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04 de Dezembro de 2017 às 14:00

A economia mundial em 2018

O cenário de base para o curto prazo parece ser de continuidade. E o poder e a influência económica vão continuar a direccionar-se para o oriente,

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Há uma série de perguntas recorrentes feitas aos economistas como eu, que são importantes para as decisões das empresas, indivíduos e instituições que actuam em áreas como investimento, educação e emprego, bem como para as suas expectativas quanto às políticas futuras. Na maioria dos casos, não há uma resposta definitiva. Mas com informação suficiente, é possível discernir tendências, em termos de economias, mercados e tecnologia, e fazer previsões razoáveis.

 

Nos países desenvolvidos, é possível que 2017 seja recordado como um período marcado pelos contrastes, em que muitas economias viveram uma aceleração do crescimento económico, acompanhado pela fragmentação política, polarização e tensão, tanto em termos domésticos como em termos internacionais. No longo prazo, é pouco provável que o desempenho económico futuro seja imune às forças sociais e políticas centrífugas. Mas, até agora, os mercados e as economias não tiveram em conta a desordem política, e o risco de retrocessos substanciais no curto prazo parece relativamente pequeno.

 

A única excepção é o Reino Unido, que enfrenta um Brexit complicado e divisor. Nos outros locais da Europa, a chanceler alemã, Angela Merkel, que está seriamente enfraquecida, está a lutar para formar uma coligação. Nada disto é bom para o Reino Unido ou para o resto da Europa, que precisa desesperadamente que a França e a Alemanha trabalhem em conjunto para reformar a União Europeia.

 

Um choque potencial, que recebeu muita atenção, está relacionado com o potencial aperto da política monetária. Mas dadas as melhorias ao nível do desempenho económico nos países em desenvolvimento, não parece provável que uma reversão gradual de uma política monetária acomodatícia agressiva vá provocar um choque ou penalização grave no valor dos activos. Talvez esteja muito próxima uma convergência dos fundamentais económicos que permitia uma validação das avaliações do mercado.

 

Na Ásia, o presidente chinês, Xi Jinping, está numa posição mais forte que nunca, o que faz prever uma gestão eficaz dos desequilíbrios e um crescimento mais assente no consumo e na inovação. A Índia parece ser capaz de manter o seu crescimento e momento reformista. À medida que estas economias crescem, também outras o vão fazer pela região e fora dela.

 

Em relação à tecnologia, em especial ao digital, tudo indica que a China e os Estados Unidos vão dominar por muitos anos, uma vez que ambos continuam a financiar a investigação e obtêm grandes benefícios quando as inovações são vendidas. Os dois países também têm as principais plataformas para a interacção económica e social, que beneficiam do efeito de rede, anulam as disparidades ao nível da informação e, talvez o mais importante, as aplicações e as ferramentas de inteligência artificial que usam geram conjuntos de dados valiosos.

 

Estas plataformas não são lucrativas por si mesmas; também produzem uma variedade de oportunidades relacionadas com  criação de novos modelos de negócios que podem estar associadas a elas ou estarem em torno delas, digamos, como a publicidade, logística e finanças. Por isso, as economias que têm falta destas plataformas, como a União Europeia, estão em desvantagem. Mesmo a América Latina têm um importante e inovador player doméstico do comércio electrónico (Mercado Libre) e um sistema de pagamentos digitais (Mercado Pago).

 

Em sistemas de pagamentos móveis online, a China lidera. Grande parte da população do país passou directamente do dinheiro vivo para os pagamentos móveis online – saltando os cheques e os cartões de crédito – e o sistema de pagamentos na China é robusto.

 

No Dia do Solteiro, no início de Novembro – uma festividade anual orientada para o consumo dos jovens e que se tornou no maior acontecimento de compras do mundo – a principal plataforma de pagamentos na China, a Alipay, chegou a processar 256 mil pagamentos por segundo, usando uma arquitectura robusta de computação na cloud. Esta plataforma também disponibiliza uma ampla margem para o alargamento dos serviços financeiros (desde avaliações de crédito até à gestão de activos e seguros). A expansão desta plataforma para outros países asiáticos está muito avançada, assentando em parcerias.

 

Nos próximos anos, tanto as economias avançadas como as em desenvolvimento vão ter de trabalhar arduamente para mudar para modelos de crescimento mais inclusivos. Aqui, antecipo que os governos nacionais podem permitir que sejam as empresas, governos subnacionais, sindicatos, as organizações educativas e as organizações sem fins lucrativos que tomem a iniciativa de impulsionar o progresso, em especial nos lugares afectados pela fragmentação e pelas reacções negativas ao establishment político.

 

A fragmentação provavelmente vai intensificar-se. A automatização deve apoiar, ou mesmo acelerar, a mudança na procura pelos mercados de trabalho, em áreas que vão desde a produção à logística até à medicina e ao direito, enquanto as respostas do lado da oferta vão ser muito mais lentas. Em resultado disso, e mesmo que os trabalhadores recebam mais apoio durante as transições sociais (na forma de apoio monetário e possibilidade de formação para desempenhar outras tarefas), é possível que aumentem os desequilíbrios do mercado laboral, o que vai aumentar a desigualdade e contribuirá para uma maior polarização política e social.

 

Contudo, há motivos para algum optimismo. Para começar, subsiste um consenso amplo em todas as economias desenvolvidas e emergentes no que diz respeito à necessidade de manter uma economia global relativamente aberta.

 

A notável excepção é os Estados Unido, ainda que, não seja claro se o governo do presidente Donald Trump pretende de facto abandonar a cooperação internacional ou simplesmente se se está a posicionar para renegociar condições mais favoráveis para o seu país. O que parece claro, por agora, é que não se pode esperar que os EUA actuem como o principal patrocinador e arquitecto da mudança no sistema mundial de regras para a gestão equitativa da interdependência.

 

A situação é semelhante no que diz respeito à mitigação das mudanças climáticas. Os EUA são agora o único país que não está comprometido com o acordo de Paris - que se manteve apesar do abandono do governo de Trump. Mesmo dentro dos EUA, várias cidades, estados e empresas, assim como organizações da sociedade civil, deram sinais de um compromisso credível com as obrigações do país em relação ao clima, com ou sem o governo federal.

 

O mundo tem ainda um longo caminho a percorrer, uma vez que a sua dependência do carbono continua a ser alta. O Financial Times noticia que a Índia vai alcançar a sua procura máxima por carbono em cerca de dez anos, registando um crescimento modesto entre agora e essa data. Apesar de haver um potencial de ganho com este cenário, dependendo de reduções de custos mais rápidas da energia verde, o mundo continua a anos de distância de ter um crescimento negativo das emissões de dióxido de carbono.

 

Tudo isto faz pensar que a economia mundial vai enfrentar desafios sérios nos próximos meses e anos. E entre os desafíos está a acumulação de dívida que faz com que os mercados fiquem nervosos e aumente a vulnerabilidade do sistema a choques desestabilizadores. Mas o cenário de base para o curto prazo parece ser de continuidade. E o poder e a influência económica vão continuar a direccionar-se para o oriente, sem alterações súbitas nos padrões de emprego, rendimentos, polarização política, primeiramente nos países desenvolvidos, e sem que haja convulsões óbvias no horizonte.

 

Michael Spence, laureado com o Prémio Nobel da Economia, é professor de Economia na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque, e conselheiro no Instituto Hoover.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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