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26 de Dezembro de 2013 às 09:00

O Irão mudou?

À medida que 2014 se aproxima, não há questão mais importante na diplomacia mundial do que esta: será que o Irão mudou? Desde a sua eleição, em Junho, o novo presidente do Irão, Hassan Rouhani, demonstrou uma postura mais moderada nas relações internacionais do seu país. Mas é preciso ter cuidado - agora e nos próximos anos.

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O segundo maior produtor de petróleo do mundo, e líder auto-proclamado do islamismo xiita e dos revolucionários islâmicos anti-ocidentais, continua a ser um perigo não apenas para a Arábia Saudita, mas também para a paz e estabilidade no Médio Oriente e além-fronteiras.

A Arábia Saudita tem duas grandes preocupações em relação à República Islâmica do Irão: a sua busca por armas nucleares e a sua interferência nos assuntos dos países vizinhos.

Para começar, os esforços do Irão para desenvolver armas nucleares representam um enorme perigo que, se não for controlado, é susceptível de desencadear uma onda de proliferação em todo o Médio Oriente. Diante de um Irão com armas nucleares, os membros do Conselho de Cooperação do Golfo, por exemplo, serão obrigados a pesar as suas opções com cuidado - e, possivelmente, a adquirir armamento nuclear próprio.

Ainda que todos os países tenham o direito de desenvolver um programa nuclear civil - nós, sauditas, temos o nosso – as tentativas do Irão de conseguir armas nucleares só trouxeram dificuldades para o país. Infelizmente, as cada vez mais severas sanções económicas da comunidade internacional não conseguiram, até agora, deter as ambições dos seus líderes. Se Rouhani se mostrar relutante ou incapaz de engendrar uma mudança de rumo, o que mais poderá ser feito?

Um ataque militar unilateral teria consequências potencialmente terríveis. Infelizmente, dada a postura lamentável do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, relativamente à crise na Síria, o primeiro-ministro israelita, Binyamin Netanyahu, pode concluir que não tem outra opção a não ser avançar sozinho. De facto, a linha dura iraniana pode acolher bem um ataque israelita, e até mesmo tentar provocá-lo, como um meio de mobilizar a população iraniana.

Existe uma forma melhor de prevenir a proliferação de armas nucleares e outras armas de destruição em massa na região: uma "zona livre de armas de destruição maciça", construída sobre um sistema de incentivos que incluam o apoio económico e técnico aos países que adiram, bem como garantias de segurança dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essa zona também deveria impor sanções económicas e políticas aos Estados que optassem por ficar de fora, e - mais uma vez com o apoio dos membros permanentes do Conselho de Segurança - impor sanções militares sobre aqueles que tentassem desenvolver armas de destruição maciça.

A aquisição de armas nucleares por parte do Irão só serviria para aumentar a segunda grande preocupação da Arábia Saudita: a política do governo iraniano de desestabilizar os seus vizinhos. O Irão tem usado essas tácticas desde 1979, quando o Ayatollah Ruhollah Khomeini assumiu o poder e começou a exportar a sua revolução islâmica para todo o mundo muçulmano. O regime elegeu países com maiorias xiitas, como o Iraque e Bahrein, e com as minorias xiitas significativas, como o Kuwait, o Líbano e o Iémen. O Irão também ocupa três ilhas dos Emirados no Golfo (uma política que se recusa a discutir).

A ironia é que o Irão é o primeiro a defender o princípio da não-intervenção, quando se suspeita que outros países estão a intrometer-se nos seus assuntos internos. Devia praticar o que prega. O Irão não tem o direito de se intrometer nos outros países.

O impacto desta política tem sido devastador. No rescaldo da invasão liderada pelos Estados Unidos, o Iraque, um país de pessoas altamente capazes que poderia um dia recuperar o seu papel fundamental na comunidade árabe, tornou-se um parque de diversões para a influência iraniana. Muitos iraquianos estão agora completamente em dívida com a República Islâmica. Sabemos, por exemplo, que um determinado general iraniano negociou, em nome do primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Malii o apoio a grupos xiitas e curdos.

Essa influência é um mau presságio para o futuro do Iraque como um país étnica e religiosamente diverso, e não pode continuar. Na verdade, é uma razão pela qual a Arábia Saudita mantém a mesma distância de todas as facções iraquianas, e porque somos o único país sem um embaixador permanente. No entanto, vamos trabalhar com o povo iraquiano de todas as formas que pudermos para incentivar o surgimento de um membro estável, construtivo e independente do mundo árabe.

A influência do Irão no Bahrein, o nosso vizinho mais próximo, é igualmente destrutiva. O Hezbollah no Bahrein, criado por Khomeini, tem sido uma fonte de propaganda iraniana. Na verdade, as autoridades iranianas declaram frequentemente que o Bahrein é uma província do Irão. A Arábia Saudita apoiou as negociações pacíficas com manifestantes no Bahrein, e deu ao país uma ajuda económica considerável para melhorar os níveis de vida, mas nunca aceitará um controlo iraniano.

O quadro é ainda pior na Síria, onde, desde o início da guerra civil no país, o apoio iraniano ao presidente Bashar al-Assad contribuiu para o acto criminoso pelo qual os líderes do Irão deviam ser julgados no Tribunal Penal Internacional. E o vizinho ocidental da Síria, o Líbano, está cada vez mais sob influência do Irão, com o Hezbollah a empurrar o país para a beira de uma nova guerra civil.

Agora, a principal questão é saber se Rouhani é confiável. O rei Abdullah da Arábia Saudita saudou a eleição de Rouhani e desejou-lhe felicidades, na esperança de que escapasse das garras da comitiva extremista do líder supremo iraniano, o Ayatollah Ali Khamenei, e da Guarda Revolucionária.

Mas as forças das trevas no Irão estão bem entrincheiradas. O legado das ambições expansionistas de Khomeini é tão poderoso como nunca. Mesmo que as intenções de Rouhani sejam genuínas, os seus esforços, tal como os dos dois pretensos reformadores anteriores, Mohammad Khatami e Akbar Hashemi Rafsanjani, podem ser frustradas pela ideologia radical que continua a dominar em Teerão. Estamos preparados para qualquer eventualidade. O mundo também deveria estar.

 

Turki Bin Faisal Al-Saud é presidente do Centro de Pesquisa e Estudos Islâmicos King Faisal. Foi director-geral do Al Mukhabarat Al A'amah de 1977 a 2011 e embaixador da Arábia Saudita no Reino Unido e nos Estados Unidos

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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