Opinião
A perigosa postura anti-Irão dos Estados Unidos
Mais do que nunca, precisamos de uma era de diplomacia que enfatize o compromisso, não outra ronda de demonização e uma corrida ao armamento que possa facilmente levar a um desastre.
Nas últimas semanas, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e os seus conselheiros, juntaram-se à Arábia Saudita na acusação de que o Irão está no epicentro do terrorismo do Médio Oriente. Entretanto, o Congresso dos Estados Unidos está a preparar outra ronda de sanções contra o Irão. Mas, caricaturar o Irão como a "ponta da lança" do terrorismo global, nas palavras do rei Salman da Arábia Saudita, não é apenas um equívoco, é também extremamente perigoso, porque pode levar a outra guerra no Médio Oriente.
De facto, parece ser esse o objectivo de alguns dos fanáticos norte-americanos, apesar do facto óbvio que o Irão está do mesmo lado que os Estados Unidos no que diz respeito à oposição ao Estado Islâmico (ISIS). E depois há o facto de o Irão, ao contrário da maioria dos seus adversários regionais, ser uma democracia funcional. Ironicamente, a escalada da retórica norte-americana e saudita chegou dois dias depois das eleições de 19 de Maio no Irão, em que os moderados liderados pelo presidente em exercício, Hassan Rouhani, derrotaram os opositores de ala mais dura nas urnas.
Talvez para Trump, esta abraço pró-saudita e anti-Irão seja apenas outra proposta de negócio. Ele exultou a decisão da Arábia Saudita de comprar 110 mil milhões de dólares em novas armas norte-americanas, descrevendo o negócio como "empregos, empregos, empregos", como se o único emprego remunerado para os trabalhadores americanos exigisse fomentar a guerra. E quem sabe que negócios privados estão à espreita para Trump e para a sua família neste grande abraço ao belicismo saudita.
O estilo bombástico da administração Trump em relação ao Irão é, de certa maneira, parte do caminho. A política externa norte-americana está cheia de absurdos, tragédias e guerras estrangeiras muito destrutivas que não tiverem nenhum propósito além de perseguir a vertente errada da propaganda oficial. Como é que se explicam os inúteis e elevados custos do envolvimento no Vietname, no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Líbia, no Iémen e em tantos outros conflitos?
A animosidade americana em relação ao Irão remonta à Revolução Islâmica, em 1979. Para a população americana, o suplício de 444 dias, em que elementos da embaixada norte-americana estiveram como reféns de estudantes radicais iranianos, constituiu-se como um choque psicológico que ainda não desapareceu. O drama dos reféns dominou os media norte-americanos do início ao fim e teve como resultado uma espécie de stress pós-traumático público semelhante ao trauma social dos ataques do 11 de Setembro, uma geração depois.
Para muitos americanos, tanto no passado como agora, a crise dos reféns – e a própria revolução iraniana – foi uma surpresa. Poucos americanos tinham consciência que a revolução iraniana aconteceu um quarto de século depois da CIA e dos serviços secretos britânicos, o MI6, conspirarem para, em 1953, derrubarem o governo do país, que foi democraticamente eleito, e instalar um estado policial dirigido pelo Xá do Irão, para preservar o controlo anglo-americano sobre o petróleo do país que estava a ser ameaçado por uma nacionalização. Também não havia muitos americanos a ter consciência que a crise dos reféns foi precipitada pela decisão de admitir a entrada do Xá deposto nos Estados Unidos para tratamentos médicos, o que muitos iranianos consideraram ser uma ameaça à revolução.
Durante a administração Reagan, os Estados Unidos apoiaram o Iraque na sua guerra de agressão contra o Irão, incluindo o uso, por parte do Iraque, de armas químicas. Quando a luta finalmente terminou em 1988, os Estados Unidos aplicaram sanções comerciais e financeiras ao Irão, que se mantêm em vigor até hoje. Desde 1953, que os Estados Unidos se opõem à autonomia e desenvolvimento económico do Irão através de acções dissimuladas, apoiando o regime autoritário durante 1953/79, dando apoio militar aos inimigos do Irão e sanções que se prolongam por décadas.
Outro motivo para animosidade da América para com o Irão prende-se com o apoio iraniano ao Hezbollah e ao Hamas, dois antagonistas militantes de Israel. Também aqui é importante entender o contexto histórico.
Em 1982, Israel invadiu o Líbano numa tentativa de esmagar os militantes palestinianos que operavam aí. Na sequência dessa guerra, e perante o cenário de massacres anti-muçulmanos permitidos pelas forças de ocupação israelitas, o Irão apoiou a formação do Hezbollah, que é liderado por xiitas, para resistirem à ocupação israelita no sul do Líbano. Após a retirada de Israel do Líbano, no ano 2000, quase 20 anos depois da invasão original, o Hezbollah tinha-se tornado numa força militar, política e social formidável no Líbano, e continuou a ser um espinho para Israel.
O Irão também apoia o Hamas, um grupo sunita de linha dura, que rejeita o direito de Israel existir. Depois de décadas de ocupação israelita de terras palestinianas capturadas na guerra de 1967, e com as negociações de paz num impasse, o Hamas derrotou a Fatah (o partido político da Organização para a Libertação da Palestina) nas eleições para o parlamento da Palestina, em 2006. Em vez de entrarem em diálogo com o Hamas, os Estados Unidos e Israel decidiram tentar esmagá-lo, incluindo através de uma guerra brutal, em Gaza, em 2014, que teve como resultado um elevado número de mortos palestinianos, um sofrimento incalculável e milhares de milhões de dólares de danos em casas e infra-estruturas em Gaza – mas, previsivelmente, não levou a nenhum progresso político.
Israel também considera o programa nuclear do Irão como uma ameaça existencial. Os israelitas de linha dura repetidamente procuraram convencer os EUA a atacar as instalações nucleares do Irão ou, pelo menos, a permitir que Israel o fizesse. Felizmente, o presidente Barack Obama resistiu e, em vez disso, negociou um acordo entre o Irão e os cincos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (mais a Alemanha), que bloqueia o avanço do armamento nuclear iraniano durante uma década, ou mais, criando espaço para que possam ser desenvolvidas medidas que permitam um crescimento da confiança entre os dois lados. Contudo, Trump e os sauditas parecem empenhados em destruir a possibilidade de normalizar as relações, que foi criada por este acordo importante e promissor.
Poderes externos são extremamente tontos ao permitirem que sejam manipulados no sentido de tomarem lados em conflitos violentos nacionais ou sectários que podem ser resolvidos apenas com compromissos. O conflito israelo-palestiniano, a concorrência entre a Arábia Saudita e o Irão e o relacionamento entre sunitas e xiitas exigem um acordo mútuo. Ainda assim, cada lado destes conflitos tem a ilusão trágica que vai alcançar uma vitória, sem ter de alcançar um compromisso, se os Estados Unidos (ou outra grande potência) travar a guerra em seu nome.
Durante o último século, o Reino Unido, a França, os Estados Unidos e a Rússia, interpretaram mal os jogos de poder no Médio Oriente. Todos desperdiçaram vidas, dinheiro e prestígio. (De facto, a União Soviética ficou seriamente enfraquecida, talvez fatalmente, pela guerra no Afeganistão). Mais do que nunca, precisamos de uma era de diplomacia que enfatize o compromisso, não outra ronda de demonização e uma corrida ao armamento que possa facilmente levar a um desastre.
Jeffrey D. Sachs, professor de Desenvolvimento Sustentável e de Políticas e Gestão de Saúde na Universidade de Columbia, é director do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e da rede de soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
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Tradução: Ana Laranjeiro