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06 de Outubro de 2010 às 12:05

Um Nobel por uma China democrática

Liu Xiaobo cumpre uma pena de onze anos numa prisão em Jinzhou

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Liu Xiaobo cumpre uma pena de onze anos numa prisão em Jinzhou; Hu Jia está detido em Pequim; o paradeiro de Gao Zhisheng é desconhecido, e é esta a sorte de três dos mais proeminentes activistas dos direitos humanos da China.

O Comité de Oslo terá na sexta-feira oportunidade de, pela primeira vez, galardoar um cidadão da China e as autoridades de Pequim acentuaram nas últimas semanas as pressões e advertências quanto à atribuição do Prémio Nobel da Paz a algum dos subversivos que violam a Lei da República Popular.

O Dalai Lama, premiado em 1989 pelos seus esforços pacíficos contra a ocupação chinesa do Tibete, é uma das vozes que se fizeram ouvir a favor do Nobel da Paz para Liu Xiaobo, o dissidente chinês mais falado para o galardão de 2010.

Liu, um pacifista subversivo
Liu é um professor de literatura de 54 anos que em Dezembro de 2008 promoveu um manifesto, conhecido como a Carta 08, à semelhança da Carta 77 dos dissidentes da Checoslováquia comunista, apelando ao respeito pela liberdade de expressão e os direitos humanos.

Depois de ter participado nos protestos da Praça Tiananmen, em 1989, Liu foi detido diversas vezes e no dia de Natal de 2009 foi condenado a onze anos de prisão.

A atribuição do Nobel da Paz a Liu foi também defendida pelo bispo Desmond Tutu, três figuras proeminentes da antiga dissidência checa - o ex-presidente Vaclav Havel, o bispo de Praga Vaclav Maly e a activista dos direitos humanos Dana Nemcova - e o presidente do PEN American Center, Anthony Appiah.

A nomeação para o Nobel da Paz do antigo docente da Universidade Normal de Pequim e leitor convidado de diversas instituições de Ensino Superior no estrangeiro, incluindo a Universidade de Oslo e de Columbia, nos Estados Unidos, exasperou os dirigentes chineses.

Desde o Verão que altos responsáveis de Pequim manifestaram o seu desagrado a membros do Instituto Nobel Norueguês e do governo de Oslo quanto a um eventual galardão para Liu.

O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Jiang Yu foi peremptório no mês passado, ao declarar que Liu violara a Lei e as suas acções eram "totalmente contrárias aos propósitos do Prémio Nobel da Paz".

Um "acto inamistoso" por parte da Noruega - considerando que o Nobel da Paz é escolhido por um comité de cinco eleitos pelo Parlamento de Oslo - teria consequências negativas para as relações bilaterais, no dizer de Pequim, que desde logo comprometeriam qualquer projecto na China da "Statoil" norueguesa, a maior empresa mundial de exploração de petróleo e gás "offshore".

Um Nobel para Liu, ou para Hu Jia, empenhado em causas ambientais e no combate à Sida (cumpre pena de três anos e meio de prisão em Pequim), ou ainda Gao Zhisheng, advogado conhecido pela sua defesa de crentes católicos ou do Falun Gong, actualmente em paradeiro desconhecido, representaria um sinal de que a sorte de quem luta pelos direitos humanos na China não é ignorada.

Paz, fraternidade e muito mais
Ao Nobel de 2009 por declaração de intenções a Barack Obama, controverso e extemporâneo, ainda que passível de ser visto como respeitando o testamento de Alfred Nobel, bem poderia seguir-se esta semana um galardão virado para os direitos humanos, que foram pela última vez contemplados em 2003, na pessoa da iraniana Shirin Ebadi.

O Nobel da Paz ultrapassou o intuito original de premiar esforços pela paz e fraternidade entre as nações, ainda que a consagração da Agência Internacional de Energia Atómica e do seu director-geral Mohamed Al Baradei, em 2005, tenha sido um dos últimos exemplos relativamente consensuais quanto a esse desiderato.

O Instituto Nobel Norueguês passou também a premiar a luta pacífica pelos direitos humanos e causas independentistas (Ximenes Belo e Ramos-Horta, em 1996, representam um caso típico), além da sustentabilidade social, económica e ambiental (a queniana Wangari Maathai, em 2004, ou Grameen Bank do bengali Muhammad Yunus, em 2006).

Existem áreas susceptíveis de justificaram um alargamento do leque de potenciais galardoados, designadamente na promoção do diálogo religioso, prevenção e combate ao terrorismo, a par da protecção dos direitos cívicos, ou luta contra o narco-tráfico e tráfico de pessoas.

Em 2010, o Comité norueguês registou 237 nomeados, entre eles 38 organizações.

Dos nomes conhecidos, a esmagadora maioria merece a distinção, apesar de algumas causas e pessoas sobressaírem.

Um Prémio Nobel pode garantir protecção adicional a pessoas perseguidas, e esse contributo nunca pode ser ignorado.

Até mesmo o destino angustiante da birmanesa Aung San Suu Kyi, premiada em 1991 e que continua em prisão domiciliária, teria sido muito mais dramático, se é possível usar tal eufemismo, sem a distinção de um Nobel da Paz.

Apoiar quem pena e arrisca a vida
O ginecologista congolês Denis Mukwege, ímpar no seu esforço em prol de vítimas de violações de guerra, ou a médica de etnia hazara Simar Samar, da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, são duas pessoas merecedoras dos maiores encómios e apoio, tal como o monge budista vietnamita Thich Quang Do ou o cubano Guilherme Fariñas.

Organizações como Memorial, activa na Rússia e na Tchetchénia na defesa dos direitos cívicos, ou o Tribunal Especial para a Serra Leoa, pela acção na investigação de crimes de guerra na África Ocidental, merecem, igualmente, a distinção de um Nobel.

Numa altura em que Pequim assume um peso cada vez maior nas questões internacionais - pela sua relevância económica, pela importância nas negociações sobre alterações climáticas -, seria, no entanto, de suma importância um apoio, mesmo que simbólico, a quem se bate pelos direitos do homem na China.

Os chamados dissidentes chineses penam na cadeia e sofrem perseguições pela defesa de direitos que os países democráticos têm como a própria essência dos seus regimes.
Liu Xiaobo, sem demérito para qualquer outro nomeado, seria um digno Prémio Nobel da Paz em 2010.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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