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Os últimos consensos científicos indicam que um milhão de espécies está em risco de extinção; apenas 13,2% dos oceanos estão em condições mais ou menos intactas; só 4% dos animais vivem em ambiente selvagem; e que, se a temperatura aumentar 1,5 °C, entre 70% e 90% dos corais irão desaparecer, e com eles também uma parte muito significativa da vida nos oceanos.
Foi com estes números que Maria de Jesus Fernandes, bastonária da Ordem dos Biólogos, abriu a sua participação como keynote speaker no debate "Preservação do Capital Natural - Preservar a Biodiversidade", naquele que é o segundo ciclo de talks sobre sustentabilidade organizado pelo Jornal de Negócios.
"O problema é grave. Como podemos ultrapassar isto? Há duas soluções. Uma tem que ver com descarbonizar a economia e a outra com a reconstrução da natureza. De facto, se já não podemos preservar as condições naturais - porque já quase não as temos -, temos mesmo de avançar para projetos de renaturalização, restauro e recuperação", referiu.
No caso de Portugal, o cenário também é muito preocupante. O Relatório Nacional de Aplicação da Diretiva Habitats indica que a conservação da maior parte das espécies, nomeadamente invertebrados, alguns grupos de peixes, mamíferos e habitats, está a deteriorar-se. "Portugal é o quarto país da Europa com mais espécies em risco de extinção. Isto também se deve ao facto de termos uma enorme biodiversidade, é verdade, mas é problemático que o risco seja já tão elevado", referiu a bastonária.
Invasão de espécies exóticas
Quais são, então, as principais causas deste elevado risco de extinção de espécies com que nos deparamos no nosso país? Para além do impacto das alterações climáticas, segundo a bastonária, a introdução de espécies exóticas está a impactar também as condições de vida das espécies autóctones.
"A quantidade de espécies exóticas que temos no nosso país e a quantidade de espécies exóticas que têm comportamentos invasivos relativamente às espécies nativas dos habitats é de tal forma grande e agressivo que põem de facto em risco muitas das nossas espécies endémicas, principalmente as mais sensíveis. Por exemplo, a erva-das-pampas é daquelas que neste momento invadiu o país. Foi trazida por razões ornamentais e hoje cobre grandes campos com uma capacidade de explosão imensa", explica Maria de Jesus Fernandes.
Os custos associados ao controlo das espécies invasoras "são brutais". Os danos mundiais estimados com estas espécies totalizam 5% da economia global.
A produção da natureza
São denominados serviços de ecossistemas toda a produção feita pela natureza. Por exemplo, a polinização, colheitas agrícolas, fornecimento de madeira, sequestro de carbono, purificação da água, captura marítima de peixes, fornecimento de água, etc.
Para a bastonária, "sem os serviços dos ecossistemas nós não conseguiríamos sobreviver na Terra. Mas não nos conseguimos aperceber da importância que esses serviços têm, inclusive a nível económico. Nos últimos anos, tem-se começado a valorizar esses serviços e existe cada vez mais na UE e nos EUA uma tendência para contabilizar, valorizar e perceber quanto é que custam os diferentes serviços, o que é que o ecossistema nos dá".
Deste ponto de vista, Portugal ocupa uma posição mediana relativamente à Europa nos diferentes serviços prestados. Na floresta, para além dos serviços diretos referidos, há que salientar também o uso recreativo. "Em Portugal, o uso recreativo tem obviamente um valor grande", referiu. Em 2018 e 2019, foram realizadas anualmente mais de 23 mil visitas guiadas a zonas classificadas.
As florestas estão entre os mais importantes recursos turísticos nacionais, por vezes associados a monumentos construídos, como a Mata Nacional do Buçaco ou o Parque da Pena. A importância dos recursos florestais e naturais portugueses está patente na Estratégia Turismo 2027, que destaca a natureza como um dos ativos diferenciadores de Portugal.
Por fim, a bastonária referiu a necessidade de criar uma Lei do Património Natural. "Temos muita legislação sobre conservação da natureza, sobre património. A Ordem dos Biólogos há uns anos que se debate com esta temática e achamos, cada vez mais, que era importante arranjar consensos nacionais e alargar as questões da biodiversidade e da conservação não apenas aos territórios classificados, mas a todo o território nacional", finalizou.