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03 de Janeiro de 2007 às 13:59

Pátria basca e liberdade

José Luís Zapatero corre o sério risco de repetir o erro cometido por Felipe González há vinte anos se retomar as negociações com a ETA após o atentado no aeroporto de Barajas.

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Em 1987 o governo socialista insistiu na prossecução da estratégia simultânea de repressão policial, patrocínio à guerra suja dos GAL (os comandos anti ETA que alegadamente defendiam a democracia nos esgotos, no dizer de González), negociações políticas directas com os separatistas em Argel e conversações para um acordo antiterrorista com os partidos bascos à excepção do Herri Batasuna, concluído com o pacto de Ajuria Enea assinado em Janeiro de 1988.

Há vinte anos os etarras alternaram, por sua vez, a mobilização política através da participação do Herri Batasuna nas eleições europeias, em que conseguiu a eleição de um deputado para o parlamento de Estrasburgo, e as acções terroristas que atingiram o paroxismo em Junho com o seu primeiro atentado contra alvos civis ao deflagrarem uma bomba incendiária no supermercado Hipercor, em Barcelona, matando 21 pessoas e ferindo 39.

Ainda assim, dois meses depois do massacre na capital catalã, o líder etarra Eugénio Estxebeste negociava de novo em Argel com o comissário da polícia Manuel Ballesteros (posteriormente implicado no processo dos GAL) e após arrastadas negociações a ETA anunciaria a 21 de Janeiro de 1989 o seu primeiro cessar-fogo unilateral que logo no início de Abril seria morto e enterrado numa série de atentados.

Bem diferente é a situação vinte anos depois.

O Herri Batasuna de Arnaldo Otegi está ilegalizado e os nacionalistas bascos, que chegaram a embarcar no pacto de Lizarra com a ETA em 1998, confundidos com o irredentismo dos terroristas. O atentado de Barajas deu origem às primeiras divergências públicas entre o lehendakari Juan Ibarretxe, pronunciando-se no sentido de manter o diálogo com a ETA e a sua ala política, e o líder do Partido Nacional Basco, Josu Imaz, que responsabilizou exclusivamente os separatistas pelo rompimento das negociações.

A promessa de cessar-fogo permanente da ETA de 22 de Março de 2006 e a subsequente resolução parlamentar de Maio, com a oposição do Partido Popular, autorizando o governo a negociar se os separatistas ETA abandonassem as armas estão enterradas nos escombros de Barajas.
 
A persistência do terrorismo

O maior erro de Zapatero foi ignorar que em quase meio século de activismo etarra, desde a fase de guerra revolucionária anticapitalista e antifranquista até o irredentismo nacionalista a partir de 1974 começar a admitir a táctica de negociações com Madrid, a luta armada sempre foi definida pelos sucessivos líderes separatistas como a forma de acção mais eficaz para obter cedências do governo central, dos partidos nacionalistas e dos socialistas bascos.

Ao fechar os olhos aos roubos de armas no sul da França, à persistência das "extorsões revolucionárias" e à violência de rua os socialistas permitiram que a rede informal de associações e agrupamentos separatistas, que eleitoralmente representa apenas cerca de 140 mil votantes entre perto de três milhões de bascos espanhóis, continuasse a sustentar as células clandestinas da ETA.

A subestimação da importância das acções violentas de rua, a Kalea Borroka – outro dos elementos de intimidação e destabilização da sociedade basca que contribuem para o crescimento económico comparativamente mais baixo da região em relação à Catalunha, à Comunidade Valenciana ou a Navarra, por exemplo – resultou claramente de um erro de cálculo quanto à prevalência da chamada "violência de baixa intensidade" como um elemento fulcral da estratégia dita de "Assédio" (Oldartzen), adoptada pela ETA em 1995, para apoio à luta terrorista contra alvos militares, policiais e civis.

Ao não exigir a cessação da "violência de baixa intensidade" e das extorsões antes de admitir publicamente a hipótese de negociações com a ETA, Zapatero correu um risco que redundou num fracasso político muito grave e descredibilizou por tabela o líder socialista basco Jesus Eguiguren.

As já escassas hipóteses de acertar com a oposição conservadora um acordo de princípio sobre os termos de uma eventual negociação com a ETA ficaram comprometidas pela exigência de Mariano Rajoy, de olhos postos nas eleições do próximo ano, do governo suprimir imediatamente qualquer contacto com os separatistas.

Zapatero resiste ainda ao reconhecimento do seu fracasso político e a admitir que imposição de desarmamento, fim da violência terrorista, das extorsões e da "Kalea Borroka" é condição prévia a negociações.

Sinal do embaraço de Zapatero é o facto de só ontem, quatro dias após o atentado, porta-vozes não identificados do governo virem afirmar ao diário El País que a "suspensão das iniciativas de diálogo", anunciada pelo primeiro-ministro no sábado, significava "dar por terminado o processo de diálogo". 

O maior inimigo

Conversações que possam conduzir à integração política da ETA, à semelhança do que aconteceu com o IRA, implicam ainda que os etarras abdiquem das suas teses sobre a grande nação basca, Euskal Herria, e os alegados direitos territoriais em Espanha e França de que alegadamente goza o celebrado falante do basco, qualquer euskaldun, em detrimento do desprezado erduldunak, esse ignorante da mais velha língua da Península em que o reaccionário e racista Sabino Arana inventou a mitologia do nacionalismo eterno dos foros de antanho e do catolicismo conservador nas últimas décadas do século XIX.

Pior ainda: a crise basca acentua a clivagem entre direita e esquerda sobre o modelo de estado, o projecto de reordenamento quase federal encetado pelos socialistas e os termos das relações entre as 17 comunidades e as cidades autónomas de Ceuta e Melilla que integram a monarquia espanhola.

A recusa de Zapatero em dar publicamente por total e absolutamente excluída qualquer negociação com a ETA sem provas concludentes do desarmamento e desarticulação da rede terrorista torna o primeiro-ministro espanhol refém dos separatistas e diminui-o politicamente frente às oposições nacionalistas no País Basco e na Catalunha, dando trunfos à estratégia securitária e às tendências centralistas de vastos sectores do Partido Popular.

Na Espanha democrática a ETA representa precisamente o oposto da denominação pela qual jurou lutar em 1959: Euskadi Ta Askatasuna. A ETA é o maior inimigo da Pátria Basca e da liberdade.

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