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12 de Janeiro de 2011 às 11:32

Ave Jean-Claude, morituri te salutant

As probabilidades de Portugal não ser intervencionado pelo FMI são as de atirar uma moeda ao ar - e a moeda ficar em pé.

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É uma probabilidade pequena, minúscula e que já não depende essencialmente de Portugal - mas vale a pena lutar por ela. Não apenas por dignidade. Nunca por aproveitamento político. Por soberania. Porque é o melhor para Portugal. Ainda.

Fixe esta frase, vai ouvi-la muitas vezes doravante: sabe-se como uma intervenção externa começa, não se sabe como ela acaba. Assim é na Grécia e na Irlanda. A intervenção foi necessária, mas encontrou mais problemas do que se supunha, criou pontos focais para a especulação e não baixou dramaticamente as taxas de juros. E, mais importante, falhou no objectivo de dissolver a incerteza na Zona Euro. Isto é, de interromper o dominó, parar a bola de neve, conter - esta já a fixou - o risco sistémico.

Há muito que Portugal entregou o seu destino. Pelo erro primeiro e pela negação depois. Adiámos a amputação até que a gangrena subisse pelo braço até ao coração. Agora, é a Alemanha (com a França de chaperone), o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, por esta hierarquia, que decidem se há ou não intervenção em Portugal. Mas hoje, ao contrário do que indica a dramatização recente mediática e política (e eleitoral) não é "Dia D" algum, nem efectivamente houve grandes mudanças nas últimas semanas. Vamos conseguir emitir dívida a longo prazo - mas por um preço recorde.

Somos já totalmente dependentes de ajuda externa, não do FMI mas do Banco Central Europeu (isto é, dos 17 bancos centrais da Zona Euro), que nos está a emprestar dinheiro. Sem essa metadona, jazeríamos. E as taxas de juro portuguesas estão a níveis insustentáveis há meses, ao que nos habituámos por rotina, como se disséssemos que um doente está estável com 39 graus de febre.

Um dos mitos da intervenção do FMI é de que os custos de financiamento baixam para níveis sustentáveis. Não baixam, como se vê na Grécia e na Irlanda. Hoje, Portugal paga menos por dívida a três anos do que a Irlanda está a pagar ao Fundo de Emergência Europeu. A única vantagem da intervenção do FMI é pois política: é vir alguém fazer o que devíamos e arcar com as culpas. É compensar a covardia dos governantes.

Quando, em 2008, os investidores estavam descontrolados com a banca intoxicada, o risco sistémico só desapareceu quando a Europa, a uma só voz, deixou claro que salvaria todos os bancos que fosse necessário. Desta vez, não só a Europa não fala a uma só voz como o socorro da Grécia não impediu o da Irlanda, que pode não impedir o de Portugal e este o da Bélgica e ambos o de Espanha, de Itália, quiçá da Áustria...

Há dois meses, a Europa caminhava para um outro Muro de Berlim, que separaria os países da "primeira divisão" e os países de "segunda", que seriam socorridos. Agora, permanece o risco de contágio de uns a outros. É nesta fatalidade que está a derradeira hipótese de Portugal. E de, portanto, a ajuda ser dada ordeira e discretamente pelo banco central liderado por Jean-Claude Trichet e Vítor Constâncio. Para isso, temos de fazer a nossa parte, que não é suficiente mas é imprescindível, de ajudar os outros a ajudarem-nos: cumprir o orçamento, colocar financiamento directamente, baixar a vozearia política.

A política tem sido parte do problema. Mesmo em Janeiro de 2011 todos gerem as duas próximas eleições. Sócrates tem razão: mesmo turbinados pelo fundo de pensões da PT, os resultados de 2010 fazem parte dos mínimos indispensáveis. E a emissão de hoje, mesmo cara, também.


Nota: o título reproduz o cumprimento dos gladiadores a César, no Coliseu de Roma, "Ave Caesar morituri te salutant": "Salve César, os que vão morrer saúdam-te"

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