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06 de Março de 2018 às 14:00

A próxima fase da emancipação feminina?

Nas sociedades tradicionais, os homens é que iam para a guerra, porque eram mais fortes, mais rápidos e mais altos. Sem surpresa, um dos últimos bastiões do pagamento desigual hoje é no desporto de competição, que é uma forma de guerra ritualizada.

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6 de Fevereiro de 2018 marcou o centenário da lei sobre a representação popular que, pela primeira vez, concedeu o direito de voto a (algumas) mulheres no Reino Unido - uma recompensa pelo trabalho das mulheres durante a Primeira Guerra Mundial. Em homenagem a este evento histórico, estátuas de dois líderes na luta pelo sufrágio feminino, Millicent Fawcett e Emmeline Pankhurst, serão erguidas em cidades britânicas.

 

A emancipação económica das mulheres teve de esperar até à Segunda Guerra Mundial, quando a escassez permanente de mão-de-obra masculina - resultado, aliás, das políticas keynesianas de pleno emprego - retirou cada vez mais mulheres da domesticidade para as fábricas e lojas. Esta segunda onda de emancipação concentrou-se nas desigualdades económicas, especialmente na discriminação na selecção para os empregos e nas disparidades nos direitos de remuneração e de propriedade.

 

Essas batalhas também foram ganhas, na sua maioria. A discriminação na herança já lá vai, e o pagamento igual por trabalho igual é aceite em teoria, embora persistam algumas disparidades de género (como acontece na selecção para cargos superiores). Por exemplo, Carrie Gracie renunciou recentemente ao cargo de editora da BBC na China em protesto contra salários desiguais entre editores masculinos e femininos, incitando seis altos funcionários masculinos a concordarem com cortes substanciais nos salários.

 

É só uma questão de tempo - de superar o hábito, o preconceito e a inércia – até que o que é aceite em princípio se torne prática. O argumento mais interessante para o tratamento desigual refere-se a actividades nas quais as qualidades físicas têm uma vantagem, como no caso do desporto. Nas sociedades tradicionais, os homens é que iam para a guerra, porque eram mais fortes, mais rápidos e mais altos. Sem surpresa, um dos últimos bastiões do pagamento desigual hoje é no desporto de competição, que é uma forma de guerra ritualizada.

 

Na maioria dos principais desportos, existem equipas e eventos separados para homens e mulheres, com padrões de desempenho esperado mais baixos para as mulheres. Por exemplo, os jogos masculinos de ténis são geralmente compostos por até cinco sets, em comparação com três para as mulheres. Os melhores homens podem vencer as melhores mulheres porque são mais fortes, batem a bola com mais força e têm mais resistência. Na natação, a prova mais longa para homens é de 1.500 metros, enquanto que para as mulheres é de 800 metros. Um desporto em que as mulheres competem de igual para igual com os homens é o hipismo - não apenas corridas, mas também dressage, prova de saltos e eventos de três dias.

 

A questão é se o pagamento deve ser igual numa área em que o desempenho é desigual "por natureza". No ténis, o princípio da igualdade de remuneração por desempenho desigual é aceite para os eventos do Grand Slam, mas não para muitos outros. Noutros lugares, as disparidades salariais de género continuam a ser marcantes, especialmente no futebol. A capitã da equipa feminina profissional de Inglaterra, Steph Houghton, recebe apenas 65 mil libras por ano, enquanto o Neymar, o jogador masculino mais caro do mundo, recebe cerca de 500 vezes mais. E, enquanto as jogadoras da superliga feminina de Inglaterra ganham um salário anual de até 35 mil libras, os jogadores masculinos do Chelsea recebem, em média, uns assustadores 4,5 milhões de libras.

 

Um argumento utilizado frequentemente para igualar o pagamento é que as mulheres fazem tanto esforço como os homens para alcançar os seus resultados. Isso leva-nos à antiga teoria trabalhista do valor, que afirma que todo o valor foi criado pelo trabalho. Mas a ligação entre as horas de trabalho e os preços de mercado é praticamente inexistente na prática, razão pela qual os economistas precisaram de uma explicação diferente para os preços do mercado.

 

Os economistas dizem hoje que os preços (incluindo salários) são determinados pela procura do consumidor. Aquilo que uma coisa custa não depende da quantidade de tempo e esforço gasto para o produzir, mas daquilo que vale para o comprador. Os jogadores masculinos são mais bem pagos do que as mulheres porque os seus serviços são mais solicitados. Se as equipas de futebol feminino começassem a pagar às suas jogadoras o mesmo que as equipas masculinas, iriam à falência. O desemprego é o preço de insistir em ser pago acima do nível de "compensação do mercado".

 

Os preços do mercado, insistem os economistas, não medem o valor moral, mas o valor de mercado. Se quisermos que as recompensas determinadas pelo mercado se equiparem a recompensas "justas" temos de abolir os mercados - a solução socialista - ou reestruturar as preferências individuais.

 

Um dos argumentos é que as mulheres no desporto só teriam o mesmo preço de mercado que os homens se as distorções estruturais de género - como maior cobertura dos media e patrocínios para desportos masculinos - fossem eliminadas. Embora o valor de mercado possa ser determinado pela procura do consumidor, como a teoria económica sustenta, essas preferências são elas próprias um resultado de disparidades de género socialmente estruturadas. Se esses preconceitos não existissem, a procura por desportos femininos seria igual à procura por desportos masculinos.

 

Este argumento baseia-se na suposição - que se estende muito para além do desporto - que a igualdade de género real não será alcançada até que a formação de gostos e hábitos não esteja mais sujeita a estereótipos de género. Os meninos não receberiam automaticamente armas de brincar, enquanto as meninas recebiam bonecas.

 

Parece bastante razoável, até vermos o quão longe as feministas radicais estão dispostas a ir para reescrever gostos e preferências. A linguagem está a ser sistematicamente purgada de "tendências de género". Os cursos universitários em ciências humanas e sociais estão a ser sujeitos a formas implícitas ou explícitas de censura de género. O género em si é cada vez mais visto como "construído socialmente"; e as crianças, portanto, devem ser encorajadas a escolher o seu próprio género.

 

Para mim, a última ofensiva contra os homens é uma boa causa que descarrilou. Mas a mim, um homem de 78 anos, não me terá acontecido o mesmo?

 

Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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