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Nuno Aguiar: “Muitas das encomendas estão a ser canceladas”

Neste mês era esperada a transposição da diretiva europeia de plásticos de uso único (SUP, na sigla em inglês), que proíbe a utilização de alguns deles e a redução de outros, e, no início do mês, avançou mesmo uma lei portuguesa que põe travão no uso da loiça de plástico. As empresas do setor dizem-se capazes de inovar, mas pedem tempo, e acusam já algum impacto, nomeadamente ao nível das encomendas. O porta-voz desta mensagem é o diretor técnico da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos, Nuno Aguiar.

07 de Julho de 2021 às 10:30
Nuno Aguiar, diretor técnico da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos Alexandre Azevedo
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O diretor técnico da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP) diz que se tem assistido a uma substituição "frenética" de alguns produtos de plástico.

Que peso terão as novas regras nas contas das empresas?
Essa é uma questão difícil de responder, uma vez que as empresas não se dedicam unicamente à produção dos artigos de plástico visados. No entanto, a entrada em vigor das restrições e de disponibilização e utilização da loiça de plástico de utilização única (Lei 76/2019, de 2 de setembro), a partir de 1 de julho de 2021, terá naturalmente impactos diretos nas empresas, e, por conseguinte, nas suas contas. Aliás, temos a informação de que muitas das encomendas estão a ser canceladas pelos seus clientes.

Há perspetivas de que algumas empresas fechem ou vão à falência na sequência da aplicação da diretiva?
Dentro do universo das empresas que fazem parte da nossa estrutura associativa, não temos indicação da existência de qualquer caso de fecho ou perspetiva de falência. Fora da nossa estrutura associativa também não temos conhecimento de situações desta natureza.

O que é que as empresas afetadas podem fazer para sobreviver?
A indústria de plásticos é por natureza uma indústria inovadora e flexível, que lhe permite adaptar-se a novas realidades legislativas e do próprio contexto em que vivemos, como foi o exemplo recente desta pandemia, através da produção e disponibilização de soluções inovadoras no combate à covid-19, como máscaras e outros produtos de proteção individual.

No entanto, para o sucesso de qualquer processo de reconversão é fundamental que seja dado o devido tempo à indústria para que se possa adaptar às novas disposições, a fim de permitir uma efetiva alteração dos seus processos produtivos, com possíveis investimentos em novos equipamentos, bem como a investigação, desenvolvimento e inovação.

Em matéria de inovação, é importante referir que a indústria de plásticos, em particular na área da embalagem, tem adotado, ao longo destes últimos 20 anos, diversas medidas que visam o princípio da prevenção, através da redução na fonte, onde a redução do peso e espessura das embalagens são exemplos reais, traduzindo-se em taxas de redução na ordem dos 40% e até mais em determinadas aplicações. A otimização das embalagens, com o consequente evitar do sobredimensionamento ou o excesso de embalagem, tem sido uma prática e uma preocupação constante no seio da indústria. Para além da redução, a reutilização é também uma via que as empresas procuram explorar.

Quais são as alternativas aos plásticos de uso único?
Essa é a questão que todos os stakeholders, em particular os operadores económicos, gostariam de ver respondida. A verdade é que temos assistido a uma "frenética" substituição de alguns produtos de plástico, impulsionada pela Diretiva SUP, por soluções alternativas apelidadas de "mais sustentáveis", quando a realidade tem demonstrado precisamente o contrário, já que algumas dessas opções não são recicláveis ou são de difícil reciclagem, tendo como principal destino o aterro ou a valorização energética. No fundo, podemos estar a criar um problema ainda maior no futuro.

Para contrariar esta tendência e com vista à adoção de políticas realmente sustentáveis promotoras da economia circular, é imperioso que se legisle no sentido da obrigatoriedade da realização de estudos completos de Análise de Ciclo de Vida (ACV) dos produtos, permitindo aferir de forma inequívoca, com base em dados científicos, os méritos e impactos ambientais dos diferentes produtos, retirando toda a vertente emocional das decisões. Paralelamente, é fundamental que seja definido e adotado um rótulo da eficiência ecológica, por exemplo, relativo à pegada carbónica, a figurar em cada produto, à semelhança de outros sistemas já existentes. É o caso dos rótulos para os níveis de eficiência energética, níveis de açúcar, níveis de calorias.

Quais os ganhos ambientais decorrentes da diretiva?
Ainda estão por demonstrar os efetivos ganhos ambientais decorrentes da aplicação da diretiva SUP, nomeadamente pelo que já foi referido quanto ao tipo de soluções alternativas que têm surgido no mercado, e cuja maior sustentabilidade ambiental está por comprovar cientificamente, já que as evidências têm demonstrado precisamente o contrário. Se se demonstrar que as alternativas aos plásticos são de facto mais sustentáveis, as empresas do nosso setor farão naturalmente o seu caminho e procurarão, através da investigação e desenvolvimento, inovar na criação de novos produtos, alicerçados nos princípios da economia circular e sustentabilidade, como tem sido prática corrente. O importante é que de uma vez por todas se demonstre que o caminho que se está a querer seguir é de facto o mais correto, o mais sustentável para o ambiente. Temos as nossas dúvidas que assim seja, atendendo ao exposto anteriormente.

No fundo, toda e qualquer medida legislativa desta natureza carece previamente de uma avaliação de impacto (ambiental, económica e social), de forma a garantir a sua sustentabilidade, proporcionalidade, segurança e viabilidade. Consideramos que esta avaliação deverá ser a base para a tomada de qualquer decisão, principalmente em matérias de natureza restritiva e a APIP desconhece a existência desta avaliação de impacto.

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