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Grandes economias precisam de 220 anos para atingirem neutralidade carbónica

Investigadores indicam que o crescimento verde não está a acontecer nas economias mais desenvolvidas. Para tal, a dissociação CO2-PIB teria de aumentar dez vezes até 2025.

08 de Setembro de 2023 às 08:52
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A redução das emissões de gases com efeito de tufa (GEE) que os países de elevado rendimento conseguiram até agora está muito aquém das taxas ambicionadas pelo Acordo de Paris. Ao ritmo conseguido até agora, estes países poderão levar, em média, mais de 220 anos para reduzir as suas emissões em 95%, conclui um estudo levado a cabo por investigadores da Universidade de Leeds, em Inglaterra, e da Universidade Autónoma de Barcelona, em Espanha.

Para cumprir as suas quotas-partes justas a par de um crescimento económico contínuo, as taxas de dissociação teriam, em média, de aumentar dez vezes até 2025, conclui o estudo "O crescimento verde está a acontecer? Uma análise empírica da dissociação CO2-PIB conseguida nos países de elevado rendimento".

Nenhum país de elevado rendimento alcançou o que se poderia designar por crescimento verde - quando o crescimento económico ocorre a par de reduções de emissões compatíveis com o Acordo de Paris. E os autores do estudo afirmam que este está mesmo fora do alcance dos países de elevado rendimento. "Não há nada de ecológico nisto. É uma receita para o colapso climático e para uma maior injustiça climática. Chamar crescimento verde a estas reduções insuficientes das emissões é altamente enganador, é greenwashing", afirma Jefim Vogel, do Instituto de Investigação em Sustentabilidade de Leeds e principal autor do estudo.

"Se o crescimento verde deve ser consistente com os objetivos climáticos e os princípios de equidade do Acordo de Paris, então os países de rendimento elevado não conseguiram claramente nada que se aproxime do crescimento verde e é altamente improvável que o consigam no futuro", acrescenta.

Os países precisam de reduzir as suas emissões a um ritmo suficientemente rápido para se manterem dentro das suas quotas-partes do "orçamento global de carbono" para 1,5 °C ou, pelo menos, "bem abaixo dos 2C".
O estudo incidiu sobre 11 países de alto rendimento, nomeadamente, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Luxemburgo, Países Baixos, Suécia e Reino Unido.

A análise mostrou que as reduções de emissões alcançadas nestes países ficaram "dramaticamente aquém" das taxas necessárias para cumprir o Acordo de Paris. Com as taxas alcançadas, os 11 países precisam de muitas décadas para aproximar as suas emissões de zero e, no total, poderão emitir mais de 27 vezes a sua quota-parte do orçamento global de carbono para a meta de 1,5 °C.

"O crescimento económico contínuo nos países de rendimento elevado é incompatível com o duplo objetivo de evitar uma rutura climática catastrófica e de defender os princípios de equidade que protegem as perspetivas de desenvolvimento nos países de rendimento mais baixo. Por outras palavras, a continuação do crescimento económico nos países de elevado rendimento é prejudicial, perigosa e injusta", defende o investigador.

As diferenças entre as reduções registadas e as necessárias são significativas. Em média, as reduções entre 2013 e 2019 atingiram uma taxa de 1,6% ao ano nestes 11 países mais avançados, enquanto seriam necessárias taxas de 30% ao ano em 2025 para atingir o objetivo de 2030. O Reino Unido, o único país com numa situação mais favorável, precisaria de quintuplicar a sua redução de emissões (de 3,1% para 16%). A Alemanha, a Austrália, a Áustria, a Bélgica e o Canadá teriam de reduzir as suas emissões a uma velocidade 30 vezes mais rápida.

O estudo aponta o crescimento económico como a principal causa dos danos aos ecossistemas e para a perda de biodiversidade e questiona se os países mais desenvolvidos estão a conseguir uma dissociação absoluta suficiente entre o PIB e os seus efeitos de produção no ambiente. Se os países ricos quiserem cumprir os seus compromissos, deverão adotar uma abordagem mais agressiva, defende.

Jason Hickel, do Instituto de Ciências e Tecnologias Ambientais da Universidade Autónoma de Barcelona e coautor do estudo, refere que "a prossecução do crescimento económico agregado nos países de elevado rendimento torna praticamente impossível alcançar as reduções de emissões necessárias".

Por isso, "se os países de rendimento elevado quiserem cumprir as suas obrigações de Paris, devem adotar estratégias de pós-crescimento: reduzir as formas de produção intensivas em energia e menos necessárias, reduzir o consumo dos ricos, passar dos automóveis particulares para os transportes públicos. Isto reduz a procura de energia e permite-nos descarbonizar muito mais rapidamente".

Defende também que é preciso "acelerar a implantação das energias renováveis e a melhoria da eficiência com financiamento público".

O estudo propõe uma série de medidas que os decisores políticos podem adotar para acelerar a redução das emissões de forma justa e socialmente benéfica, incluindo:

- Reduzir as formas de produção e consumo desnecessárias e intensivas em carbono, como os veículos utilitários desportivos, as viagens aéreas, a carne e os lacticínios industriais, a moda rápida, os cruzeiros, as mansões e os jatos privados

- Reduzir o consumo excessivo das classes ricas e reduzir as desigualdades de rendimento e riqueza através de impostos sobre a riqueza, limiares máximos de rendimento ou impostos sobre o carbono de luxo. Isolamento dos edifícios e reorientação dos edifícios para minimizar as novas construções

- Reduzir o desperdício de alimentos e mudar para técnicas de agricultura agro-ecológica e dietas predominantemente à base de plantas

- Melhorar os transportes públicos, os sistemas de bicicletas e a mobilidade pedonal para reduzir a utilização do automóvel

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