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02 de Junho de 2016 às 20:30

A globalização está mesmo a alimentar o populismo?

É verdade que a globalização transformou as economias, transferindo os trabalhos de baixa qualificação para o mundo em desenvolvimento - um ponto que as figuras populistas nunca se cansam de destacar.

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Em ambos os lados do Atlântico, o populismo de esquerda e de direita está a crescer. O seu porta-estandarte mais visível nos Estados Unidos é Donald Trump, candidato presidencial do Partido Republicano. Na Europa, existem muitas vertentes – desde o partido espanhol de esquerda Podemos ao partido francês de extrema-direita Frente Nacional - mas todos partilham a mesma oposição a partidos centristas. O que explica a crescente revolta dos eleitores contra o status quo?

 

A explicação prevalecente é que o aumento do populismo representa uma rebelião dos "perdedores da globalização". Segundo esta lógica, ao perseguirem rondas sucessivas de liberalização do comércio, os líderes dos Estados Unidos e da Europa "esvaziaram" a base produtiva doméstica, reduzindo a disponibilidade de empregos bem pagos para trabalhadores de baixa qualificação, que agora têm de escolher entre o desemprego prolongado e um emprego subalterno no sector dos serviços. Estes trabalhadores estarão agora a rejeitar os partidos estabelecidos que lideraram este "projecto de elite".

 

Esta explicação pode parecer convincente à primeira vista. Afinal de contas, é verdade que a globalização transformou as economias, transferindo os trabalhos de baixa qualificação para o mundo em desenvolvimento - um ponto que as figuras populistas nunca se cansam de destacar.

 

Além disso, os níveis de escolaridade estão fortemente correlacionados com o rendimento e o desempenho do mercado de trabalho. Em quase todo o lado, as pessoas com um diploma universitário têm muito menos probabilidades de estarem desempregadas do que as que não têm sequer o ensino secundário. Na Europa, as pessoas com um grau de pós-graduação têm, em média, três vezes mais probabilidades de ter um trabalho do que aquelas que não concluíram o ensino secundário. Entre os trabalhadores empregados, os que têm formação universitária ganham, em geral, rendimentos muito mais elevados do que os seus homólogos menos instruídos.

 

Mas se estes factores são responsáveis pela ascensão do populismo, devem-se ter intensificado nos últimos anos, com as circunstâncias e as perspectivas dos trabalhadores de baixa qualificação a deteriorarem-se mais rapidamente face aos seus homólogos de elevada qualificação profissional. E simplesmente não é o caso, em particular na Europa.

 

Na verdade, o ensino superior proporcionou vantagens significativas no mercado de trabalho durante muito tempo. Julgando pelos dados disponíveis, o "prémio salarial" para os trabalhadores em funções que exigem níveis elevados de educação tem sido mais ou menos constante na Europa ao longo da última década. Embora tenha aumentado em alguns países (Alemanha e Itália), tem diminuído noutros (França, Espanha e Reino Unido). A diferença entre as taxas de empregabilidade dos altamente qualificados e dos menos qualificados também se manteve relativamente constante, com os menos instruídos a fecharem ligeiramente a lacuna nos últimos anos.

 

Uma comparação entre as tendências na Europa e nos Estados Unidos enfraquece ainda mais o argumento dos "perdedores da globalização". O prémio salarial é substancialmente maior nos Estados Unidos (300-400%) do que na Europa (50-80%). Outras estatísticas do mercado de trabalho, tais como as taxas de desemprego, apresentam um padrão semelhante, indicando que o ensino superior é mais valioso no mercado de trabalho dos Estados Unidos. No entanto, a economia dos Estados Unidos é menos aberta e menos afectada pelo comércio do que a economia europeia.

 

O último prego no caixão da explicação baseada na globalização para a ascensão do populismo na Europa é o facto de a proporção de trabalhadores de baixa qualificação (que não tenham concluído o ensino secundário) estar a diminuir rapidamente. Na viragem do século, havia 50% mais trabalhadores de baixa qualificação do que graduados universitários. Hoje, os graduados universitários quase superam os trabalhadores de baixa qualificação na força de trabalho; seguindo a lógica vigente, a percentagem de eleitores que apoiam os partidos anti-globalização deve estar a encolher.

 

Uma explicação económica clara para um fenómeno político complicado é certamente atraente. Mas essas explicações raramente são precisas. A ascensão do populismo na Europa não é excepção.

 

Consideremos a situação na Áustria. A economia é relativamente forte, sustentada por uma das taxas de desemprego mais baixas da Europa. No entanto, Norbert Hofer, o líder do partido populista de direita Partido da Liberdade (FPÖ) conseguiu derrotar os seus concorrentes dos partidos centristas na primeira volta das eleições presidenciais no mês passado. O principal foco de Hofer foi a imigração.

 

A atração da retórica anti-imigrante de Hofer diz muito, e reflecte um padrão mais amplo no norte da Europa. Num contexto de relativa estabilidade económica, aumento dos salários reais e baixas taxas de desemprego, as queixas sobre os impactos económicos da globalização não são muito poderosos. Em vez disso, os partidos populistas de direita como o FPÖ, os Verdadeiros Finlandeses e o Alternativa para a Alemanha estão a adoptar políticas de identidade, jogando com os medos e frustrações populares – desde a imigração "perigosa" à "perda de soberania" para a União Europeia – para alimentar o sentimento nacionalista.

 

No entanto, nos países do sul da Europa, o impacto duradouro da crise do euro torna os argumentos económicos populistas muito mais poderosos. É por isso que são os partidos populistas de esquerda que estão a ganhar mais apoio lá, com promessas de, digamos, créditos fiscais para os trabalhadores com baixos salários. O caso mais extremo é o Syriza, da Grécia, que venceu as eleições do ano passado com promessas de acabar com a austeridade (claro que, uma vez no poder, o Syriza teve que mudar a sua cantiga e traçar os seus planos em consonância com a realidade).

 

Chamar à ascensão do populismo na Europa uma revolta dos perdedores da globalização não é apenas simplista; é enganoso. Se queremos conter o aumento das forças políticas potencialmente perigosas na Europa, temos de compreender o que está realmente a alimentar a sua ascensão - mesmo que a explicação seja mais complexa do que gostaríamos.

 

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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