no caso deste tipo de rankings, acaba por ser uma desvantagem.
Sobre isto Massmaba lembra que para a polinização cruzada é bom haver uma concentração de empresas. Um pouco como acontece em Sillicon Valley, nos Estados Unidos da América. Portugal, por seu lado, parece seguir a estratégia seguida por outros países, em que determinadas cidades especializam-se num determinado tipo de tecnologia. O que permite que entidades e empresas entrem numa "competição saudável entre si".
O Fundão é um bom exemplo dessa especialização. O município, na última década, tem-se especializado no agrotech. Aveiro é outro exemplo, sendo conhecido pelos seus projetos em telecomunicações.
O exemplo dos líderes
A capital inglesa começou por investir na infraestrutura e na certificação verde dos seus edifícios. Já Singapura, entre outras medidas, apostou na digitalização dos serviços de saúde, tendo em vista a população mais idosa. Como explica Massamba a cidade combina consultas em videoconferência com dispositivos IoT para monitorizarem a saúde dos pacientes. "Sem esquecer a inexistência de veículos particulares", acrescenta.
É certo que é muito mais fácil para uma cidade ser uma smart city quando é uma nova cidade (ou relativamente recente). A questão torna-se mais complicada quando se trata de uma cidade antiga. No caso europeu com centenas de anos e edifícios que não podem simplesmente ser demolidos. Há que fazer algumas adaptações e trabalhar na melhoria do espaço, sabendo que a antiguidade da cidade traz algumas limitações.
Não se pode ter uma cidade sustentável se não for uma "smart citiy". Massamba Thioye
Gestor de projeto na divisão United Nations Climate Change Global Innovation Hub
O importante é que as várias iniciativas tenham por base os dados. A recolha e tratamento de dados para posterior utilização em soluções que beneficiem os espaços e os cidadãos. Gestor de projeto na divisão United Nations Climate Change Global Innovation Hub
A maioria das cidades que lidera o ranking mundial - Singapura e Seul, por exemplo - estão claramente a investir na melhoria da qualidade de vida da sua população mais idosa. Nomeadamente os que vivem sozinhos. Um exemplo? Sensores que detetam quando não há movimentação nas habitações - num determinado período - ou quando dados como a temperatura, humidade, etc., revelam dados anormais, é automaticamente acionado um alarme e os serviços correspondentes são contactados.
Nem tudo é tecnologia
Fala-se muito na eficiência energética dos edifícios. E, embora Massamba considere que as metas definidas pela Comissão Europeia vão ajudar as cidades a ficarem mais smart, aponta que antes de começar a investir nos edifícios propriamente ditos há um conjunto de medidas que as cidades podem (e devem) levar a cabo. É o caso da florestação das cidades. As árvores numa cidade não só ajudam a limpar o ar - aumentando a sua qualidade e, indiretamente, diminuindo os casos de saúde relacionados com o mesmo - como a regular a temperatura. No caso específico de Lisboa, considerada uma cidade quente, esta é uma medida que Massamba acredita que deveria ser tida em conta. Mesmo porque ao apostar na florestação urbana consegue-se "controlar" melhor as ondas de calor.
"Não se pode ter uma cidade sustentável se não for uma smart citiy", afirma Massamba Thioye, acrescentando que a relação entre os dois aspetos é muito forte porque é necessária tecnologia digital para disponibilizar qualidade de vida às pessoas, de uma forma que esteja alinhada com as metas de sustentabilidade e do clima. Na prática, na opinião de Massamba, ao investir-se numa smart city está-se simultaneamente a contribuir para a neutralidade carbónica da cidade, assim como a prevenir o impacto negativo e a utilização dos recursos para além do que o planeta dispõe.
Cidades movidas a dados. Mas a produção e tratamento desses dados vão necessitar de data centers e, consequentemente, de energia. Sobre isso Massamba refere que já estão a ser pensadas soluções. Por um lado, ter os centros em países considerados mais frios, por forma a que o calor gerado possa ser aproveitado, ou, uma outra alternativa, ter data centers distribuídos, localizados em hotéis, que utilizam o calor para aquecer o sistema de água.
A par disso há que aumentar a eficiência na utilização dos produtos. Um exemplo? A partilha de viaturas, o chamado car sharing. E para isso é preciso tecnologia digital.
O trabalho de transformar uma cidade é abismal. E pode desmoralizar os governantes. Porque no meio de tudo o que há para fazer coloca-se a questão: por onde começar? Sobre isso Massamba é muito claro. O executivo aconselha a que se comece pela definição do futuro. Do que se quer para a cidade num determinado intervalo de tempo. O que pode ser algo complicado, dado que as administrações tendem a optar por estratégias a curto prazo. Mas esse é um passo essencial e necessário para construir uma estratégia consistente e evolutiva.