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Perspectivas sombrias para o Trumponomics

Uma eventual correcção do mercado é inevitável. A única questão é quem Trump culpará quando isso acontecer.

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Agora que o presidente dos EUA, Donald Trump, já está no cargo há seis meses, podemos avaliar com mais confiança as perspectivas para a economia dos EUA e a formulação de políticas económicas da sua administração. E, tal como a presidência de Trump em geral, os paradoxos abundam.

 

O principal quebra-cabeças é a desconexão entre o desempenho dos mercados financeiros e a realidade. Enquanto os mercados bolsistas continuam a atingir novos máximos, a economia dos EUA cresceu a uma taxa média de apenas 2% no primeiro semestre de 2017 – um crescimento mais lento do que na era do presidente Barack Obama – não se esperando grandes melhorias no resto do ano.

 

Os investidores do mercado de acções continuam a ter esperança que Trump possa implementar políticas para estimular o crescimento e aumentar os lucros das empresas. Além disso, o crescimento lento dos salários significa que a inflação não está a atingir a meta da Reserva Federal dos EUA, e por isso a Fed terá que normalizar as taxas de juro de forma mais lenta do que o esperado.

 

As taxas de juro de longo prazo mais baixas e um dólar mais fraco são boas notícias para os mercados accionistas dos EUA, e a agenda pró-negócios de Trump é, em princípio, boa para acções individuais, mesmo que tenha desaparecido a ideia da reflação de Trump. E há agora menos motivos para preocupações de que um grande programa de estímulos orçamentais impulsione o dólar e force a Fed a subir os juros. Perante a ineficácia política da administração Trump, é seguro assumir que, se houver algum estímulo, será menor do que o esperado.

 

A incapacidade da administração de Trump de agir, no que respeita às políticas económicas, não deverá mudar. As tentativas dos republicanos do Congresso de substituir o Affordable Care Act (Obamacare) falharam, até porque os republicanos moderados se recusaram a aprovar um projecto de lei que privaria cerca de 20 milhões de americanos do seu seguro de saúde.

 

A administração Trump está a concertar-se agora na reforma tributária, que será tão ou mais difícil de promulgar. As propostas iniciais antecipavam poupanças decorrentes da revogação do Obamacare, e de um "imposto de ajustamento fronteiriço" que já foi abandonado desde então.

 

Isso deixa os republicanos do Congresso com pouca margem de manobra. Como as regras de conciliação exigem que todos os cortes de impostos sejam neutros em termos de receita após dez anos, os republicanos terão que reduzir menos os impostos do que pretendiam originalmente ou contentar-se com reduções temporárias e limitadas que não são compensadas por outras vias.

 

Para beneficiar os trabalhadores americanos e estimular o crescimento económico, as reformas tributárias precisam de aumentar o fardo sobre os ricos e proporcionar um alívio aos trabalhadores e à classe média. Mas as propostas de Trump vão em sentido contrário: dependendo do plano para o qual olhamos, 80 a 90% dos benefícios vão para os 10% mais ricos.

 

As empresas dos Estados Unidos não estão a acumular biliões de dólares em dinheiro e a recusar fazer investimentos de capital por o imposto ser muito alto, como afirmam Trump e os republicanos do Congresso. Na verdade, as empresas estão menos inclinadas a investir porque o crescimento salarial lento está a diminuir o consumo e, portanto, o crescimento económico geral.

 

Além da reforma tributária, o plano de Trump para estimular o crescimento de curto prazo através do aumento dos gastos em infra-estruturas para um bilião de dólares ainda não está no horizonte. E, em vez de investimento directo do governo nesse montante, o governo quer dar incentivos fiscais modestos para que o sector privado encabece diversos projectos. Infelizmente, será necessário mais do que incentivos fiscais para colocar de pé grandes projectos, e projectos em fase avançada de desenvolvimento são poucos e dispersos.

 

No comércio, há boas e más notícias. A boa notícia é que o governo não perseguiu políticas radicalmente proteccionistas, como estigmatizar países como manipuladores de moeda, introduzindo taxas sobre as importações ou implementado o imposto de ajustamento fronteiriço.

 

A má notícia é que Trump está a aderir ao seu credo "comprar americano, contratar americano", e os seus gestos proteccionistas prejudicarão mais o crescimento do que salvarão empregos. Ele já abandonou a Parceria Transpacífico e as negociações para o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com a União Europeia. Está a renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, e pode tentar renegociar outros acordos de livre comércio, como o acordo bilateral com a Coreia do Sul. Ainda pode começar uma guerra comercial com a China ao introduzir tarifas sobre o aço e outros produtos - especialmente agora que a China não cooperou na resposta à crescente ameaça nuclear da Coreia do Norte.

 

Trump também poderá limitar o potencial de crescimento dos EUA restringindo a imigração. Além de impedir a entrada de cidadãos de seis países predominantemente muçulmanos, a administração tem como objectivo restringir a migração para trabalhadores com grandes habilitações e está a aumentar as deportações de imigrantes sem documentos. Isso, juntamente com o famoso muro, reduzirá a oferta de mão-de-obra futura e, portanto, o crescimento económico, especialmente porque a população americana continua a envelhecer e a abandonar a força de trabalho.

 

Por fim, a agenda de desregulamentação de Trump não impulsionará o crescimento económico, podendo, na verdade, enfraquecê-lo ao longo do tempo. Se a regulação financeira for flexibilizada de mais, o resultado poderá ser outra bolha de activos e do crédito e até outra crise financeira e recessão.

 

Ao mesmo tempo, a decisão de Trump de retirar os Estados Unidos do acordo climático de Paris, combinada com uma reviravolta das regulamentações ambientais, levará à degradação ecológica e ao crescimento mais lento das indústrias da economia verde, como a energia solar. E as protecções laborais mais fracas reduzirão ainda mais o poder de negociação dos trabalhadores, travando o crescimento salarial e o consumo global.

 

Não é de admirar que o crescimento real e potencial esteja preso em torno dos 2%. Sim, a inflação é baixa, e os lucros das empresas e os mercados de acções estão a subir. Mas o fosso entre Wall Street e Main Street está a aumentar. As altas avaliações de mercado que são alimentadas por liquidez e exuberância irracional não reflectem realidades económicas fundamentais. Uma eventual correcção do mercado é inevitável. A única questão é quem Trump culpará quando isso acontecer.

 

Nouriel Roubini é CEO da Roubini Macro Associates e professor de Economia na Stern School of Business, NYU.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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