Opinião
A lavandaria de São Bento
Ou seja: “O BCP cumpriu todas as obrigações” e “nunca enganou ninguém”. A supervisão “não falhou” na CVMV, que até “esteve quase” a apanhar o infractor. O Banco de Portugal “actuou bem” e soube-se das “off-shores” “pela imprensa”. Esta comissão de inquéri
Ninguém está à espera que alguém se auto-incrimine no Parlamento, mas os deputados devem estar fartos de jogar ténis contra a parede nas audições a Jardim Gonçalves, Paulo Teixeira Pinto, António Marta (ex-vice-governador do Banco de Portugal) e Amadeu Ferreira (vice-presidente da CMVM). Talvez tenham o que merecem, numa comissão criada pelas razões erradas (pôr em causa Vítor Constâncio). Ainda assim, a verdade é que vários deputados estudaram o assunto e fazem boas perguntas. Em resposta recebem sacudidelas dos capotes, invocações ao segredo profissional e evocações ao “só sei que nada sei”.
Para os reguladores, tudo é claro. Amadeu Ferreira e António Marta devem aliás ter consultado o mesmo advogado, pois deram respostas miméticas. Descubra as diferenças: “Com os dados que tinha, a supervisão não falhou” (Amadeu Ferreira); “Com o conhecimento da altura, a supervisão não teve falhas” (António Marta).
Para os gestores do banco, tudo é nebuloso. “Não tenho presente”, “não consta de nenhuma acta”, “nunca soube” (Paulo Teixeira Pinto); “Não dei por nada”, “não mandaram uma cópia para mim”, “não tinha conhecimento” (Jardim Gonçalves). No fundo, ambos disseram ao que iam: de manhã, Teixeira Pinto anunciou que iria defender o seu “bom-nome, que é o mais importante activo de que se pode dispor”; à tarde, Jardim Gonçalves marcou o passo com frase lapidar: “haverá muita coisa que eu não saberei”.
Este súbito vírus da inimputabilidade e da amnésia poderia levar a crer que há cumplicidade entre quem está a ser inquirido. Mas nada disso. Estes senhores não se importam que a culpa viva casada, desde que seja com o homem do lado. Se houve falta de informação, diz Jardim, a culpa é do secretariado, na altura liderado por Teixeira Pinto, que por sua vez jura que se, na mesma altura, fosse presidente nunca teria feito a campanha para atrair pequenos accionistas que Jardim fez. Financiamento de “off-shores”? Empréstimos a familiares? Perdões de dívidas? Teixeira Pinto nunca soube de nada, mas regulamentou contra casos futuros. Jardim Gonçalves foi “tendo conhecimento”, há decisões que não vão à administração.
António Marta diz que o banco central pediu a lista completa das “off-shores” e tomou a lista que recebeu do BCP “como completa”. Amadeu Ferreira vai mais longe: quando a CMVM detectou movimentos anormais com acções através de “off-shores”, o BCP mentiu. Mentira. Jardim “nunca soube” das perguntas feitas e “nunca [teve] qualquer reparo do presidente da CMVM sobre a falta de informação prestada”. “O banco nunca omitiu a informação pedida” e “toda a listagem foi dada, de certeza, ao Banco de Portugal”. De certeza. Se quiser saber mais sobre as 17 contas “off-shores”, Jardim e Teixeira Pinto põem ambos a cruz na quadrícula “não sabe/não responde”.
Está demonstrado para que serve a comissão parlamentar de inquérito à supervisão, o Parlamento tornou-se numa lavandaria fina para o caso BCP: entra roupa suja, sai roupa branca. Resta aos deputados fazer um-dó-li-tá, porque quem está livre, livre está.