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Como vamos gerir os plásticos no futuro?

É barato, versátil, higiénico, durável. Mas é também o maior poluidor do planeta. Encontrado desde à escala microscópica às gigantescas ilhas de lixo nos oceanos, o plástico está por todo o lado. Mas num mercado que vale 562 mil milhões de euros, como conciliar a sua eficiência com os seus malefícios? Reinventando esta relação tóxica.

29 de Junho de 2022 às 14:00
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Em março deste ano, pela primeira vez, foram detetados microplásticos no sangue humano, tendo os cientistas encontrado as minúsculas partículas em quase 80% das pessoas testadas. A descoberta, levada a cabo por investigadores da Universidade Livre de Amesterdão, demonstrou que as partículas podem circular por todo o corpo e alojar-se em órgãos, com implicações para a saúde.

A poluição por plástico está por todo o lado, desde esta ínfima expressão microscópica à avassaladora ilha de plástico que flutua no Pacífico e que terá cerca de 1,6 milhões de quilómetros quadrados, o equivalente a 17 vezes o tamanho de Portugal. Na realidade, o ambiente marinho é o maior depósito de lixo plástico em todo o planeta.

A poluição por plásticos é um problema para a saúde do planeta e em particular dos oceanos.
Nuno Barros
Especialista em oceanos na ANP/WWF
Um estudo realizado pela organização ambientalista WWF, em colaboração com o Instituto Alfred Wegener, concluiu, em fevereiro deste ano, que a poluição por plástico afeta 88% das espécies marinhas, incluindo animais amplamente consumidos pelo ser humano. "A poluição por plásticos é um problema para a saúde do planeta e em particular dos oceanos", refere Nuno Barros, especialista em oceanos na ANP|WWF, que acrescenta: "Este material rígido e virtualmente indestrutível tem impactos na vida marinha. Todos estes tipos diferentes de partículas de plástico e seus componentes químicos perpetuam-se na cadeia alimentar por bioacumulação." O problema é global e amplamente reconhecido. No início deste mês, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou números alarmantes, nomeadamente que a quantidade de resíduos plásticos produzidos globalmente deverá quase triplicar até 2060, com cerca de metade a acabar em aterro e menos de um quinto a ser reciclado. Neste relatório, é avançado que, sem uma ação radical para reduzir a procura, aumentar a vida útil dos produtos e melhorar a gestão e reciclagem dos resíduos, a poluição plástica aumentará impulsionada pelo aumento da população e dos rendimentos.

É mais uma acha para a fogueira, que mostra que é preciso passar da teoria à prática. Por isso mesmo, campanhas, movimentos, medidas e regulamentos nacionais e internacionais contra o uso único ou promovendo uma boa gestão do plástico têm sido criados por todo o lado. Também órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, o Fórum Económico Mundial ou a Organização Mundial do Comércio, instam os países a aumentarem os "3R" - reduzir, reutilizar e reciclar, por forma a combater o flagelo dos plásticos. Contudo, o maior passo neste sentido foi dado em março deste ano.

A Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente aprovou um acordo para criar o primeiro tratado global para combater a poluição causada pelo plástico. A resolução é considerada como o mais significativo pacto ambiental desde o Acordo de Paris.

O tratado deve estar concluído até 2024 e terá efeitos em empresas e economias de todo o mundo. "É altura de passar das palavras à ação e dar o passo para uma transição efetiva para uma economia circular, tornando estas intenções juridicamente vinculativas nos próximos dois anos - a começar por banir os produtos de plástico nocivos e desnecessários, impor standards ao nível do design de produto e melhorar os padrões de exigência dos sistemas de gestão de resíduos globalmente", salienta Nuno Barros.

Com o alinhamento de todos os agentes da cadeia de valor do plástico podem ser tomadas medidas fundamentais para controlar a poluição. Patrícia Carvalho
Coordenadora do Pacto Português para os Plásticos 
Patrícia Carvalho, coordenadora do Pacto Português para os Plásticos (PPP), uma iniciativa colaborativa que reúne os vários atores da cadeia de valor dos plásticos a nível nacional, destaca a relevância deste pacto para se atacar o problema em toda a linha: "Com o alinhamento de todos os agentes da cadeia de valor do plástico, com especial destaque para os governos, podem ser tomadas medidas fundamentais que possam controlar verdadeiramente a poluição por plástico, problema verificado a jusante da cadeia de valor, mas que deve ser contido a montante da mesma, isto é, desde a sua produção."

Ainda assim, o mercado global de plásticos está em crescimento. Foi avaliado, pelo Statista, em 562 mil milhões de euros, em 2021, e deverá atingir um valor superior a 768 mil milhões de euros até 2030. Diz ainda a empresa de estudos de mercado que a produção de plástico subiu em flecha nas últimas décadas, tendo quase duplicado desde a viragem do século. As preocupações crescentes sobre os seus impactos ambientais resultaram num aumento da procura de materiais mais ecológicos - tais como plásticos biodegradáveis. Este mercado deverá atingir um valor perto de 20 mil milhões de euros até 2026.

Problemas globais, medidas nacionais

Nesta transição, Portugal está a fazer o seu caminho. Por exemplo, fruto da transposição de uma diretiva europeia, foi proibida a colocação no mercado de produtos de plástico de utilização única, tais como cotonetes, talheres, pratos, bem como copos e recipientes para alimentos feitos de poliestireno expandido. O decreto-lei estabeleceu ainda dois objetivos para a redução do consumo de copos para bebidas e recipientes para alimentos destinados ao consumo imediato: até 31 de dezembro de 2026, uma redução de 80% relativamente a 2022 e, até 31 de dezembro de 2030, uma redução do consumo de 90%.

Mas são muitas as áreas de atuação e a associação ambientalista chama a atenção para algumas falhas: "Aguardamos há quase quatro anos que o Governo regulamente o sistema de depósito de embalagens descartáveis (de plástico, vidro, alumínio e metais ferrosos) de bebidas, o que permitiria que todos os dias em Portugal menos 4 milhões de embalagens fossem parar ao aterro, à incineradora ou à natureza. Os portugueses produzem cada vez mais lixo. Falhámos as metas de produção de resíduos por habitante (PERSU 2020) de forma categórica. A meta para 2020 era de 410 kg/per capita e em vez disso foi 513 kg/per capita em 2019. A meta para 2030 da Diretiva-Quadro dos Resíduos é agora de 60% de reutilização e reciclagem. Ora, vamos perto deste valor. Conseguiremos triplicar esta taxa em tão pouco tempo? Queremos acreditar que sim, mas não o conseguiremos ao ritmo atual."

Como plataforma de cooperação de atores de toda a cadeia de valor, os membros do PPP estabeleceram um conjunto de metas ambiciosas, que se comprometem a atingir coletivamente até 2025, e que passam por: eliminar plásticos de uso único considerados desnecessários; garantir que 100% das embalagens são reutilizáveis, recicláveis e compostáveis; garantir que 70% das embalagens são recicladas; incorporar em média 30% de plástico reciclado nas novas embalagens; e promover atividades de sensibilização para a utilização circular dos plásticos. "Estas metas são mais ambiciosas do que as estabelecidas pela Comissão Europeia e o Governo, demonstrando o compromisso e liderança de toda a cadeia de valor em acelerar a transição para uma economia circular para os plásticos", diz Patrícia Carvalho.

Renovar a relação com os plásticos

"O problema não está no material em si, mas na forma como este é utilizado", destaca a coordenadora do PPP. O plástico é um material essencial, tendo tido um papel fulcral no desenvolvimento das sociedades. É barato, versátil, higiénico, durável. Também Nuno Barros refere que "o plástico em si não é um material a demonizar". "O problema é que a nossa sociedade vertiginosa e baseada num paradigma de extração-consumo-descarte o passou a utilizar para tudo, maioritariamente em embalagens descartáveis, sob as bandeiras do facilitismo e higiene. E usar algo que dure para sempre em itens que têm uma vida útil breve ou mesmo momentânea é um contrassenso", acrescenta Nuno Barros.

Por isso, é consensual que "a nossa relação com o plástico deve ser reinventada, por forma que haja a garantia de que os recursos já extraídos da natureza e transformados em produtos continuem a ter valor e não se transformem em resíduos ou poluição", assinala Patrícia Carvalho.

A mudança desta relação tem de passar pelos comportamentos, sobretudo reutilizando, e pela promoção da economia circular. "Tudo o que for feito para otimizar o sistema de tratamento e recolha é fundamental, mas o que importa é transformar o paradigma na origem, para uma sociedade de reutilização e de responsabilização. E deixar de uma vez por todas a ideia de que como reciclamos ‘está tudo bem’, estamos a ‘cumprir o nosso papel’. É preciso também mais ambição de empresas e legisladores e parar de responsabilizar unicamente o cidadão pois não é este que decide que material utilizar em que aplicação", salienta Nuno Barros.

A inovação tem um papel fundamental nesta nova relação com os plásticos. E são muitas as novidades que surgem nesta área. A título de exemplo, a Universidade de Aveiro divulgou recentemente a descoberta de um método revolucionário que permite reciclar infinitamente os PET e, com isso, ajudar a solucionar a poluição por plástico. Mas, em última instância, tudo passa pela sensibilização da população para o problema. No próximo dia 3 de julho, assinala-se o Dia Internacional Sem Sacos de Plástico como mais um marco neste alerta global.

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