Outros sites Medialivre
Notícia

Empresas vão ter novas regras para registarem a sustentabilidade

Uma nova diretiva vai obrigar as empresas a publicarem informações sobre os seus impactos a nível ambiental, social, nos direitos humanos e em fatores de governação. O universo português, maioritariamente PME, será impactado sobretudo pelas cadeias de valor.

02 de Novembro de 2022 às 12:00
Pexels
  • Partilhar artigo
  • ...
Grandes empresas, empresas cotadas e PME cotadas vão ter de cumprir novas regras sobre a comunicação de informações em matéria de sustentabilidade, ao abrigo da nova Diretiva de Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas (CSRD, sigla em inglês), que deverá ser aprovada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu agora em novembro.

A diretiva altera a Diretiva Divulgação de Informações Não Financeiras (NFRD, sigla e inglês), de 2014, introduz requisitos mais pormenorizados para a apresentação de relatórios e assegura que as empresas abrangidas sejam obrigadas a comunicar informações sobre o seu impacto em questões de sustentabilidade, como direitos ambientais, direitos sociais, direitos humanos e em fatores de governação. É assim esperado um compromisso maior das empresas na área da sustentabilidade. "Esta diretiva vem exigir que as empresas reportem e para o fazerem não se trata só de comunicação é preciso terem o seu modelo de negócio alinhado com a neutralidade carbónica, que identifiquem a sua pegada de gases com efeito de estufa nos vários níveis técnicos que existem, vai-se exigir que as empresas explicitem os impactos ao longo da cadeia de valor e que explicitem também os riscos climáticos na sua gestão de riscos", explica Sofia Santos, CEO da consultora Systemic.

A diretiva incutirá mais clareza e consistência ao mercado
da sustentabilidade.
Rodrigo Tavares
Professor catedrático convidado da Nova SBE
A CSRD introduz igualmente um requisito de certificação da comunicação de informações sobre a sustentabilidade, bem como uma melhor acessibilidade das informações, exigindo que estas sejam comunicadas numa secção específica dos relatórios de gestão da empresa. Para Rodrigo Tavares, professor catedrático convidado da Nova SBE, "a diretiva incutirá mais clareza e consistência ao mercado da sustentabilidade". Porém, "as empresas e as instituições financeiras terão de cumprir a diretiva num contexto normativo denso, onde se inclui também a Taxonomia e a Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR), entre outras regulamentações. Além disso, a International Financial Reporting Standards (IFRS), que já é responsável pelas normas globais de contabilidade, está a desenhar novas métricas de divulgação contabilística de sustentabilidade e poderá disputar espaço com a diretiva europeia. Poderá haver sobreposição entre ambas".

A diretiva deverá ser aplicada em três fases: a 1 de janeiro de 2024, para as empresas já sujeitas à NFRD; a 1 de janeiro de 2025, para as grandes empresas atualmente não sujeitas à NFRD; e a 1 de janeiro de 2026, para as PME cotadas, bem como para as instituições de crédito de pequena dimensão e não complexas e as empresas de seguros cativas.

Informação sistematizada, visão alargada

A diretiva visa colmatar as lacunas de informações não financeiras, cuja qualidade era insuficiente para permitir que os investidores as tomassem em conta, dificultando a transição para uma economia sustentável. Para o sucesso do Pacto Ecológico Europeu e do plano de ação sobre o financiamento sustentável, as autoridades europeias consideram que é fulcral que sejam obtidas informações mais claras e transparentes sobre os riscos de sustentabilidade a que as organizações estão expostas e sobre o seu impacto nas pessoas e no ambiente.

Não há informação pública disponível e a ideia é colmatar essa falha de mercado, fazendo com que esta informação esteja disponível. Sofia Santos
CEO da consultora Systemic
Assim, as novas regras pretendem clarificar dados e criar um fluxo mais consistente e coerente de informação sobre sustentabilidade ao longo de toda a cadeia de valor. O objetivo é as empresas responderem aos indicadores que depois serão colocados de forma pública numa base de dados europeia. "O objetivo é com esta informação criar-se uma base de dados pública, porque atualmente estas bases de dados são privadas. Não há informação pública disponível e a ideia é também colmatar essa falha de mercado, fazendo com que esta informação possa estar disponível em algum sítio de forma agregada por setores", explica Sofia Santos.

Efeito dominó no mercado

Apesar de as novas normas serem obrigatórias apenas para as empresas abrangidas - que ainda assim afetará 50 mil empresas, segundo o professor da SBE - toda a cadeia de valor poderá ser afetada. Isto porque, como explica Sofia Santos, "faz parte da diretiva as empresas responderem como é que acautelam os riscos ambientais e sociais ao longo da cadeia de valor. Ou seja, vamos ter as grandes empresas a perguntar aos seus fornecedores como é que eles gerem os ricos climáticos, os riscos sociais". Assim sendo, as PME que não cumprirem os requisitos muito provavelmente deixarão de integrar o cabaz de fornecedores de empresas que não querem os seus relatórios de sustentabilidade manchados por más práticas de ESG (ambiental, social e governação, sigla em inglês).

Neste sentido, Rodrigo Tavares ressalta que, em Portugal, 99% do tecido empresarial são PME que fugirão ao alcance direto da diretiva. Porém, sublinha que "haverá pressão do topo para a base, porque as maiores empresas, que são cobertas pela diretiva, imporão práticas de sustentabilidade e solicitarão à sua cadeia de valor que se torne sustentável, para que elas próprias estejam alinhadas com os dispositivos legais em vigor. As PME portuguesas, ainda que indiretamente, poderão sentir o impacto da Diretiva". Além disso, acrescenta o professor catedrático, "espera-se que a diretiva proponha também ferramentas não obrigatórias para que as PME possam divulgar as suas credenciais em sustentabilidade".

Sobre a preparação da realidade portuguesa perante estas novas regras, Rodrigo Tavares considera que "temos poucos ótimos exemplos e muitos maus exemplos. Escasseiam as referências de empresas que interpretam a sustentabilidade como uma estratégia holística para melhorar a resiliência a longo prazo e o desempenho financeiro das suas empresas. Infelizmente, a sustentabilidade continua a ser predominantemente vista de forma minimalista, legalista ou comunicacional".

Ao trabalhar como consultora de empresas, Sofia Santos sublinha também que "há um imenso grupo de PME que não percebeu e que potencialmente vai sentir na pele a necessidade repentina de ter de fornecer este tipo de informação". Porem, perante o quadro legislativo que se vai desenhar, "não há escapatória possível, pelo que vale mais as PME perceberem que isto é uma inovação no seu processo e criarem o seu processo interno", acrescenta.

Recentemente, o primeiro Relatório do Observatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nas Empresas Portuguesas, levado a cabo pela Católica Lisbon School of Business & Economics, concluiu que as empresas portuguesas estão alinhadas com a sustentabilidade, mas não sabem como implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas suas estratégias. Assim, e dada a falta de capacidade de investimento agravado pelas condicionantes da guerra, Sofia Santos sugere que se as empresas nestas condições recorram a jovens universitários das áreas de ambiente, economia, gestão ou finanças, que precisam de cumprir estágios, para fazerem o levantamento das necessidades dessas empresas para cumprirem os critérios de sustentabilidade.
Mais notícias