Opinião
Um femeeiro no FMI
Uma cabala dos inimigos da França, uma conspiração contra a regulação dos mercados financeiros, uma intriga de rivais no partido socialista, ouviu-se em Paris quando se soube que o director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, era alvo de um inquérito sobre eventual abuso de poder.
Nicolas Sarkozy foi humilhado com a revelação do "The Wall Street Journal", precisamente no sábado em que, na companhia de Durão Barroso, chegava a Camp David para convencer George Bush a negociar um novo acordo de Bretton Woods e, só por si, tal coincidência é suspeita aos olhos dos admiradores de DSK.
O antigo ministro da economia, finanças e indústria de Leonel Jospin nos idos de 1997-1999, o candidato à nomeação à candidatura presidencial dos socialistas derrotado em 2006 por Ségolène Royale e recuperado por Nicolas Sarkozy para candidato europeu à chefia do FMI no Verão do ano passado, é, alegadamente, uma vítima do puritanismo reinante em Washington e nas instituições internacionais.
Na próxima semana será ilibado de todas as suspeitas, conforme acredita o governador do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, e, asseveram os apoiantes à esquerda e à direita, a sua lúcida liderança do FMI fará dele o candidato favorito dos socialistas franceses às presidenciais de 2012.
É uma história de encantar e só tem o pequeno defeito de DSK ter agido ao arrepio do Código de Comportamento do FMI que refere expressamente "dever ser evitada qualquer situação que envolva um conflito, ou aparente envolver um conflito, entre interesses pessoais e o desempenho de obrigações oficiais."
Da alcova às manchetes
Do que se foi sabendo até agora, DFK não perdeu tempo em fazer jus à fama de "grande sedutor", no dizer do "Le Journal du Dimanche", que retomou, à sua maneira, o epíteto de "sedutor excessivo e epicurista" com que o conservador "Le Figaro" retratara o político socialista ao celebrar a sua candidatura ao FMI.
O correspondente em Bruxelas do "Libération" não tardou a recordar que, em Julho de 2007, advertira para os perigos que esperavam DSK em Washington pela sua insistência "a rondar o assédio" em conquistar os favores do belo sexo.
Comportamentos pessoais dúbios abafados em França, com a conivência dos media, não suportam o rigor do escrutínio nas instituições internacionais, referia Jean Quatremer. Classificando DSK como um femeeiro impenitente e impertinente, o jornalista afirmou estar a par do caso desde Fevereiro como, pelos vistos, imensa gente.
A história de alcova em letra de forma com aval dos envolvidos resume-se nisto.
Dominique Strauss-Khan foi nomeado a 27 de Setembro de 2007, em respeito pela espúria tradição que leva um europeu à chefia do FMI e reserva para um norte-americano a presidência do Banco Mundial ante a contestação de países como o Brasil ou a Índia.
Em Dezembro, um mês depois do novo director-geral ter assumido funções em Washington, DSK e Piroska Nagy, economista húngara funcionária do FMI desde 1986, começaram um romance que, no final de Janeiro, durante o Fórum de Davos, passou por um dos seus momentos altos.
O marido da economista Mario Blejer, antigo presidente do Banco Central da Argentina, com carreira no FMI e no Banco de Inglaterra, negou, no domingo, em Buenos Aires, ter denunciado o caso, conforme relatara o "The Wall Street Journal".
Blejer frisou estar separado há mais de quatro anos de Nagy e aproveitou para comentar que DSK tem "uma reputação muito pesada" de assédio sexual pelo que "muita gente só esperava pelo seu primeiro deslize".
Em Fevereiro, de Paris a Washington, passando por Moscovo e Bruxelas, a primeira escorregadela de Strauss-Khan já constava entre quem importa.
Em Agosto, a economista húngara deixou o FMI no âmbito de um programa de redução de quadros e mudou-se para Londres, indo trabalhar para o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento.
Todas as pressões do mundo
A história política é deveras mais complexa e as primeiras fugas de informação indiciam um confronto ao mais alto nível nas instâncias decisórias do FMI.
O "affaire" de DSK cedo se tornou conhecido na sede de Washington e o representante russo Aleksei Mozhin, que liderou a contestação europeia à candidatura do político francês, terá mesmo contactado o marido da economista antes de abordar o seu confrade norte-americano, Meg Lundsager, alegação que não foi negada por Blejer.
O decano dos 24 directores-executivos do FMI, o egípcio Shakour Shaalan, foi posto ao corrente em meados de Julho e, no mês seguinte, ouvido o responsável do departamento legal, o norte-americano Sean Hagan, foi contratada uma firma de advogados de Filadélfia para proceder a um inquérito.
Em causa estão suspeitas de pressões ilegítimas por parte de DSK sobre a economista que na altura desempenhava funções no departamento africano do FMI ou eventual favorecimento na negociação dos termos financeiros da rescisão do contrato.
Entretanto, o "Le Figaro" adiantava, segunda-feira, que, no âmbito do inquérito, também foi ouvida uma estudante francesa estagiária no FMI entre Fevereiro e Agosto, por recomendação do director-geral, tema a que voltou ontem o "The Wall Street Journal", enquanto o correspondente do "The Times" em Paris escrevia preto no branco que Sarkozy estava consternado e furioso com a fuga de informação ocorrida antes que o inquérito pudesse ilibar DSK.
Complicando as coisas, um número não especificado dos 24 directores-executivos do FMI declarou ao "The Wall Street Journal" não ter sido informado do inquérito e, segundo o jornal, os críticos internos de DSK admitem que alguns estados possam ter usado esta informação privilegiada para pressionar o director-geral em disputas sobre financiamentos e decisões políticas.
Strauss-Khan reconheceu, no sábado, a ocorrência de "um incidente" na sua vida privada e negou qualquer abuso de poder. Na segunda-feira enviou um "email" aos funcionários do FMI, assumindo "toda a responsabilidade" por "um erro de julgamento".
A esposa, a conhecidíssima jornalista Anne Sinclair, comentou, no dia seguinte à revelação da existência de um inquérito no FMI, que "essa aventura de uma noite" fora ultrapassada pelo casal e reiterou o seu amor por Dominique.
O advogado da economista húngara declarou, por seu turno, que a cliente não comenta questões da sua vida privada e afirmou que Nagy deixara voluntariamente o FMI sem ter recebido qualquer tratamento especial, favorável ou desfavorável, e que nunca alegara qualquer conduta imprópria por parte de Strauss-Khan.
Uma questão de princípio
Os interesses momentâneos dos casais envolvidos poderão obviar a revelações confrangedoras e o inquérito talvez isente DSK de abuso de poder ou nepotismo, mas o director-geral do FMI é inevitavelmente um político diminuído.
Depois da acrimónia do processo que acabou com a demissão do norte-americano Paul Wolfwitz da presidência do Banco Mundial, em 2007, por favorecimento ilícito da amante e da saída do holandês Ruud Lubbers, em 2005, do cargo de Alto Comissário para os Refugiados da ONU por assédio sexual, é fácil de ver o que aguarda DSK.
O director-geral do FMI deitou-se na cama que fez e cedeu o flanco a todo o tipo de pressões que marcam o dia-a-dia de uma instituição internacional.
As opções de política financeira de Strauss-Khan não estão em causa, afirmam-se ou fracassam pelos seus méritos próprios, mas o director-geral do FMI perdeu respeitabilidade e, consequentemente, capacidade negocial.
Os amores de Strauss-Khan serão do foro privado, mas um político que escorrega no escândalo na primeira oportunidade não merece confiança e, por isso, mesmo que cumpra os cinco anos de mandato, as facas já estão aguçadas para fazer a vida negra ao director-geral.
Só faltava esta cereja no bolo da crise financeira para degradar ainda mais a confiança nas instituições e nas pessoas que as dirigem.
O antigo ministro da economia, finanças e indústria de Leonel Jospin nos idos de 1997-1999, o candidato à nomeação à candidatura presidencial dos socialistas derrotado em 2006 por Ségolène Royale e recuperado por Nicolas Sarkozy para candidato europeu à chefia do FMI no Verão do ano passado, é, alegadamente, uma vítima do puritanismo reinante em Washington e nas instituições internacionais.
É uma história de encantar e só tem o pequeno defeito de DSK ter agido ao arrepio do Código de Comportamento do FMI que refere expressamente "dever ser evitada qualquer situação que envolva um conflito, ou aparente envolver um conflito, entre interesses pessoais e o desempenho de obrigações oficiais."
Da alcova às manchetes
Do que se foi sabendo até agora, DFK não perdeu tempo em fazer jus à fama de "grande sedutor", no dizer do "Le Journal du Dimanche", que retomou, à sua maneira, o epíteto de "sedutor excessivo e epicurista" com que o conservador "Le Figaro" retratara o político socialista ao celebrar a sua candidatura ao FMI.
O correspondente em Bruxelas do "Libération" não tardou a recordar que, em Julho de 2007, advertira para os perigos que esperavam DSK em Washington pela sua insistência "a rondar o assédio" em conquistar os favores do belo sexo.
Comportamentos pessoais dúbios abafados em França, com a conivência dos media, não suportam o rigor do escrutínio nas instituições internacionais, referia Jean Quatremer. Classificando DSK como um femeeiro impenitente e impertinente, o jornalista afirmou estar a par do caso desde Fevereiro como, pelos vistos, imensa gente.
A história de alcova em letra de forma com aval dos envolvidos resume-se nisto.
Dominique Strauss-Khan foi nomeado a 27 de Setembro de 2007, em respeito pela espúria tradição que leva um europeu à chefia do FMI e reserva para um norte-americano a presidência do Banco Mundial ante a contestação de países como o Brasil ou a Índia.
Em Dezembro, um mês depois do novo director-geral ter assumido funções em Washington, DSK e Piroska Nagy, economista húngara funcionária do FMI desde 1986, começaram um romance que, no final de Janeiro, durante o Fórum de Davos, passou por um dos seus momentos altos.
O marido da economista Mario Blejer, antigo presidente do Banco Central da Argentina, com carreira no FMI e no Banco de Inglaterra, negou, no domingo, em Buenos Aires, ter denunciado o caso, conforme relatara o "The Wall Street Journal".
Blejer frisou estar separado há mais de quatro anos de Nagy e aproveitou para comentar que DSK tem "uma reputação muito pesada" de assédio sexual pelo que "muita gente só esperava pelo seu primeiro deslize".
Em Fevereiro, de Paris a Washington, passando por Moscovo e Bruxelas, a primeira escorregadela de Strauss-Khan já constava entre quem importa.
Em Agosto, a economista húngara deixou o FMI no âmbito de um programa de redução de quadros e mudou-se para Londres, indo trabalhar para o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento.
Todas as pressões do mundo
A história política é deveras mais complexa e as primeiras fugas de informação indiciam um confronto ao mais alto nível nas instâncias decisórias do FMI.
O "affaire" de DSK cedo se tornou conhecido na sede de Washington e o representante russo Aleksei Mozhin, que liderou a contestação europeia à candidatura do político francês, terá mesmo contactado o marido da economista antes de abordar o seu confrade norte-americano, Meg Lundsager, alegação que não foi negada por Blejer.
O decano dos 24 directores-executivos do FMI, o egípcio Shakour Shaalan, foi posto ao corrente em meados de Julho e, no mês seguinte, ouvido o responsável do departamento legal, o norte-americano Sean Hagan, foi contratada uma firma de advogados de Filadélfia para proceder a um inquérito.
Em causa estão suspeitas de pressões ilegítimas por parte de DSK sobre a economista que na altura desempenhava funções no departamento africano do FMI ou eventual favorecimento na negociação dos termos financeiros da rescisão do contrato.
Entretanto, o "Le Figaro" adiantava, segunda-feira, que, no âmbito do inquérito, também foi ouvida uma estudante francesa estagiária no FMI entre Fevereiro e Agosto, por recomendação do director-geral, tema a que voltou ontem o "The Wall Street Journal", enquanto o correspondente do "The Times" em Paris escrevia preto no branco que Sarkozy estava consternado e furioso com a fuga de informação ocorrida antes que o inquérito pudesse ilibar DSK.
Complicando as coisas, um número não especificado dos 24 directores-executivos do FMI declarou ao "The Wall Street Journal" não ter sido informado do inquérito e, segundo o jornal, os críticos internos de DSK admitem que alguns estados possam ter usado esta informação privilegiada para pressionar o director-geral em disputas sobre financiamentos e decisões políticas.
Strauss-Khan reconheceu, no sábado, a ocorrência de "um incidente" na sua vida privada e negou qualquer abuso de poder. Na segunda-feira enviou um "email" aos funcionários do FMI, assumindo "toda a responsabilidade" por "um erro de julgamento".
A esposa, a conhecidíssima jornalista Anne Sinclair, comentou, no dia seguinte à revelação da existência de um inquérito no FMI, que "essa aventura de uma noite" fora ultrapassada pelo casal e reiterou o seu amor por Dominique.
O advogado da economista húngara declarou, por seu turno, que a cliente não comenta questões da sua vida privada e afirmou que Nagy deixara voluntariamente o FMI sem ter recebido qualquer tratamento especial, favorável ou desfavorável, e que nunca alegara qualquer conduta imprópria por parte de Strauss-Khan.
Uma questão de princípio
Os interesses momentâneos dos casais envolvidos poderão obviar a revelações confrangedoras e o inquérito talvez isente DSK de abuso de poder ou nepotismo, mas o director-geral do FMI é inevitavelmente um político diminuído.
Depois da acrimónia do processo que acabou com a demissão do norte-americano Paul Wolfwitz da presidência do Banco Mundial, em 2007, por favorecimento ilícito da amante e da saída do holandês Ruud Lubbers, em 2005, do cargo de Alto Comissário para os Refugiados da ONU por assédio sexual, é fácil de ver o que aguarda DSK.
O director-geral do FMI deitou-se na cama que fez e cedeu o flanco a todo o tipo de pressões que marcam o dia-a-dia de uma instituição internacional.
As opções de política financeira de Strauss-Khan não estão em causa, afirmam-se ou fracassam pelos seus méritos próprios, mas o director-geral do FMI perdeu respeitabilidade e, consequentemente, capacidade negocial.
Os amores de Strauss-Khan serão do foro privado, mas um político que escorrega no escândalo na primeira oportunidade não merece confiança e, por isso, mesmo que cumpra os cinco anos de mandato, as facas já estão aguçadas para fazer a vida negra ao director-geral.
Só faltava esta cereja no bolo da crise financeira para degradar ainda mais a confiança nas instituições e nas pessoas que as dirigem.
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