Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

O super-juiz nem um fax tem

Enquanto alguma classe política se preocupa com a perda de soberania financeira para Bruxelas, todos vamos assistindo, indiferentes, ao colapso do Estado nas suas funções nacionais mais básicas.

  • 17
  • ...
A justiça, a segurança dos cidadãos e a rede social estão uma vergonha. O Estado deixou de funcionar.

Na Justiça, pilar básico para a construção de uma sociedade justa, as condições para trabalhar fazem-nos pensar que estamos no mais subdesenvolvido dos países subdesenvolvidos.

No caso Face Oculta, o juiz Carlos Alexandre trabalha com uma fotocopiadora em segunda mão, que veio de Almeirim já gasta, e um fax com mais de uma década, como hoje se pode ler na edição em papel do Negócios. Não tinha também um scanner, mas o problema está resolvido. Quanto ao resto, é preciso esperar. Haverá uma fotocopiadora nova quando o Ministério da Justiça publicar uma portaria a autorizar a compra. O fax não se sabe. E estamos a falar do Tribunal Central de Instrução Criminal, onde há centenas de processos em fase de inquérito. Ali está não apenas a Face Oculta mas também a Operação Furacão ou ainda o caso Portucale.

No processo do BPN, já em julgamento, assistimos ao mesmo quadro de penúria. O presidente do colectivo de juízes, Luís Ribeiro, criticou abertamente, na semana passada, o Ministério da Justiça por se ter recusado a disponibilizar armários para colocar o volumoso processo junto da sala de audiências.

Saímos do universo da Justiça e nada melhora.

Há uns dias descobrimos que uma pessoa pode estar morta durante nove anos na sua casa sem que ninguém a encontre. Porque os vizinhos se preocupam mas o Estado está transformado num monstro incapaz. Só o que parece fazer bem é cobrar impostos. Se não fosse o fisco, por uma dívida mínima, ainda hoje lá estaria a senhora morta. Porque a Segurança Social, de quem recebia uma pensão e que devia funcionar como uma rede social, está transformada num sítio onde apenas se passam cheques. Com as funções que parece ter, o Ministério de Helena André podia até dispensar mais pessoas do que as anunciadas. Cheques, hoje em dia, até as máquinas passam.

Há ainda o caso das eleições presidenciais, quando descobrimos que quem quer votar pode não conseguir porque o Estado não criou as condições para o fazer.

Andamos pelo País e tudo aquilo que são as funções nucleares do Estado dá preocupantes sinais de desfragmentação. Mesmo quando existem boas instalações, as pessoas não funcionam, parecem não saber o que fazer nem como fazer.

A falta de dinheiro apenas tornou visível que estamos sem Estado.

A Administração Pública colapsou por décadas de partidarização e transferência de recursos para institutos e pseudo-empresas, igualmente partidarizadas, onde não há falta de fotocopiadoras, scanners ou fax. Muitas vezes temos até dificuldade em perceber o que fazem essas novas entidades que gravitam à volta do Estado com o dinheiro dos contribuintes.

Os sucessivos Governos, destruída a Função Pública para satisfazer as suas clientelas, criaram a ilusão de que podiam governar com consultores externos e uma mini-administração pública nos seus gabinetes. Esqueceram-se de que há funções que só o Estado garante, como a justiça e a segurança. O nosso maior problema não é financeiro. O nosso maior problema são os pilares do Estado, em colapso.


helenagarrido@negocios.pt
Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio