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01 de Março de 2013 às 18:46

Modelos com mau comportamento

“Por que é que ninguém viu que a crise estava a chegar?”, questionou a rainha Isabel II aos economistas durante uma visita à London School of Economics, no final de 2008. Quatro anos mais tarde, o repetido erro nas estimativas económicas para a previsão da profundidade e duração da crise iria levar a rainha a fazer uma pergunta semelhante. Por que é que se sobrestimou a recuperação?

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Olhem para os factos. Na sua estimativa de 2011, o Fundo Monetário Internacional previa que a economia europeia iria crescer a um ritmo de 2,1% em 2012. Na verdade, parece certo que a economia tenha contraído 0,2% nesse ano. [NT: 1] No Reino Unido, as previsões de 2010 do Office for Budget Responsibility (OBR) apontavam para um crescimento de 2,6% em 2011 e de 2,8% em 2012; na realidade, a economia britânica cresceu 0,9% em 2011 e terá ficado estagnada em 2012. [NT: 2-3] A última estimativa da OCDE para o PIB da Zona Euro em 2012 está 2,3 abaixo da sua projecção em 2010.

 

Ao mesmo tempo, o FMI prevê agora que a economia europeia venha a ser 7,8% mais reduzida em 2015 do que aquilo que pensava há dois anos. Algumas previsões são mais pessimistas que outras (o OBR tem uma posição particularmente positiva) mas ninguém, parece, tem sido pessimista o suficiente.

 

A previsibilidade económica é necessariamente imprecisa: acontecem demasiadas coisas para que quem faça previsões económicas consiga prever todas essas coisas. Assim, as intuições e os palpites são uma parte inevitável das previsões económicas “científicas”.

 

Mas a imprecisão é uma coisa; o sistemático exagero sobre a recuperação económica na Europa é outra. Na verdade, os números têm sido repetidamente revistos, mesmo dentro de períodos de tempo bastante reduzidos, levantando fortes dúvidas sobre a validade dos modelos económicos que estão a ser utilizados. Estes modelos, e as instituições que os utilizam, dependem de uma teoria já incorporada na economia, que os permite “assumir” determinadas relações. É dentro destes pressupostos que se deverá encontrar a fonte dos erros.

 

Destacam-se aqui dois grandes erros. Os modelos usados por todas as organizações de previsões económicas subestimam radicalmente o multiplicador orçamental: o impacto das alterações na despesa estatal no produto. O segundo é o de que sobrestimam o grau a que a flexibilização quantitativa por parte das autoridades monetárias – ou seja, a impressão de dinheiro – pode contrabalançar o rigor orçamental.

 

Até há pouco tempo, o OBR, predominantemente em linha com o FMI, assumia um multiplicador orçamental de 0,6: por cada dólar cortado da despesa estatal, a economia iria contrair apenas 60 cêntimos de dólar. Tal valor assume a “equivalência ricardiana”: as despesas públicas financiadas pela dívida desencorajam, pelo menos parcialmente, a despesa privada através do seu impacto sobre as expectativas e a confiança. Se anteciparem um aumento de impostos no futuro, como resultado do crédito estatal da actualidade, as famílias e as empresas vão reduzir o consumo e o investimento, de acordo com essa expectativa.

 

Perante esta perspectiva, se a austeridade orçamental alivia as despesas das famílias do encargo com futuras subidas de impostos, estas vão aumentar o consumo. Isto pode ser verdade quando a economia está a operar com pleno emprego – quando o Estado e o mercado estão em concorrência pelo último recurso. Mas, quando há capacidade disponível na economia, os recursos “libertados” pela retracção do sector público podem acabar por ser desperdiçados.

 

As instituições que fazem previsões estão, finalmente, a admitir que estão a subestimar o multiplicador orçamental. O OBR, ao rever os seus recentes erros, aceitou que “o multiplicador [orçamental] médio ao longo dos últimos dois anos devia ter sido de 1,3 – mais do dobro da nossa estimativa – para explicar totalmente o fraco nível de PIB em 2011-12”. O FMI admitiu que “os multiplicadores têm sido, na verdade, de entre 0,9 e 1,7 desde a Grande Depressão”. A consequência de subestimar o multiplicador orçamental tem sido um equívoco sistemático nos danos que a “consolidação orçamental” causa à economia.

 

Isto conduziu a um segundo erro. Quem fazia estimativas assumia que a expansão monetária iria fornecer um antídoto eficaz para a contracção orçamental. O Banco de Inglaterra esperava que, ao imprimir 375 mil milhões de libras de novo dinheiro iria estimular a despesa total na ordem dos 50 mil milhões de libras, ou 3% do PIB.

 

Mas as provas que emergiram das sucessivas rondas de flexibilização quantitativa no Reino Unido e nos Estados Unidos sugerem que, embora tenha reduzido as taxas de juro associadas às suas dívidas, o dinheiro extra ficou maioritariamente retido dentro do sistema bancário e nunca chegou à economia real. Isto implica que o problema tem sido, sobretudo, o de uma ausência da procura por crédito – a relutância por parte das empresas e das famílias de pedir emprestado, seja em que condições for, num mercado estagnado.

 

Estes dois erros agravaram-se mutuamente: se o impacto negativo da austeridade sobre o crescimento económico for maior do que se assumia inicialmente – e o impacto da flexibilização quantitativa mais fraco –, a mistura política preferida de quase todos os governos europeus tem estado completamente errada. Há uma muito maior margem para que os estímulos orçamentais impulsionem o crescimento e uma muito menor margem para os estímulos monetários.

 

Isto é tudo bastante técnico mas é de grande importância para o bem-estar das populações. Todos estes modelos assumem os produtos com base nas políticas existentes. O consistente optimismo excessivo sobre o impacto destas políticas no crescimento económico valida que elas sejam seguidas, e dá autoridade aos governos para defenderem que as suas soluções estão a “funcionar” quando, claramente, não o estão.

 

Esta é uma decepção cruel. Antes de poderem fazer qualquer coisa de positivo, quem faz previsões precisa de voltar à casa de partida e perguntar-se se as teorias da economia que estão adjacentes aos seus modelos são as correctas.

 

Robert Skidelsky, membro da British House of Lords, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução: Diogo Cavaleiro 

 

[NT:1] Já foram divulgadas, entretanto, as estimativas oficiais.

[NT:2] Gabinete britânico que fornece previsões económicas independentes para a realização do orçamento do país.

[NT: 3] O Reino Unido já tem dados oficiais sobre a evolução do crescimento.

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