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21 de Abril de 2015 às 20:00

Em defesa de Angela Merkel

A recente capa da revista Der Spiegel que mostra a chanceler alemã Angela Merkel à frente da Acrópole rodeada por oficiais nazis serve um objectivo importante: levanta finalmente, e de forma inevitável, a questão da germanofobia na Europa.

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O abuso da Alemanha arrasta-se há algum tempo. As manifestações no Chipre, em Março de 2013, incluíram faixas com caricaturas de Merkel na figura de Adolf Hitler. Em Valência, sensivelmente na mesma altura, por ocasião da celebração anual de Las Fallas, ali estava Merkel no papel de uma directora malvada a distribuir ao chefe do governo espanhol e aos seus ministros "Os dez mandamentos de Angela, a Exterminadora". Merkel acabou por ser queimada, tal como os restantes bonecos, nas chamas das fogueiras de S. José.

 

Dois meses depois, em Portugal, desfiles semelhantes exibiram as mesmas caricaturas de Merkel Hitlerizada, sustentadas por manifestantes barulhentos vestidos de preto que condenaram a "política de massacre dos pobres" da líder alemã.

 

E, naturalmente, houve a Grécia, onde o fenómeno atingiu o seu apogeu durante os motins, em Outubro de 2012, nos quais se exibiram bandeiras nazis e alemãs, que foram hasteadas – e depois queimadas – juntas, à frente da Acrópole, em cenas que previam a capa da Der Spiegel.

 

Em Itália, o jornal diário de direita Il Giornale não teve escrúpulos em dedicar a sua manchete do dia 3 de Agosto de 2012, ao surgimento do "Quarto Reich". Da mesma forma, sites de conspiração de países da Europa do Norte afirmam que o desejo da Alemanha de apoiar o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, contra o presidente russo, Vladimir Putin, é uma reconstituição da subjugação da Ucrânia a Hitler.

 

Depois temos França, onde o jogo parece ser para ver quem consegue ficar em primeiro lugar nas denúncias populistas do novo e detestável "Império alemão". Da extrema-direita, a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, censura Merkel pelo "sofrimento" que está a impor aos povos da Europa. Do extremo oposto, temos Jean-Luc Mélenchon do Partido de Esquerda a vociferar contra a política de "austeridade" de Merkel e convidando-a a "calar-se".

 

O problema da germanofobia não é apenas o facto de ser estúpida, ou ser outro sintoma da decomposição, diante dos nossos olhos, do nobre projecto Europeu de integração e união cada vez mais estreitas.

 

Não, o problema da germanofobia actual é que, ao contrário do que os aprendizes de feiticeiro que a alimentaram nos queriam fazer crer, o seu comportamento não é um sinal de oposição ao verdadeiro fascismo que paira no horizonte, mas sim da sua fidelidade – e até mesmo contribuição – a ele. Porquê?

 

Há várias razões. Para começar, oporem-se às políticas externas, sociais e económicas da Alemanha comparando Merkel a Hitler significa banalizar Hitler. Por mais legítimo que o desacordo com estas políticas possa ser, a Alemanha é uma das democracias mais escrupulosas e exemplares do continente. Dizer que se assemelha de alguma forma ao regime nazi – que, na Europa, ainda defende a destruição da democracia (na verdade, da própria civilização) – é exonerar esse regime, e é tranquilizar e incentivar os actuais neo-fascistas, permitindo-lhes, de forma intencional ou não, reentrarem no debate público.

 

Pior ainda (e é aqui que reside a chave do problema), é que aqueles que entusiasticamente se esforçaram por desacreditar Merkel são

Para começar, oporem-se às políticas externas, sociais e económicas da Alemanha comparando Merkel a Hitler significa banalizar Hitler. Por mais legítimo que o desacordo com estas políticas possa ser, a Alemanha é uma das democracias mais escrupulosas e exemplares do continente. 

precisamente os mesmos que não hesitam em dançar a valsa com os neonazis vienenses ou em formar uma aliança, como em Atenas, com os líderes de um partido verdadeiramente extremista. Todo o clamor levantado em torno de uma Alemanha que supostamente "se reuniu com seus demónios" disfarça a voz dos partidos fascistas - do Golden Dawn da Grécia aos Jobbik da Hungria, SNS da Eslováquia, Vlaams Belang da Bélgica e Ataka da Bulgária - que estão a estabelecer-se na Europa.

 

Também deve ser referido o facto de Merkel ser mulher, e esse ódio por mulheres – o desprezo com que elas, juntamente com os judeus, eram vistas pelos teóricos racistas das décadas de 1920 e 1930 – tem sido uma face essencial de cada expressão do fascismo. Da mesma forma, os slogans exibidos em Valência, em Outubro de 2012 – com manifestantes a gritarem frases de protesto tendo como pano de fundo o boneco da chanceler, "Amarás o dinheiro acima de tudo" e "Honrarás os bancos e o Banco" – libertaram o inequívoco mau cheiro dos mantras antigos sobre "o bezerro de ouro" e a "plutocracia cosmopolita".

 

As pessoas compreenderam finalmente que o anti-americanismo, nascido na extrema-direita e alimentado, na Alemanha, por exemplo, pela filosofia de Martin Heidergger e dos seus acólitos, faz parte do fascismo.

 

É tempo de percebermos que o mesmo é válido para a germanofobia. Em França, ela surgiu com o romancista e activista francês anti-semítico, Maurice Barrès, que viu na filosofia de Immanuel Kant um veículo para a "Judificação" de mentes europeias. Triunfou com a Action Française de Charles Maurras e a sua guerra prolongada com as "abstracções judaicas e germânicas". E culminou com as células vermelhas acastanhadas que, ainda hoje, em lugares que prefiro não mencionar, oferecem "alimento" e "refúgio" às pessoas que estão dispostas a "liquidar" os "patrões" na "folha de pagamentos" da chanceler.

 

A história das ideias tem a sua lógica, razão e loucura, o seu inconsciente e a sua trajectória. É fútil e perigoso negar qualquer uma delas.

 

É por isso que, hoje, é tão importante, perante uma força negra que está a emergir, a aumentar e a desenrolar-se na Europa, defender Angela Merkel.

 

Bernard-Henri Lévy é um filósofo e escritor francês, e um dos fundadores do movimento "Nouveaux Philosophes" (Novos Filósofos). Os seus trabalhos incluem "Left in Dark Times: A Stand Against the New Barbarism"

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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