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Um acordo histórico mas insuficiente

A entrada da China na Organização Mundial do Comércio há muito que se sabia que aconteceria em 2005, e os efeitos seriam devastadores. Tal como o foram; tal como o estão a ser. Então, porquê só agora foi este acordo alcançado?

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No passado dia 3 de Maio, o mundo laboral português foi (positivamente) abalado pela assinatura de um novo contrato colectivo de trabalho para a indústria de vestuário e confecção, que foi fechado na sede da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção (ANIVEC/APIV), no Porto. O contrato, que consagra um acordo considerado histórico entre patrões e sindicatos, tem como objectivo, segundo palavras das partes envolvidas, «incrementar e relançar o emprego, a inovação, a produtividade e a competitividade», correspondendo às alterações registadas na indústria nos últimos 20 anos. Das 102 cláusulas que compõem o acordo, a da adaptabilidade dos horários de trabalho constitui a principal alteração. Na prática, o que tal significa é que o período normal do trabalho semanal pode ser aumentado até um máximo de 50 horas, sendo que as dez horas suplementares serão compensadas em reduções de horário (em número de horas equivalente), acrescidas de 10% de tempo ou através do pagamento da importância correspondente a 10% da retribuição horária de base. Uma medida considerada extraordinária, aceite no âmbito do chamado regime de adaptabilidade.

Outro ponto tido como «revolucionário» é o dos contratos a termo: o empregador passa a poder contratar a termo até 20% do número total de trabalhadores da empresa sem indicação do motivo justificativo; o primeiro período de duração do contrato a termo não pode ser inferior a seis meses e as eventuais posteriores renovações têm o mínimo de três meses; para além disso, os contratos a termo podem ser prolongados por mais de três anos, até ao máximo de seis anos.

Apresentados os pontos principais do acordo assinado no sector têxtil no início de Maio entre patrões e sindicatos - mesmo a CGTP... - um primeiro comentário que não posso deixar de fazer é que teve que se esperar cerca de dois anos e meio para se voltar a registar mais um passo em frente no mercado laboral português. Em Dezembro de 2003, a Administração da Autoeuropa e a Comissão de Trabalhadores alcançaram um acordo considerado à data como histórico e que terá evitado a saída daquela unidade produtiva de Portugal, com tudo o que de negativo tal acarretaria para a nossa economia. Repito: passaram-se dois anos e meio desde então. E agora impõe-se a pergunta: mas a situação no sector têxtil já não era dramática nessa altura?! Claro que era. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio há muito que se sabia que aconteceria em 2005, e os efeitos seriam devastadores. Tal como o foram; tal como o estão a ser. Então, porquê só agora foi este acordo alcançado?

Creio que ainda hoje o país como um todo não está bem ciente do mundo globalizado que enfrenta. Que traz, sem dúvida, muitas e muitas vantagens, e tremendas oportunidades. Mas que também transporta consigo múltiplos desafios e grandes ameaças.

Sem falar de outras áreas - a que já me tenho dedicado noutros escritos - para o caso que aqui resolvi trazer, é sabido que as leis laborais têm que se tornar mais flexíveis em Portugal. Não existe outro caminho - a evolução que se tem registado não depende de nós nem da nossa vontade. E a verdade é que, nos sectores expostos à concorrência externa, quem não acompanhar as tendências internacionais, fica definitivamente para trás. As consequências? A deslocalização de empresas, o encerramento de unidades produtivas, o aumento ainda maior do desemprego, o reforço do empobrecimento de um país e de uma população que já desde há seis anos consecutivos têm vindo a ver o resto da Europa afastar-se cada vez mais.

Muitas vezes se assiste a debates em que são esgrimidos argumentos considerados «de esquerda» e «de direita»; muitas vezes isso sucede na área laboral. Acontece que esse debate deixou de fazer sentido já há algum tempo porque, no modelo da economia global, ainda por cima com a participação de chineses, indianos (e outros?), o nosso tecido empresarial - sobretudo as PME, que constituem 99% desse mesmo tecido - tem uma necessidade absolutamente vital em adaptar os ciclos de produção aos das encomendas. O que requer agilidade, adaptabilidade, mobilidade, enfim, flexibilidade - essa palavra que parece que hoje já não é tão proibida - no mundo das relações laborais. Terá sido provavelmente assim que pensaram todos os que, de diversos quadrantes políticos, desde a «esquerda» mais radical à «direita» mais conservadora, e pensando nos mais de 20 mil indivíduos que perderam emprego nos últimos quatro anos, assinaram um acordo ainda há bem pouco tempo considerado impensável.

Por isso, apesar de poder ser catalogado como «histórico» este acordo, no modelo da economia global (e em que a China se inclui?), as nossas PME têm uma necessidade de morte em adaptar os ciclos de produção ao das encomendas. São as PME industriais, mais do que os grupos económicos, que jogam a sua sobrevivência na agilidade, na flexibilidade, na adaptabilidade das relações laborais.

Parece enfim, que ainda que com muito atraso - não há que ter medo das palavras - uma parte, pelo menos, de Portugal, terá acordado. Mas não nos iludamos: apesar de ser um bom e importante primeiro passo, trata-se, apenas e só disso mesmo: de um primeiro passo. Que vem também provar que, flexibilizar - ou facilitar, se quiserem - os despedimentos não é a única nem a mais importante das alterações que a nossa legislação exige. Maior flexibilidade de horários, de funções, geográfica, na contratação a termo - em todas estas áreas agilizar é fundamental.

E importa é que, agora, não se passe mais dois anos e meio para voltarmos a ter notícias de acordos históricos como este, depois de mais uma série de empresas se terem deslocalizado e de o desemprego ter voltado a subir. Até porque os ganhos podem ser enormes. Um exemplo? Tive a oportunidade de me deslocar recentemente aos EUA, e de ter passado em Dallas, no Texas, um dos mais dinâmicos Estados na já de si dinâmica economia norte-americana. Pois, para além de ser muito competitivo fiscalmente face a outros Estados dos EUA, o Texas beneficia, essencialmente, de ter dos enquadramentos laborais mais flexíveis de toda a economia americana. A consequência? A instalação, no Texas, de grandes multinacionais - Nokia, Nortel, Alcatel, Samsung, Ericsson, Lufthansa SkyChefs (serviço de catering da Lufthansa), entre outros - portadoras de novas tecnologias, potenciadoras de empresas e actividades satélite (locais e estrangeiras) e que, assim, geram mais empregos e riqueza. O que tem motivado uma migração maciça para este Estado dos EUA. Porque há a noção que aí, as oportunidades são maiores - e que as possibilidades de conseguir progredir nas carreiras também, tal como de ter um melhor nível de vida.

Ora, não é precisamente disto que andamos todos à procura? Claro que é, e é por isso mesmo que espero que o acordo agora conseguido não se torne na pedrada no charco - o que significaria que de pouco teria valido. Que tenha sido o primeiro de entre muitos e muitos de que necessitamos - e o mais rapidamente possível. Porque de tempo perdido, creio que já todos nós estamos absolutamente fartos.

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