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11 de Julho de 2014 às 13:30

Reiniciar a China

Apesar da desaceleração da China ser amplamente discutida, o crescimento anual do produto interno bruto (PIB) chinês permanece acima de 7%, o que não implica motivos para alarme - pelo menos por enquanto.

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A questão é perceber se os esforços do governo para implementar reformas estruturais e transformar o modelo de crescimento da economia estão a funcionar - ou seja, se os desequilíbrios internos continuam a ameaçar o desempenho económico de longo prazo. Uma vez que a China continua a ser o motor de crescimento mais importante da economia global, a resposta é importante para todos.

 

Avaliar a estabilidade económica da China implica considerar os conflitos e tensões que afectam o país – e nenhum deles contribui para impulsionar o crescimento. Para começar, as disputas territoriais da China com muitos dos seus vizinhos, incluindo o Japão, Vietname e Filipinas, estão a minar a paz regional, já para não falar da integração económica.

 

Além disso, o relacionamento da China com os Estados Unidos está a deteriorar-se, devido a conflitos sobre a política externa da América em relação à Ásia e a disputas sobre segurança cibernética. A China já restringiu o acesso de algumas empresas de tecnologia com sede nos Estados Unidos ao seu mercado, e pode prosseguir com acções desse tipo.

 

Ao mesmo tempo, o sistema político interno da China está a ser abalado pela campanha anti-corrupção do presidente Xi Jinping - um esforço que é essencial para aumentar a responsabilidade e a legitimidade do governo, uma vez que implica reformas sistémicas profundas. Mas, num momento de crescente tensão internacional, há o risco de a campanha de Xi se transformar num ataque mais amplo à dissidência política atribuída a influências estrangeiras "corruptas".

 

Desde que a China lançou o seu processo de "reforma e abertura", há mais de três décadas, tem beneficiado da sua vontade de considerar – e até mesmo adoptar - ideias estrangeiras. Em muitas áreas - política económica numa economia de mercado, gestão empresarial, tecnologia, energia, meio ambiente e saúde, só para citar algumas – a aprendizagem selectiva acelerou o desenvolvimento da China (e beneficiou os países que aprenderam com a experiência chinesa). Misturar influências externas com uma legítima campanha anti-corrupção minaria esta dinâmica positiva, com consequências potencialmente graves para os objectivos da China de transformar o seu modelo de crescimento e alcançar o estatuto de país de elevado rendimento.  

 

A boa notícia é que os dados – ainda que incompletos - mostram progresso na transformação económica da China. O fraco crescimento dos principais mercados de exportação da China (Europa, América do Norte e Japão), juntamente com o rápido aumento dos salários e rendimentos domésticos, está a orientar a parte comercializável da economia para componentes de maior valor nas cadeias de abastecimento globais. Ao mesmo tempo, a inflação, o aumento dos salários, e a apreciação nominal do renminbi elevaram a taxa de câmbio real, embora esta tendência tenha sido atenuada, até certo ponto, pela persistência do elevado valor do euro. A forma como as empresas lidarem com essa transição - que já está a contribuir para a desaceleração do crescimento da China - vai determinar o progresso da transformação.

 

A China não tem opção a não ser alterar o seu modelo de crescimento. A sua participação nos mercados globais é agora tão grande que a economia poderia ser afectada pela procura, pela primeira vez em quatro décadas. A única maneira de evitar este resultado é através da prossecução de um programa equilibrado que compreenda investimento de elevado retorno, serviços governamentais de alto valor, e maior consumo das famílias.

 

O investimento público e privado - que tem servido como o principal motor do crescimento da China ao longo das últimas quatro décadas – pode desempenhar um papel fundamental na expansão da procura interna, mas só se o retorno for elevado. Embora os investimentos de baixo retorno gerem procura agregada, eles não aumentam o rendimento futuro ou o potencial produtivo e, portanto, não promovem o crescimento sustentável.

 

Perante isto, os líderes da China devem usar uma combinação de reformas do sector financeiro e melhores incentivos do sector público para aumentar o acesso ao capital em setores com altas taxas de retorno potencial. Na verdade, esse processo está em andamento com o licenciamento de novos bancos privados e o desenvolvimento do sistema bancário sombra da China.

 

Dada a capacidade limitada da procura de investimento para impulsionar o crescimento, os serviços públicos de elevado valor e o aumento do consumo das famílias também são necessários. Neste momento, o consumo privado corresponde a uma parcela invulgarmente pequena do PIB da China. Mas o aumento dos salários - em parte resultado do aumento do salário mínimo em algumas regiões – está a aumentar o rendimento familiar, e já existem sinais de que a diminuição da parcela do PIB correspondente ao consumo das famílias está a reverter a tendência.

 

Consideremos o sector dos equipamentos de telecomunicações, que tem vindo a crescer a uma taxa anual superior a 15%, nos últimos dois anos. O volume bruto de mercadorias vendidas no retalho online aproxima-se dos 316 mil milhões de dólares e cresce a uma taxa anual entre 40 e 60%. Muitos outros segmentos industriais que servem a procura doméstica também estão a crescer a taxas de dois dígitos, o que sugere que o consumo interno já está a contribuir de forma mais  significativa para o crescimento do PIB da China.

 

Mas resta saber se o crescimento da quota de consumo é sustentável - ou seja, se é o resultado do crescimento da quota de rendimentos ou crescente alavancagem. Se for suportado pela alavancagem excessiva, que o que faz, na realidade, é transferir o consume futuro para o presente, a China poderá enfrentar uma desaceleração significativa - ou mesmo uma grande crise.

 

A alavancagem, sem dúvida, aumentou a taxas insustentáveis ??nos últimos anos. Mas, dado que o crescimento da dívida começou a partir de uma base baixa, não vai necessariamente conduzir a uma crise - desde que haja uma gestão adequada do risco. As actividades mais importantes dos bancos sombra devem ser reguladas para aumentar a transparência e impedir a tomada de riscos excessiva, permitindo que o sector continue a contribuir para o desenvolvimento do sector financeiro, oferecendo opções de poupança às famílias e crédito para pequenas e médias empresas.

 

Quanto ao sector bancário oficial, a liberalização das taxas de juro sobre os depósitos, prevista para 2016, irá reduzir a repressão financeira e subsídios ao investimento implícitos. Isso, por sua vez, deve ajudar a reequilibrar o lado da procura ao padrão de crescimento.

 

Estas mudanças estruturais são complexas e não podem ser perfeitamente sincronizadas - portanto, são susceptíveis de ser acompanhadas por uma queda nas taxas de crescimento. O governo tem manifestado vontade de aceitar um crescimento um pouco mais lento em troca de uma economia mais estável e sustentável. Mas, se uma desaceleração é o início de uma tendência ou uma parte temporária de uma transição complexa, não será visível desde o início. Garantir que é uma etapa temporária do processo exigirá paciência e disciplina - na política nacional e estrangeira - condizente com a grande transformação em curso.

 

Michael Spence, laureado com o Prémio Nobel da Economia, é professor de Economia na Stern School of Business, da Universidade de Nova Iorque, e conselheiro no Instituto Hoover. O seu último livro é "The Next Convergence – The Future of Economic Growth in a Multispeed World".

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria 

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