Outros sites Medialivre
Notícia

Finanças verdes aceleram transição para economia descarbonizada

Com um escrutínio à banca cada vez mais exigente em matéria de ESG, as empresas terão de se adaptar para terem acesso ao financiamento sustentável. Mas a falta de informação continua a pairar no ar.

04 de Janeiro de 2023 às 14:00
Requisitos de finanças sustentáveis estão a apertar para o setor financeiro. O roteiro mais recente é traçado pela EBA.
Requisitos de finanças sustentáveis estão a apertar para o setor financeiro. O roteiro mais recente é traçado pela EBA. D.R.
  • Partilhar artigo
  • ...
A Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla inglesa) publicou um roteiro que define oito grandes objetivos e o calendário para a execução de tarefas na área das finanças sustentáveis e dos riscos ambientais, sociais e de governação (ESG). Visa, desta forma, dar seguimento ao Plano de Ação sobre Finanças Sustentáveis previsto para a Europa, que impulsionará todo o mercado a uma operação mais verde e em linha com a Agenda 2030 das Nações Unidas.

Na prática, com as novas orientações, vai ser exigido aos bancos que divulguem informação qualitativa e quantitativa sobre as suas práticas e riscos ESG a que estão expostos, a partir de 2024 com referência à sua atividade no ano anterior. "Com este regulamento, os bancos terão, por exemplo, de passar a reportar os níveis de eficiência energética dos imóveis financiados pelo seu crédito à habitação e a sua exposição em matéria de crédito às 20 empresas com utilização mais intensiva de carbono", explica Miguel Ferreira, professor catedrático na Nova SBE.

Desta forma, será exigido um esforço na recolha e tratamento dos dados necessários ao reporte e consequente adaptação dos seus sistemas de informação, "o que colocará desafios operacionais e de rentabilidade aos bancos", sublinha Miguel Ferreira.

O também detentor da Cátedra: BPI | Fundação "la Caixa" Chair in Responsible Finance acrescenta que este roteiro é a prova de que os desafios regulatórios em matéria ESG estão a ficar mais complexos, sendo "um sinal claro de que a tendência será para um escrutínio cada vez mais exigente em matéria de ESG".

Com oito objetivos principais, o novo roteiro explica a abordagem sequenciada e abrangente da EBA ao longo dos próximos três anos, para integrar as considerações dos riscos ESG no quadro bancário e apoiar os esforços da União Europeia (UE) na transição para uma economia mais sustentável.

As atividades são classificadas em oito áreas principais: transparência e divulgação; gestão e supervisão de riscos (incluindo planos de transição); tratamento prudencial das exposições; testes de esforço; normas e rótulos; greenwashing; relatórios de supervisão; e monitorização de riscos ESG e finanças sustentáveis. Para Sofia Santos, CEO da consultora Systemic, este roteiro da EBA significa "o reconhecimento que os riscos ESG e o financiamento sustentável estão intimamente ligados com o objetivo de manter um sistema financeiro estável resiliente e a funcionar de forma ordeira". Desta forma, explica, "irá surgir uma crescente regulação e supervisão bancária associada aos temas dos riscos de ESG e de transição para uma economia sustentável, nomeadamente ao nível da regulação prudencial".

Impacto nas empresas

O impacto na economia e nas empresas destas medidas será notório, forçando-as a terem uma operação mais sustentável para terem acesso a financiamento. Sofia Santos considera que tal movimentação "poderá ser ótimo para acelerar a transição para uma economia descarbonizada ao trazer estes temas da regulação prudencial, transparência e greenwashing para cima da mesa" e para "acelerar os projetos que procuram por financiamento a incorporarem de forma explícita o seu alinhamento com a taxonomia verde europeia".

Se já existem vários produtos verdes no mercado, o que é facto é que a efetiva incorporação dos riscos ESG nos modelos de pricing e de default ainda é pouco evidente. Sofia Santos
CEO da consultora Systemic
Recorde-se que um dos principais objetivos de regular a atividade empresarial e do setor financeiro em matéria de ESG é para aumentar a informação disponível aos investidores para que estes possam tomar decisões com critérios de sustentabilidade. Como efeito, Miguel Ferreira destaca que as empresas poderão beneficiar com isto. "É expectável que uma maior transparência por parte das empresas nesta matéria se possa traduzir numa redução das taxas de juro para aquelas que tenham melhores desempenhos ao nível da sustentabilidade. Assim, estas empresas terão mais acesso a capital para fazerem os investimentos necessários para terem modelos de negócio mais sustentáveis em termos de ESG". Mas o impacto será mais alargado do que o próprio setor financeiro. "Espera-se que esta regulação possa contribuir para a resolução dos principais desafios enfrentados pela nossa sociedade e para um modelo de desenvolvimento mais sustentável", destaca.

À procura de mais informação

O financiamento sustentável visa integrar critérios ESG nos serviços financeiros, apoiar o crescimento económico nesta base e também aumentar a consciência e a transparência dos atores financeiros sobre a necessidade de mitigar os riscos dos ESG através de uma gestão adequada. Porém, essa informação parece ainda não estar a chegar de forma satisfatória aos atores do mercado. "O tema do financiamento sustentável e os temas ESG estão a começar a fazer parte da linguagem comum da banca, apesar de muito conhecimento ainda ter de ser produzido", sublinha Sofia Santos. Destacando que ainda se está no início do processo, a CEO defende que é necessário que as instituições como a EBA e outras a nível nacional produzam recomendações e documentos de apoio para que os bancos consigam acelerar a implementação destes riscos nos seus modelos e nas suas quantificações. "Se já existem vários produtos verdes no mercado, o que é facto é que a efetiva incorporação dos riscos ESG nos modelos de pricing e de default ainda é pouco evidente, e mais conhecimento é necessário ser produzido e partilhado pelos bancos".

Por outro lado, Miguel Ferreira frisa a falta de harmonização que também existe no mercado. "A evolução das finanças sustentáveis é um tema de constante debate, mas pouco consenso. Por um lado, temos assistido a um aumento do investimento assente em agendas sustentáveis, como é exemplo da iniciativa Principles for Responsible Investment das Nações Unidas, que contava com cerca de 2500 gestoras de ativos como signatárias em 2019 e atualmente conta já com cerca de 5000. Por outro lado, não é possível apurar com grau satisfatório que parte dessas gestoras de ativos de facto implementam políticas de investimento responsáveis nem como o fazem, o que dificulta a mensuração da evolução das finanças sustentáveis".

É difícil fazer comparações diretas sobre o desempenho em termos de finanças sustentáveis, quer ao nível de países, quer de empresas, não só por ser uma matéria recente, mas pela falta de standards. Miguel Ferreira
Professor catedrático da Nova SBE
O professor catedrático sublinha ainda que "é difícil atualmente fazer comparações diretas sobre o desempenho em termos de finanças sustentáveis, quer ao nível de países, quer ao nível de empresas, não só por ser uma matéria relativamente recente, mas principalmente pela falta de standards e índices comuns que tornem tais comparações mais robustas". Ainda assim, no que toca à comparação geográfica, considera que a ambição regulatória a nível europeu é "superior à dos restantes blocos económicos", colocando a Europa como uma "referência na implementação deste tipo de iniciativas".

Portugal segue em linha com os seus congéneres europeus, na medida em que todos estes temas são novos para a economia portuguesa e europeia. Sofia Santos reforça, por isso, o papel relevante da supervisão no aconselhamento e orientação de como os bancos devem reportar e contabilizar, "para se evitar o tentador greenwashing".

Recorde-se que Portugal foi o primeiro país a assumir, em 2016, o compromisso político de atingir a neutralidade carbónica até 2050 e que assinou a Carta de Compromisso para o Financiamento Sustentável, em 2019, para além de ter iniciativas do setor privado português, como o Business Council for Sustainable Development, que visam a sensibilização e o apoio às empresas nas três dimensões ESG.

Ainda assim, Miguel Ferreira considera que "há um longo caminho a percorrer nas várias áreas abrangidas pelo roteiro da Autoridade Bancária Europeia", salientado que "a economia portuguesa vai ser posta à prova já em 2024 com os primeiros reportes em matéria de ESG previstos no recente regulamento publicado pela Comissão Europeia. Só aí será possível perceber melhor como nos posicionamos neste âmbito relativamente a outras economias europeias comparáveis à nossa."

Mais notícias