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26 de Dezembro de 2013 às 11:00

A era da ruptura

O ano 2013 levou o mundo, ainda mais, para a Era Digital – uma época de alterações a nível global cujo impacto provável sobre a economia mundial será duas a três vezes maior do que o da Revolução Industrial. Cerca de 90% dos dados de todo o mundo foram criados nos últimos dois anos. Em 2020, a quantidade de dados armazenados poderá ser 50 vezes maior do que em 2010. Muitos especialistas vêem esta explosão massiva de dados como o novo petróleo, até como uma nova classe de activos.

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Esta grande quantidade de dados foi dinamizada pela quase omnipresença da internet. Os telemóveis inteligentes ("smartphones") deverão conectar mais 2 a 3 mil milhões de cidadãos em todo o mundo em 2020, com muitos milhões de sensores dentro de máquinas a monitorizar tudo, desde tractores a motores a jacto, e com novas descobertas relativamente ao poder de computação que permitam aumentos expressivos no armazenamento e na análise de dados.

Neste ambiente, ser fluente na gestão e na análise de dados será vital para organizações bem-sucedidas. Um estudo publicado em 2011 pelo professor do MIT, Erik Brynjolfsson e os seus colegas, revelou que as empresas que tomam decisões através do uso de dados têm uma taxa de produtividade 5% a 6% maior do que os que não o fazem. A capacidade para capturar, organizar, extrair conhecimento e transaccionar dados tornou-se uma competência central para qualquer indústria em qualquer sector.

A ruptura resultante deste novo mundo de dados e de analítica está a disseminar-se tanto pelo sector público como pelo privado. A Netflix, o conhecido sítio de internet de visualização de vídeos, usou a sua vasta base de dados vinda da pesquisa, das visualizações, das interrupções e dos comentários dos utilizadores para fazer a série para internet "House of Cards". A série junta um realizador popular (David Fincher), um actor também popular (Kevin Spacey) e enredos retirados de um famoso programa britânico com o mesmo título – todos eles com elevadas classificações, segundo as métricas de popularidade da Netflix.

Noutras indústrias, a tomada de decisões conduzida pela análise de dados está a tornar-se a norma no desenvolvimento de produto, no marketing e nas interacções com clientes, servindo como um complemento (e em alguns casos como substituto) da intuição e da experiência. Da mesma forma, também está a racionalizar as cadeias de produção, a aperfeiçoar os horários de trabalho e a optimizar os processos industriais.

É provável que outras rupturas significativas venham a ocorrer em todas as indústrias, dado que o acesso privilegiado a dados vai definir uma nova distribuição das linhas de batalha competitivas. As empresas com enormes séries de dados terão uma cada vez maior capacidade para trabalhar em mercados fora dos seus domínios tradicionais – e os seus líderes já estão a aproveitar as oportunidades. Na Alibaba, a empresa chinesa de comércio electrónico, os fornecedores da sua rede de trabalho de pequena e média dimensão poderão também solicitar o recurso a crédito. A Alibaba financiou 320 mil empresas (mais de 16 mil milhões de dólares – 11,7 mil milhões de euros), utilizando dados de transacções para ceder os créditos – e fê-lo de uma forma muito mais eficiente do que um banco médio.

Os governos também estão a sentir que a análise de dados poderá alterar a sua posição global. Por exemplo, Singapura tem um plano director que se centra no desenvolvimento de uma robusta indústria de informação e de comunicação, incluindo a análise de dados. Mais recentemente, as autoridades lançaram uma iniciativa de dados disponíveis, tornando enormes quantidades de dados oficiais facilmente acessíveis.

Ainda assim, embora muitas organizações reconheçam a importância da análise de dados, há uma enorme diferença na forma agressiva como a adoptaram. Os primeiros, como a Amazon e a Tesco, que rapidamente construíram as bases de talento e a experiência necessárias, estão agora a alterar os mecanismos para maximizar o impacto desta análise nas suas empresas (ou seja, explorar as oportunidades de ruptura). Muitas outras organizações, contudo, estão ainda a conduzir experiências a uma reduzida escala e a contratar os primeiros cientistas de dados.

A boa notícia é que muitas empresas serão capazes de acelerar o ritmo de mudança. O talento é uma área promissora. A exploração do potencial da análise de dados exige profundos poços de conhecimento técnico especializado. Para ser exacto, os trabalhadores com competências na gestão de dados e em analítica avançada estão em falta, tal como os membros de uma classe emergente de "tradutores" – aqueles cujo talento faz a ligação entre tecnologias da informação e dados, analítica e tomadas de decisões empresariais.

Os tradutores são essenciais para os complexos esforços de transformação que cruzam muitas funções empresariais. As universidades estão a adaptar-se rapidamente para responder ao aumento da procura, sendo que muitas delas lançaram programas interdisciplinares que juntam a analítica e o conhecimento dos negócios.

Os rápidos avanços na tecnologia estão, igualmente, a fazer com que seja mais fácil apercebermo-nos do impacto da analítica. Um dos maiores desafios de muitas empresas tem sido o de converter os conhecimentos retirados dos modelos estatísticos em modificações reais nas operações do dia-a-dia. Os indivíduos que se encontram na linha da frente não têm ferramentas intuitivas que liguem o conhecimento e a acção. Mas os avanços na visualização de dados, os mais rápidos ciclos de desenvolvimento de aplicações e a emergência da tecnologia no mercado de consumo estão a mudar isso, ao colocar soluções personalizadas e fáceis de compreender nas mãos dos empresários.

Por exemplo, a Climate Corporation, adquirida recentemente pela Monsanto, combina mais de 30 anos de dados meteorológicos, 60 anos de dados de colheitas e múltiplos terabytes de informação sobre tipos de solos. Com esta reserva de informação histórica e de algoritmos sofisticados, a empresa oferece aconselhamento pago a agricultores através de um portal digital intuitivo.

À medida que as empresas procuram estas oportunidades para inovar, elevar as receitas ou aumentar a produtividade, as lideranças também precisam de se ajustar. A definição de novas estratégias de relacionamento com os dados, a organização de enormes novos armazenamentos de informações, a aproximação a novos parceiros, a gestão de todas as funções e a capacidade de dinamizar a empresa para uma nova missão vão exigir novas capacidades de gestão.

As empresas inovam a sua forma de organização a todo o momento. Em 1961, a Ampex, uma fabricante electrónica da Califórnia, tornou-se a primeira empresa a usar, formalmente, o termo CFO, "chief financial officer" (director financeiro). Hoje em dia, é um cargo presente em todas as companhias.

Liderar na Era Digital poderá exigir a criação de novos cargos como o director digital, o director de analítica ou o director de dados, embora relativamente poucas empresas tenham já dado esse passo. No futuro, o sucesso de uma organização vai requerer que o líder responsável por tais capacidades seja um membro de confiança da equipa de gestão de topo.

Poucos líderes conseguiram desenvolver músculo de gestão em campos completamente novos ao mesmo tempo que reuniam equipas que contivessem tipos de talento anteriormente desconhecidos. As opções estratégicas enfrentam terreno igualmente fresco, talvez semelhante àquele que existia quando os meios de comunicação abriram uma nova era de marketing ou quando a globalização exigiu uma radical reformulação das pegadas organizacionais.

De 2014 em diante, os directores executivos e os conselhos de administração vão ter de estabelecer novas prioridades, investir de forma sábia e ter vontade para apoiar a experimentação. Em tempos em que é certa a existência de mais rupturas, as enormes recompensas potenciais vão para aqueles que, ainda que vigilantes face ao risco, estão preparados para actuar com ousadia e rapidez.

 

Dominic Bartin é director-geral global da McKinsey & Company

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro

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