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31 de Maio de 2017 às 14:00

França regressa à Europa

Com a sua visão para França e uma agenda pró-UE cristalina, Macron pode tornar-se o líder que reavivará a economia da Europa e reequilibrará as relações franco-alemãs.

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Vai levar algum tempo a entender as implicações do resultado das eleições presidenciais francesas. E, no entanto, já sabemos que a vitória de Emmanuel Macron é simbolicamente significativa não apenas para França, mas para a Europa em geral.

 

Para começar, a vitória de Macron representa uma ruptura com a onda populista que varreu toda a Europa. Desde o referendo do Brexit no Reino Unido e da eleição do presidente dos EUA, Donald Trump, no ano passado, o populismo representou uma ameaça existencial para a União Europeia. E ainda que a vitória de Macron não signifique que a ameaça populista tenha sido eliminada, ela mostra que tais forças podem ser contidas. E o facto de o populismo ter sido contido em França é um bom presságio para outros países europeus.

 

A eleição de Macron também é importante porque provavelmente mudará a percepção actual do mundo sobre França. Sob a liderança do antecessor de Macron, François Hollande, a França prosseguiu uma política de activismo diplomático, através da qual fez contribuições substanciais para a luta contra o expansionismo islâmico em África - particularmente no Mali - e contra o Estado Islâmico.

 

Mas Hollande tem falta de carisma, e o seu activismo, em termos de política externa, colocou em destaque a frágil economia de França, que enfraqueceu a sua posição no cenário mundial. Isto foi particularmente evidente a nível europeu, onde o desequilíbrio crescente entre França e a Alemanha tornou impossível para França contrariar as políticas de austeridade da Alemanha. Eu testemunhei isso em primeira mão como conselheiro de Manuel Valls, que serviu como primeiro-ministro no governo de Hollande.

 

Uma das vantagens de Macron é que ele entende um ponto essencial: qualquer reorientação da política francesa em relação à Europa requer o reforço da economia francesa. Ao contrário de muitos líderes de esquerda que preferem atacar a Europa e culpar a UE por todos os males domésticos, Macron acredita que França foi enfraquecida pelo seu próprio fracasso na implementação de reformas estruturais. De facto, entre os países da Zona Euro, a França tem um crescimento económico abaixo da média e algumas das políticas mais fracas para combater o desemprego.

 

O que há de novo em Macron é que ele foi capaz de articular claramente este argumento durante a campanha, enquanto a maioria dos outros líderes políticos tem evitado defender a Europa. Macron acredita que sem reformas económicas profundas, será impossível mudar a situação na Europa, ou restaurar o equilíbrio nas relações franco-alemãs.

 

Mas ninguém deve considerar a eleição de Macron como uma panaceia que resolverá, como que por magia, todos os desentendimentos entre França e a Alemanha. Existem diferenças significativas entre as visões dos dois países para o futuro da governação económica na Zona Euro. E, ao contrário dos equívocos populares, França pode estar hoje ainda mais inclinada para o federalismo do que a Alemanha.

 

Enquanto a França defendeu um verdadeiro orçamento da Zona Euro, a Alemanha ainda favorece um fundo monetário europeu simples, para ser usado apenas em situações de emergência. Os alemães não querem amarrar as mãos criando um orçamento europeu, porque não querem realmente integrar-se mais, em termos económicos, com a Europa.

Macron, por sua vez, apoia uma integração europeia mais profunda, porque sabe que é a única maneira de afrouxar o domínio da Alemanha sobre a formulação de políticas na UE. Mas, ao contrário dos seus predecessores, especialmente o ex-presidente Nicolas Sarkozy, Macron não quer apenas criar a aparência de paridade entre França e a Alemanha. Em vez disso, ele vê a paridade genuína como a base para o fortalecimento do poder económico de França. Assim, não se deve excluir a possibilidade de - se França recuperar realmente sob a liderança de Macron - as relações franco-alemãs poderem tornar-se mais tensas.

 

Na opinião de Macron, França deve fazer mudanças se quiser que a Alemanha faça o mesmo. Ao implementar reformas necessárias em casa, o governo de Macron poderá insistir que a Alemanha finalmente tome medidas para enfrentar o mal-estar económico da UE. Como prova da sua resolução, Macron provavelmente proporá uma reforma do código do trabalho assim que a nova Assembleia Nacional for eleita em Junho. Se a reforma passar, vai aumentar a confiança dos investidores e quebrar a imagem de uma França doente.

 

Mas enquanto a Europa é a prioridade estratégica de Macron, ele precisará de resolver outras questões, como o relacionamento de França com a Rússia. Mais uma vez, Macron destacou-se dos outros candidatos presidenciais ao prometer enfrentar o presidente russo, Vladimir Putin. Isto é digno de nota, dada a tradicional Russofilia de França, o fascínio histórico com os homens fortes, e hostilidade para com a ideia de uma comunidade transatlântica.

 

Macron, obviamente, tentará envolver-se com o governo de Putin. Mas ele não esquecerá a interferência da Rússia nos assuntos internos de França. O Kremlin estava quase certamente por detrás do ataque cibernético contra a campanha de Macron nas últimas horas das eleições, e era abertamente favorável à sua opositora, a líder da extrema-direita da Frente Nacional, Marine Le Pen.

 

A política externa de um país é moldada por factores de longo prazo que transcendem as eleições e as presidências. Os princípios centrais da política externa francesa não mudarão nos próximos anos. Mas Macron aproveitará a sua posição como líder muito novo de um país muito velho.

 

Com a sua visão para França e uma agenda pró-UE cristalina, Macron pode tornar-se o líder que reavivará a economia da Europa e reequilibrará as relações franco-alemãs. Para isso, terá de reavivar o papel histórico de França como líder diplomático e militar na Europa. Se ele conseguir isso, uma Europa mais forte emergirá - um desenvolvimento que promete beneficiar o mundo inteiro.

 

Zaki Laïdi, professor do Sciences Po, em Paris, foi conselheiro político do primeiro-ministro Manuel Valls.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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