Opinião
É bom mas não chega
Sendo indiscutível o mérito das medidas anunciadas pelo Governo para impedir a repetição da tragédia dos incêndios deste ano, é difícil não achar que se continua ainda a olhar para a árvore e a descurar a floresta.
É de aplaudir o esforço para cuidar dos vivos, com a criação de um procedimento extrajudicial que ajude a apressar o pagamento de indemnizações e a disponibilização de apoios financeiros às populações e empresas afectadas. Mesmo sabendo que, à força da burocracia, o tempo que o dinheiro leva a chegar a quem dele precisa continua a parecer eterno, como se viu no caso de Pedrógão.
A limpeza de bermas e faixas de gestão das rodovias e ferrovias é de elementar bom senso e põe-nos agora a questionar - infelizmente, só agora - como se permitiu tal negligência. Uma nacionalização não resolve nada em si mesma, mas compreende-se que o SIRESP é algo de que o Estado deve cuidar como seu.
Também ninguém questiona a necessidade de apostar na prevenção, reforçando sapadores, dotando o ICN de mais meios, criando zonas de protecção dos aglomerados populacionais e de infra-estruturas estratégicas.
O Governo vai beber, e bem, ao relatório da Comissão Técnica Independente para reformar o modelo de prevenção e combate, apostando na coordenação e formação.
Se tudo isto for avante, sem ser torpedeado por lóbis e oportunismos, Portugal ficará mais bem preparado para travar esta guerra. Mas há uma peça-chave que continua a faltar.
O clima está a mudar. A pluviosidade média tende a diminuir e a seca a agravar-se. Por muitas equipas de sapadores que se criem, por muito que se reforce a estrutura da protecção civil, por muitas redundâncias que dê aos sistemas de comunicação, um dia com o número de ocorrências como o de 15 de Outubro continuará a ser indomável.
A médio e longo prazo, só o ordenamento e a valorização da floresta e um olhar sério e atento para a revitalização do interior, resgatando-o ao abandono e desertificação, poderão garantir de forma estrutural que o impensável não volta a acontecer.