Opinião
A OPA de pijama
Seriam umas seis da manhã, um frio de rachar na rua, quando, na véspera da consoada de 2010, o telefone acordou António Nogueira Leite. O então administrador da José de Mello SGPS era chamado para assinar o armistício duramente negociado pela madrugada adentro com o fundo Arcus. Nogueira Leite apareceu num ápice nos escritórios da Vieira de Almeida & Associados. Entrou de casacão comprido e não o tirava por nada, o que foi notado: afinal, a sala estava quente. Perceber-se-ia mais tarde. Nogueira Leite tinha saído de pijama.
Seriam umas seis da manhã, um frio de rachar na rua, quando, na véspera da consoada de 2010, o telefone acordou António Nogueira Leite. O então administrador da José de Mello SGPS era chamado para assinar o armistício duramente negociado pela madrugada adentro com o fundo Arcus. Nogueira Leite apareceu num ápice nos escritórios da Vieira de Almeida & Associados. Entrou de casacão comprido e não o tirava por nada, o que foi notado: afinal, a sala estava quente. Perceber-se-ia mais tarde. Nogueira Leite tinha saído de pijama.
A história foi contada neste jornal há uns meses e entrou no imaginário dos negócios de Lisboa. Toda a gente se lembra do pijama mas o importante foi o acordo de paz. A Arcus abordara a José de Mello como um pirata de faca nos dentes, a batalha foi intensa, a maneira de afastar o inimigo foi tê-lo mais perto. Fazer dele um amigo. Um amigo para a vida? Não, um amigo para a OPA.
Os negócios fazem-se assim, com parceiros, não com amigos. Que o diga Américo Amorim, que selou um acordo com os seus sócios angolanos com quem mantém uma relação de amor-ódio. Amorim é dos poucos empresários em Portugal que sabem pôr os angolanos na linha. Juntos, avançam pela Galp adentro, mas Amorim continua a mandar, será presidente da empresa e manterá o seu presidente executivo, Ferreira de Oliveira. Como sempre disse que aconteceria. Américo, como sempre, venceu.
Os negócios da Galp e da Brisa mostram a arritmia de um país descapitalizado. Neste caso, as empresas são vendidas a estrangeiros mas o poder não se esvai. O contrário do que está a acontecer na Cimpor, o próximo campo de batalha na bolsa.
Na Brisa, a relação entre o grupo José de Mello e a Arcus evoluiu ao contrário: começaram pelo divórcio e acabaram no casamento. É um casamento por interesse, claro, mas sem dissimulação. E assim os adversários agora aliados lançaram uma OPA. Sim, depois de quase 15 anos de rumores de OPA à Brisa, ei-la finalmente. Mas não é hostil, como sempre se aventou. E encurrala os espanhóis arqui-inimigos da Abertis.
A OPA à Brisa é uma farsa. Isto não é uma crítica, é uma constatação. O preço oferecido é ridiculamente baixo - e quem já o disse foi o próprio Grupo Mello, quando há seis meses quis usar a média de preços-alvo de analistas, em vez da cotação em bolsa, como avaliação do colateral para os seus credores. Esse preço médio dos preços-alvo é hoje superior a 2,8 euros, acima da OPA.
A culpa da baixa cotação não é da José de Mello. A Brisa sofre o impacto dos "ratings" que congelam os dividendos, da economia em recessão e dos negócios em que foi enganada pelo Governo Sócrates/Campos, como a concessão da A32, onde vai perder pelo menos 300 milhões. Mas se paga tão pouco na OPA é porque não precisa de ganhá-la para vencer. A vitória está garantida: o acordo com a Arcus captura o controlo da Brisa mesmo sem comprar uma só acção em mercado. É por isso que esta OPA será uma aborrecida festa de pijama, uma história de nanar. Mas serve para garantir o controlo da Brisa - e iniciar a reestruturação do passivo do Grupo José de Mello. É evidentemente por isso que os bancos que vão financiar a operação (BCP, BES e Caixa) são os maiores credores do Grupo Mello.
Esta operação inicia a redenção do Grupo Mello, que caiu na armadilha de excesso de dívida num grupo reprivatizado sem capital e assente numa cascata de participações, o que se tornou crítico quando os bancos estrangeiros o abandonaram, os "ratings" congelaram os dividendos com que se paga a dívida e o valor das acções baixou o nível dos colaterais. A autonomia do grupo esteve em risco. Esta operação é o início da nova vida do Grupo e Vasco de Mello volta a mostrar reinventação. Chapelada.
Não foi por acaso que Vasco de Mello dedicou a OPA ao seu bisavô, avô e pai, figuras icónicas do empresariado em Portugal. Esta é talvez uma forma de Vasco de Mello mostrar que os merece, e cumpre o seu mandato geracional. Porque esta OPA não é uma OPA, é o exercício de autonomia do Grupo Mello que, num caminho estreito, volta a controlar o seu destino. E hoje, como sempre, isso vale mais que o preço de uma acção.
PS: Os leitores do Negócios foram os primeiros a saber da OPA. Eram 16:36 quando aqui revelámos ontem a notícia em primeira mão. O Grupo Mello confirmá-la-ia meia hora depois.
A história foi contada neste jornal há uns meses e entrou no imaginário dos negócios de Lisboa. Toda a gente se lembra do pijama mas o importante foi o acordo de paz. A Arcus abordara a José de Mello como um pirata de faca nos dentes, a batalha foi intensa, a maneira de afastar o inimigo foi tê-lo mais perto. Fazer dele um amigo. Um amigo para a vida? Não, um amigo para a OPA.
Os negócios da Galp e da Brisa mostram a arritmia de um país descapitalizado. Neste caso, as empresas são vendidas a estrangeiros mas o poder não se esvai. O contrário do que está a acontecer na Cimpor, o próximo campo de batalha na bolsa.
Na Brisa, a relação entre o grupo José de Mello e a Arcus evoluiu ao contrário: começaram pelo divórcio e acabaram no casamento. É um casamento por interesse, claro, mas sem dissimulação. E assim os adversários agora aliados lançaram uma OPA. Sim, depois de quase 15 anos de rumores de OPA à Brisa, ei-la finalmente. Mas não é hostil, como sempre se aventou. E encurrala os espanhóis arqui-inimigos da Abertis.
A OPA à Brisa é uma farsa. Isto não é uma crítica, é uma constatação. O preço oferecido é ridiculamente baixo - e quem já o disse foi o próprio Grupo Mello, quando há seis meses quis usar a média de preços-alvo de analistas, em vez da cotação em bolsa, como avaliação do colateral para os seus credores. Esse preço médio dos preços-alvo é hoje superior a 2,8 euros, acima da OPA.
A culpa da baixa cotação não é da José de Mello. A Brisa sofre o impacto dos "ratings" que congelam os dividendos, da economia em recessão e dos negócios em que foi enganada pelo Governo Sócrates/Campos, como a concessão da A32, onde vai perder pelo menos 300 milhões. Mas se paga tão pouco na OPA é porque não precisa de ganhá-la para vencer. A vitória está garantida: o acordo com a Arcus captura o controlo da Brisa mesmo sem comprar uma só acção em mercado. É por isso que esta OPA será uma aborrecida festa de pijama, uma história de nanar. Mas serve para garantir o controlo da Brisa - e iniciar a reestruturação do passivo do Grupo José de Mello. É evidentemente por isso que os bancos que vão financiar a operação (BCP, BES e Caixa) são os maiores credores do Grupo Mello.
Esta operação inicia a redenção do Grupo Mello, que caiu na armadilha de excesso de dívida num grupo reprivatizado sem capital e assente numa cascata de participações, o que se tornou crítico quando os bancos estrangeiros o abandonaram, os "ratings" congelaram os dividendos com que se paga a dívida e o valor das acções baixou o nível dos colaterais. A autonomia do grupo esteve em risco. Esta operação é o início da nova vida do Grupo e Vasco de Mello volta a mostrar reinventação. Chapelada.
Não foi por acaso que Vasco de Mello dedicou a OPA ao seu bisavô, avô e pai, figuras icónicas do empresariado em Portugal. Esta é talvez uma forma de Vasco de Mello mostrar que os merece, e cumpre o seu mandato geracional. Porque esta OPA não é uma OPA, é o exercício de autonomia do Grupo Mello que, num caminho estreito, volta a controlar o seu destino. E hoje, como sempre, isso vale mais que o preço de uma acção.
PS: Os leitores do Negócios foram os primeiros a saber da OPA. Eram 16:36 quando aqui revelámos ontem a notícia em primeira mão. O Grupo Mello confirmá-la-ia meia hora depois.
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