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Projeto de 140 mil euros quer devolver cavalos-marinhos à Ria Formosa

Os cavalos-marinhos da Ria Formosa estão à beira da extinção. Daquela que foi outrora uma das maiores comunidades mundiais, com cerca de um milhão de indivíduos, restam apenas 4%. Num ecossistema em balanço, a própria pesca no mar do Algarve pode ser afetada.

15 de Dezembro de 2021 às 12:00
As capturas ilegais são um dos motivos para o desaparecimentos dos cavalos-marinhos.
As capturas ilegais são um dos motivos para o desaparecimentos dos cavalos-marinhos. João Rodrigues
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Em apenas 20 anos, 96% dos cavalos-marinhos da Ria Formosa, no Algarve, desapareceram, estando agora em execução um projeto de repovoamento de cavalos-marinhos e de restauração do seu habitat até julho de 2023. O projeto Seaghorse, financiado pela Fundação Belmiro de Azevedo e executado pelo Centro de Ciências do Mar do Algarve (CCMAR), está orçado em 144.101 euros.

"O objetivo deste projeto tem duas componentes. Uma é a recuperação do habitat dos cavalos-marinhos, as ervas-marinhas, a outra é tentar, de facto, repovoar a população de cavalos-marinhos com espécimes criados em cativeiro", começa por explicar Rui Santos, investigador do Centro de Ciências do Mar - CCMAR e professor na Universidade do Algarve.

As causas para um desaparecimento tão drástico são diversas. Segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), nem todas estão estudadas, mas devem-se sobretudo a capturas ilegais para fins comerciais ou para observação turística, aumento do número de embarcações a circular na Ria, perda de áreas de pradarias marinhas e também à proliferação das áreas ocupadas pela Caulerpa prolifera, uma alga verde, não autóctone, que está a estabelecer-se nas áreas não vegetadas da Ria Formosa e que provoca a diminuição da biodiversidade, nomeadamente da fauna associada às pradarias-marinhas. Esta alga desenvolve-se sobretudo porque a temperatura da água está mais quente, sendo a Ria assim também impactada pelas alterações climáticas. "É uma alga verde originária do Mediterrâneo, que nos últimos anos se tem desenvolvido de uma maneira extraordinariamente agressiva, tem ocupado os fundos da Ria e está em competição direta com as ervas marinhas", explica Rui Santos.

Os ecossistemas estão em balanço e necessitam de todas as suas espécies. Rui Santos, investigador do Centro de Ciências do Mar do Algarve

As consequências de tudo isto são drásticas para a Ria Formosa. Como explica o investigador do CCMAR e responsável pelo projeto Seaghorse, "os ecossistemas estão em balanço e necessitam de todas as suas espécies. Quando há espécies que começam a desaparecer, há reajustes no ecossistema e substituição de espécies por outras. Se os cavalos-marinhos desaparecerem, o que é que acontece à comida que eles comem e que deixa de ter predadores? Os ecossistemas são teias muito complexas, em que a falta de um elo pode ter consequências muito importantes noutros muito distantes, que nós nem sabemos muito bem quais são".

Mas não se pense que este impacto só se dá na biodiversidade da Ria. As próprias comunidades à volta são afetadas, inclusive economicamente, pela alteração de um único elemento no sistema. Ao Negócios, o ICNF explica que "se considerarmos que o desaparecimento da população de cavalos-marinhos está a acontecer em espelho ao desaparecimento de outras espécies comerciais, que usam as pradarias para crescimento, abrigo e alimento, poderemos afirmar que poderão vir a estar comprometidos os stocks de pesca no mar do Algarve, já que a Ria Formosa funciona como nursery para muitas destas espécies".

Um combate em múltiplas frentes

Na década de 2000, as populações de cavalos-marinhos na Ria Formosa locais atingiam as maiores densidades mundiais, rondando um milhão de indivíduos. Atualmente, estas populações locais estão à beira da extinção e o seu habitat - as pradarias de ervas marinhas - apresenta graves sinais de degradação. A situação é altamente preocupante e tem vindo a agravar-se nos últimos anos, com uma estimativa de apenas 4% de cavalos-marinhos a restarem na Ria.

Para se conseguir reverter este declínio e a comunidade de cavalos-marinhos voltar a crescer na Ria Formosa, são necessárias medidas em várias frentes. Segundo o ICNF, um Plano de Ação em curso criou recentemente duas áreas de refúgio com restrições de uso: a Geada, com acesso interdito, e o Recovo da Culatra, com uma área de acesso interdito e outra de acesso condicionado.

Se eles não tiverem habitat, a introdução de cavalos-marinhos não tem sucesso. Rui Santos, investigador do Centro de Ciências do Mar do Algarve

Nestes santuários, é proibida qualquer perturbação dos cavalos-marinhos. Mas, para eles sobreviverem, é preciso também restaurar o seu habitat. "Se eles não tiverem habitat, a introdução de cavalos-marinhos não tem sucesso. Isto tem que ser acompanhado também com o crescimento do habitat e normalmente estas coisas só funcionam se for um esforço continuado ao longo de anos", assinala o investigador.

Para o efeito, está a proceder-se à monitorização das áreas de pradarias-marinhas e à implementação de áreas de substituição de pradaria com ervas marinhas provenientes de tanques de aquacultura. E o mesmo está a ser feito com os cavalos-marinhos. No âmbito do projeto Seaghorse, foram recentemente libertados, na zona de santuário recentemente estabelecida na Ria Formosa, 60 cavalos-marinhos criados em cativeiro, nomeadamente na Estação Marinha do Ramalhete. "Foi a primeira vez em Portugal e provavelmente a primeira vez em todo o mundo que se libertaram estas duas espécies, que são as espécies europeias, o hippocampus hippocampus e o hippocampus guttulatus", assinala o investigador.

Por ser uma iniciativa inovadora, não se sabe se terá sucesso. Assim, "se a população de cavalos-marinhos conseguir ter uma taxa de reprodução acima de 1 ela por si vai crescendo ao longo do tempo. O nosso objetivo não é repor os indivíduos todos que já lá existiram. É que a população esteja a determinados níveis que, por si só, consiga crescer. Isto, além de ser muito incerto, será algo que vai levar vários anos", acrescenta Rui Santos. Em 2022, não se sabe qual a quantidade cavalos-marinhos que poderão ser libertados, uma vez tal depende do sucesso da produção em cativeiro atualmente em curso.

Para o ICNF, também é incerto que este repovoamento e consequente restauro da Ria Formosa seja um sucesso. "O ICNF não dispõe de dados para avaliar o número de anos necessários à recuperação das populações de cavalos-marinhos. Por outro lado, a Ria Formosa está sujeita a outros fatores de pressão - subida do nível da água do mar, aumento de cota de fundos e aumento da temperatura das águas, e alterações climáticas que não sendo travadas colocam em causa a própria existência da Ria no "formato" que conhecemos", disse ao Negócios.

Atualmente, existe colaboração e várias autoridades estão envolvidas nos esforços em curso para a conservação dos cavalos-marinhos, nomeadamente as autoridades marítimas, ICNF, Parque Natural da Ria Formosa, Agência Portuguesa do Ambiente, ARH do Algarve, CCMAR e, no caso do projeto Seaghorse, a Fundação Belmiro de Azevedo.

A par da tentativa de recuperação, existe também uma intervenção educacional essencial, para sensibilizar a sociedade para o valor das ervas marinhas e a vulnerabilidade dos cavalos-marinhos. Para Rui Santos, esta componente é fundamental, de maneira a que "esse conhecimento faça com que as pessoas exijam mais preservação e conservação e que elas próprias sejam elementos ativos nessa conservação destes ecossistemas, e que, no final, consigam pressionar os decisores para estes temas".

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