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Bill Gates dedicou-se a pensar o problema das alterações climáticas , numa reflexão que partilha no livro "Como evitar um Desastre Climático - As Soluções que Temos e as Inovações Necessárias". Para atingir sucesso neste campo, sugere um caminho semelhante àquele que o trilhou até se tornar dono de um império de muitos milhares de milhões: deposita a sua fé nas empresas e na inovação tecnológica, embora sublinhe que os governos também serão essenciais.
Deixe-me começar com uma confissão: durante anos, pensei que não estivesse particularmente interessado nas mudanças climáticas. Lembro-me claramente de uma sessão fechada em Davos há alguns anos. A discussão voltou-se para o clima, em vez de outras questões de sustentabilidade, e nessa altura saiu da sala.
Agora, está a posicionar-se de forma incisiva e veemente a favor de uma ação climática urgente. Começa o seu livro precisamente a descrever essa jornada. No início, era "difícil aceitar que, enquanto o ser humano continuasse a emitir qualquer quantidade de gases de efeito estufa, as temperaturas continuariam a subir". Foi só depois de se encontrar e reencontrar com um grupo de cientistas da área do clima, "várias vezes com perguntas que vinham na sequência", que finalmente "caiu a ficha". A que atribui a sua resistência inicial e de que forma a sua experiência pode ser usada para convencer outras pessoas a abraçarem a causa?
O mundo está numa situação muito diferente hoje do que quando comecei a estudar as mudanças climáticas. Temos mais informação e há um maior consenso sobre o problema. Mas ainda é difícil para muitas pessoas aceitar que reduzir apenas as emissões, sem descer até ao zero, não é suficiente. Também é difícil aceitar o volume de inovação que será necessário para chegar a zero – para reconstruir fundamentalmente a indústria da energia, o maior negócio do mundo. No livro, apresento o caso que me convenceu, e espero que convença outras pessoas. Eu aconselho os defensores do clima a continuar a defender as emissões zero, assim como uma redução das emissões que nos coloque nesse caminho.
Da sua analogia da banheira à sua alegoria do peixe, dedica bastante atenção a tornar conceitos abstratos ou dados complexos em algo mais concreto e acessível. Considera que essa abordagem é a chave para finalmente mudar a mentalidade daqueles que, apesar de toda a ciência e informação, ainda parecem acreditar que podemos simplesmente continuar tal e qual como estamos? Abordagens semelhantes ajudaram-no no seu trabalho de expandir as fronteiras tecnológicas da Microsoft ou de promover a saúde e o desenvolvimento globais através da Fundação Gates?
Embora o livro não seja dirigido especificamente aos céticos das mudanças climáticas, certamente espero que os convença de que precisamos de investir seriamente em energia limpa. Os países que mais se empenham em fomentar a inovação neste campo serão o lar da próxima geração de empresas inovadoras – juntamente com todos os empregos e atividades económicas que as acompanham. É por isso que esses investimentos são o que de mais inteligente pode ser feito, mesmo que não se acredite no argumento de que o ser humano está a provocar mudanças no clima, as quais trarão consequências catastróficas caso não sejam controladas.
A pandemia de covid-19 não evidenciou apenas os custos de se ignorar a ciência, mas também provou que uma mudança comportamental rápida e em larga escala é possível, e mostrou que os líderes que assumem a responsabilidade de resolver os problemas poderão ser respeitados. Mas, como aponta, também havia outra lição crucial: a redução relativamente pequena (de 10%) nas emissões de gases com efeito estufa que os confinamentos a nível global permitiram mostrou que mudanças comportamentais, como viajar menos de avião ou usar menos o automóvel, estão longe de ser suficientes. Existem outras lições que aprendemos durante a pandemia e que se aplicam às mudanças climáticas? Qual a melhor forma de aplicá-las à ação climática?
Uma lição que se pode retirar é o outro lado da ideia de que viajar menos de avião ou conduzir menos não é suficiente: precisamos de muita inovação para que as pessoas possam voar, conduzir e participar da economia moderna sem causar emissões. Na verdade, esse é um desafio ainda mais difícil do que desenvolver e distribuir vacinas contra a covid-19 (que é a maior campanha de saúde pública de todos os tempos). Contudo, será necessária a mesma cooperação estreita entre os governos a todos os níveis e também com o setor privado. E assim como todos nós temos que fazer a nossa parte, usando máscaras e distanciando-nos, as pessoas também precisam de desempenhar o seu papel na redução das emissões. Os indivíduos podem defender políticas que aceleram a transição para as emissões zero e podem reduzir o prémio verde ao comprar produtos de baixo e zero carbono, como carros elétricos e hambúrgueres à base de vegetais. Isto vai atrair mais concorrência nessas áreas e, em última análise, ficará mais barato tornar-se "verde".
Tal como acabar com a pandemia, na sua tese, lidar com as mudanças climáticas depende em grande parte da ciência e da inovação. No geral, sente-se "otimista de que podemos inventar [as ferramentas de que precisamos], implantá-las e, se agirmos rápido o suficiente, evitar uma catástrofe climática". Que experiências ou lições o inspiraram a ter esta convicção?
Tenho visto em primeira mão como os investimentos em investigação e desenvolvimento (I&D) podem mudar o mundo. Investigações patrocinadas pelo governo dos Estados Unidos e empresas americanas tornaram possíveis os microprocessadores e a internet, o que libertou uma quantidade fenomenal de energia empreendedora para criar a indústria dos computadores pessoais. Da mesma forma, o esforço do governo dos Estados Unidos para mapear o genoma humano levou a avanços no tratamento do cancro e de outras doenças mortais. Quanto a chegar às zero emissões, também estou a assistir a um trabalho incrível. O Breakthrough Energy Ventures, o fundo privado que construí com vários parceiros, investiu em mais de vinte empresas que estão a trabalhar em formas de baixo e zero carbono para produzir cimento e aço, assim como em maneiras de gerar e armazenar grandes quantidades de eletricidade limpa, cultivar plantas e criar animais, transportar pessoas e mercadorias à volta do mundo e aquecer e refrescar os nossos edifícios. Muitas destas ideias não vão dar certo. Mas as bem-sucedidas podem mudar o mundo.
Tal como indica, "inovação não é apenas uma questão de desenvolver novos dispositivos. É também uma questão de desenvolver novas políticas para que possamos testar e implementar essas invenções no mercado o mais rápido possível". A União Europeia (e agora também a China) começaram a introduzir essa inovação nas suas políticas. Num esforço para corrigir falhas na estrutura de incentivos, a qual não tem em consideração o que designa como "prémios verdes", muitos países europeus introduziram mecanismos para taxar as emissões de dióxido de carbono (CO2), o desperdício de recursos e a poluição. Essas políticas estão a mudar a estrutura de incentivos de uma forma significativa? Um mecanismo de ajuste fronteiriço de carbono ajudaria a impulsionar o progresso?
Definir um preço para o carbono é uma política que fará a diferença, como parte de uma abordagem geral em que o objetivo é aumentar tanto a oferta quanto a procura por avanços na área da energia limpa. Menciono um largo leque de outras ideias no livro. Por exemplo, algo que os governos podem fazer para ampliar a oferta de inovação é expandir drasticamente o financiamento para I&D em energia limpa - eu recomendo um aumento de cinco vezes. Do lado da procura, além do preço do carbono, podem ser definidos níveis padrão para a quantidade de eletricidade ou combustível que têm de ser provenientes de fontes de zero carbono. Precisamos de inovação nas políticas, tanto quanto na tecnologia. Já vimos antes política e tecnologia a unirem -se para resolver grandes problemas. Conforme registo no livro, a poluição do ar é um ótimo exemplo; a Lei do Ar Limpo dos Estados Unidos fez um excelente trabalho a retirar gases tóxicos do ar. Outras soluções políticas incrivelmente eficazes nos Estados Unidos incluem a eletrificação rural, a expansão da segurança energética e o desencadeamento da recuperação económica depois da Grande Recessão de 2008. Agora, precisamos de transformar o QI da tecnologia e da política mundial de forma a eliminar as emissões. A minha equipa na Breakthrough Energy, a rede de iniciativas que fundei para acelerar a transição para a energia limpa, está a trabalhar arduamente para desenvolver e defender políticas ousadas que atinjam os objetivos climáticos mundiais.Cérebro da ‘tech’ serve muitas causas Bill Gates construiu um império que vale biliões no mundo da tecnologia, depois de ter fundado a Microsoft com Paul Allen. Foi em 1975 que deram este passo, e seguiram convictos num futuro em que haveria "um computador em todas as áreas de trabalho de todas as casas", lê-se no site pessoal do empresário. Em 2014, abdicou do cargo de presidente e passou a conselheiro da empresa na área de tecnologia, além de pertencer ao conselho de administração.
Agora, o maior foco do bilionário é outro: tem despendido uma fatia considerável da sua fortuna, de cerca de 136 mil milhões de dólares, que o torna o terceiro homem mais rico do mundo, nos projetos que desenvolve através da fundação que criou com a mulher em 2000, a Bill & Melinda Gates Foundation. A fundação tem feito esforços para erradicar doenças como a poliomielite nos países menos desenvolvidos, através de campanhas de vacinação, tendo em 2010 prometido dedicar 10 mil milhões de dólares ao longo de uma década para este fim. A mesma entidade também tem sido ativa na procura de soluções de saneamento que previnam mortes nos países menos desenvolvidos. Mais recentemente, em 2017, a fundação destinou 300 milhões de dólares para ajudar agricultores na Ásia e em África a lidar com as alterações climáticas. 2021 iniciou-se com a publicação do livro em que Gates partilha a sua visão sobre os desafios ambientais: "Como Evitar um Desastre Climático: as Soluções que Temos e as Inovações Necessárias".