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06 de Dezembro de 2010 às 11:19

Brisa em ponto de caramelo

Quando uma família se diz muito unida, é costume fazer-se uma pergunta cínica: "Já fizeram partilhas?..."

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Quando uma família se diz muito unida, é costume fazer-se uma pergunta cínica: "Já fizeram partilhas?..." Na Brisa, a partilha de um maço de 1,2 mil milhões de euros partiu a fina camada de gelo que separava o Grupo José de Mello de outros grandes accionistas. Os ânimos exaltaram, as acções ressaltaram - mas é melhor apertar os cintos. Porque não é só dinheiro que está em causa. É controlo.

O Grupo José de Mello sempre controlou a Brisa, inexpugnável à especulação de OPA, que tem tantos anos quantos a Brisa tem de Bolsa. Esse domínio foi estabelecido primeiro com amigos (Estado, BCP), depois com inimigos (Abertis). Hoje, a estrutura da empresa dispõe um accionista controlador minoritário (Mello, 30%) e um núcleo mole de accionistas muito financeiros e pouco estratégicos: Arcus (quem?) com 19%, Abertis com 15% (que estão à venda), Kendal (um despojo do BPP) com 3%.

Pois bem, a Arcus (quem?), com o apoio da Kendal e o cooperante silêncio da Abertis, abriu guerra à José de Mello: contesta o destino para os 1,2 mil milhões da surpreendente venda da brasileira CCR; questiona investimentos na Índia e Turquia; e sobretudo diz que os accionistas vão ser enganados na proposta de reestruturação da empresa, desenhada pelos Mello e para os Mello.

Nas últimas semanas, as duas partes arregimentaram aliados para a Assembleia Geral e aconteceu o inesperado: Vasco de Mello perderia. A Abertis não parece concertada com a Arcus mas parece alinhada contra os Mello - e chumbaria o plano. A corda só não rebentou porque a José de Mello pediu a suspensão da Assembleia Geral. Depois do vexame, viria a perda de controlo. Podia ser pedida a destituição da administração.

Podia e ainda pode. A ameaça mantém-se até à nova data da Assembleia, 17 de Dezembro. Mesmo que insistam que não há hostilidade, basta ter estado na AG de sexta para saber com que faca se corta o ar. A empresa pode partir. Ou paralisar. Saindo do Brasil sem destino, a Brisa está sem potencial de crescimento, é apenas um saco de dinheiro.

É de hostilidade que se trata. A José de Mello vê o segundo maior accionista da Brisa como Arcus de Judas, e esta sente-se enganada. Porque o plano de restruturação transfere a galinha dos ovos de ouro (a concessão principal, que inclui as auto-estradas A1, A2 e A5) do topo da Brisa para uma subsidiária. Segundo a gestão, essa reestruturação melhora o perfil da dívida e o "rating" da Brisa, o que é verdade; segundo a Arcus, ela permite à "Administração Mello" vender parte dessa concessão sem dar cavaco aos accionistas, o que também é verdade. A partir daqui há especulação: que Arcus receia que a José de Mello esvazie a Brisa e venda parte do seu melhor activo para passar a controlar. Era o que estava latente numa notícia de há meses no "Expresso", desmentida mas não esquecida, de que a família Mello quereria comprar o controlo da Brisa pagando com "pêlo do próprio cão": os 1,2 mil milhões que estão "em caixa" mais o encaixe da venda de uma posição na concessão principal.

As disputas entre primeiros accionistas controladores e segundos accionistas que querem sê-lo são clássicas. Mas, como mostram os casos da Telefónica na PT, Eni na Galp ou Ongoing na Impresa, acabam quase sempre com a vitória de quem já está, através de acordos ou novos aliados. O Grupo Mello precisa de uma ou de outra coisa, se não quer perder o poder para accionistas financeiros que rapidamente encontram aliados estratégicos. Porque na Assembleia Geral de sexta-feira ficou revelado: pela primeira na sua história, o Grupo Mello não controla a Brisa.


psg@negocios.pt
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