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O plano A da Europa

Os políticos da Europa de hoje estão desesperadamente à procura de alguém a quem possam culpar pela crise do euro. A Alemanha culpa a França e vice-versa. Até os advogados começam a entrar em acção, ao tentar identificar responsabilidades jurídicas pelas falhas conceptuais da união monetária.

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Entretanto, à medida que se intensificou a crise, emergiu um novo consenso relativamente à união monetária europeia. De acordo com esta visão, o euro foi concebido num ataque de optimismo irreflectido e irresponsável – ou, em alternativa, de pânico, trazido pela perspectiva de uma hegemonia da Alemanha sobre a Europa – na sequência da queda do Muro de Berlim.

Nada poderá estar mais longe da verdade. O relatório para uma união económica e monetária na Comunidade Europeia, que estabeleceu o projecto do euro, foi apresentado em Abril de 1989 – uma altura em que ninguém (com as possíveis excepções de alguns estrategas do Kremlin) pensava na reunificação alemã. Além disso, as questões fundamentais sobre as uniões monetárias foram bem compreendidas e as soluções para os obstáculos mais consideráveis foram propostas no início. 

O comité que redigiu o relatório – conhecido agora como Relatório Delors, herdeiro do nome do seu presidente, Jacques Delors – era um grupo bastante conservador de banqueiros centrais, até com a presença do governador do Banco de Inglaterra. As discussões internas punham em evidência dois problemas de uma potencial união monetária. 

Em primeiro lugar, o comité discutiu, explicitamente, se o mercado de capitais seria suficiente para impor a disciplina orçamental sobre os membros da união cambial e acordou que era necessário um sistema de normas. Mas essas normas foram sendo progressivamente enfraquecidas e, no início dos anos 2000, eram amplamente ridicularizadas (até mesmo por Romano Prodi, o sucessor de Delors como presidente da Comissão Europeia), com os governos a descortinarem que poderiam apresentar défices consideráveis sem pagar taxas de juros mais elevadas no mercado. 

O segundo problema era mais grave. No plano original para a criação do Banco Central Europeu, a instituição proposta teria poderes de supervisão e de regulação totais. De facto, os redactores dos estatutos do BCE produziram uma abordagem surpreendentemente perspicaz à supervisão bancária. A versão de 1990 do artigo 25 do Tratado de Maastricht sobre a supervisão prudencial incluía as seguintes disposições (colocadas entre parênteses rectos, para mostrar que não eram totalmente consensuais): "O BCE pode formular, interpretar e implementar políticas relativas à supervisão prudencial de instituições de crédito ou de outras instituições financeiras para as quais é designado como autoridade supervisora competente". 

A ideia de que o BCE deveria ser uma autoridade supervisora central num mercado de capitais integrado encontrou uma forte resistência, à frente da qual se encontrava o Bundesbank da Alemanha, que temia que o papel na manutenção da estabilidade financeira poderia minar a capacidade do banco de se focar na estabilidade do preço como o objectivo central de política monetária. Também havia alguma resistência burocrática por parte dos reguladores de então. Mais importante que isso, a supervisão sugeria alguma potencial responsabilidade para recapitalizar os bancos problemáticos, o que envolvia um custo orçamental. 

O interveniente mais dinâmico por detrás deste pensamento inicial sobre a supervisão bancária era o membro do Banco de Inglaterra, Brian Quinn. Contudo, a sua credibilidade ficou minada na sequência das críticas à forma como o Banco de Inglaterra lidou com o colapso do Bank of Credit and Commerce International – um episódio que serviu como prenúncio de questões que se levantaram, depois, na gestão das falências de instituições grandes e transfronteiriças. 

Um vestígio jurídico do plano original pode oferecer um percurso fácil para um maior papel de supervisão do BCE nos dias de hoje. De acordo com o artigo 25 do Tratado de Maastricht, o BCE pode "dar parecer e ser consultado" pela Comissão ou pelo Conselho sobre a implementação da legislação comunitária relativa à supervisão prudencial. 

Quando se inseriu esta frase no Tratado, a ideia era a de que dificilmente se conseguiriam colocar maiores obstáculos a uma supervisão bancária europeia. Não foram dados poderes de supervisão e de regulação totais ao BCE. E, até as conexões entre a saúde financeira e orçamental terem sido deslindadas com a eclosão da crise financeira de 2007-2008, ninguém considerou que isso fosse um problema. Agora, já consideram. 

Independentemente disso, as regras orçamentais e a supervisão bancária comum ainda são vistas, em muitos locais, como uma invasão ilegítima da soberania dos Estados-membros. A União Europeia evitou tornar-se num foco de forte contestação precisamente porque nunca se apoderou de uma grande porção do que é produzido pelos europeus (o seu orçamento, de apenas cerca de 1% do produto interno bruto da União Europeia, pouco mudou em termos relativos nos últimos 40 anos). Foram os Estados-membros que fizeram a política e os orçamentos. 

Delors tinha uma visão diferente. Na altura do relatório, ele concluiu que o orçamento europeu seria de perto de 3% do PIB – idêntico à percentagem do PIB do orçamental federal dos Estados Unidos em tempos de paz durante a primeira fase da união monetária, no século XIX. 

Além do mais, tal como na Europa de hoje, quando Alexander Hamilton propôs um sistema bancário central, o Banco dos Estados Unidos, a par da consolidação da dívida estadual da Guerra Revolucionária em dívida federal, a implementação do seu sensível plano foi imperfeita. No caso americano, os princípios das finanças federais não funcionaram até à Guerra Civil e o Sistema da Reserva Federal só foi estabelecido mais tarde, apenas em 1913. 

Os europeus podem aprender com os Estados Unidos e implementar um plano essencialmente sólido. Contudo, precisam também de reconhecer que são inevitáveis recuos e contratempos políticos – e, daí, que o percurso da imaginação para a realidade pode ser mais longo do que o esperado. 

Harold James é professor de Estudos Europeus na Universidade de Princeton e autor de "Making the European Monetary Union" 

Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org

Tradução: Diogo Cavaleiro

 

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