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Os salários do sector financeiro são realmente elevados?

Os trabalhadores do sector financeiro recebem demasiado? Nem todos, claro, já que existem alguns trabalhadores bancários que fazem parte desta categoria e são mal pagos. Mas é possível justificar os enormes salários ganhos - ou deveríamos dizer recebidos - pelos trabalhadores da banca de investimento, gestores de "hedge funds" e sócios das empresas de capital de risco?

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Os trabalhadores do sector financeiro recebem demasiado? Nem todos, claro, já que existem alguns trabalhadores bancários que fazem parte desta categoria e são mal pagos. Mas é possível justificar os enormes salários ganhos - ou deveríamos dizer recebidos - pelos trabalhadores da banca de investimento, gestores de "hedge funds" e sócios das empresas de capital de risco?

A maioria das pessoas responderia rápida e facilmente que "não". Isso é certamente o que pensam os Congressistas norte--americanos e os membros do Parlamento britânico. Eles estão a tentar arranjar formas de disciplinar as empresas financeiras, sem grande sucesso até agora, como demonstraram as elevadas compensações pagas pelo Goldman Sachs aos seus colaboradores após ter registado um trimestre lucrativo.

Mas o que significa dizer que os trabalhadores do sector financeiro recebem demasiado? Em que medida e em relação a quem recebem eles demasiado? Tal como outras pessoas, tendo a acreditar, à primeira vista, que qualquer pessoa que receba mais do que eu ganha demasiado mas este não é o critério mais objectivo.

Os economistas têm tentado dar respostas mais rigorosas a esta questão. Thomas Philippon e Ariell Reshef, do Gabinete Nacional de Pesquisa Económica, analisaram dados referentes a centenas de anos nos Estados Unidos sobre os salários no sector financeiro e noutros sectores. As conclusões foram fascinantes.

Concluíram que, tendo em consideração os graus académicos e as competências, os trabalhadores do sector financeiro eram muito bem pagos até à Grande Depressão de 1930. Após a Grande Depressão e a introdução de regulação mais apertada, os salários do sector financeiro normalizaram, e assim permaneceram até aos anos 90.

Mas, desde aí até 2006, os salários voltaram a subir e, em média, os trabalhadores do sector financeiro recebiam 30% a 50% mais do que colegas com as mesmas qualificações a trabalhar noutros sectores. Ainda não é possível saber se esta crise vai provocar uma nova redução dos salários mas é muito provável que ocorra um ajustamento.

Podemos então dizer que os trabalhadores do sector financeiro recebem mais do que os outros. Mas porquê? Philippon e Reshef defendem que a regulação, ou a falta dela, explica uma parte da história. A desregulação aumenta as oportunidades de inovação, negócio e lucro.

Os dados permitem ainda concluir que as remunerações dos sectores menos regulados - como por exemplo os "hedge-funds" - são normalmente mais elevadas que as dos sectores regulados pela SEC - Security and Exchange Commission.

Mas esta explicação é suficiente? À medida que as remunerações aumentavam, por que é que os novos concorrentes, dispostos a rever em baixa o valor das remunerações, não conseguiram entrar no mercado? Em outros sectores, onde existem remunerações excessivas, temos tendência a pensar que a concorrência é fraca ou que a utilização de informação privilegiada exclui potenciais concorrentes. Isto pode ser parte da explicação mas a competição por talento e clientes parece ser intensa entre os bancos de investimento e ainda assim, em conjunto, receberam remunerações extravagantes à custa desses clientes.

O Centro Paul Woolley para o estudo da disfuncionalidade dos mercados de capitais da London School of Economics formulou uma hipótese alternativa, que parece ser ajustada aos factos. Os investigadores defendem que em indústrias especulativas frágeis (e nos últimos anos o sector financeiro tem estado nesta categoria) é difícil para os investidores monitorizarem a actividade das pessoas que gerem o seu dinheiro. Eles constatam que existem retornos de curto prazo mas não entendem muito bem como é que esses retornos são gerados.

Os gestores exigem retornos cada vez mais elevados mas estes reduzem os benefícios dos investidores (Bernie Madoff é um exemplo caricatural deste fenómeno) e afectam o crescimento do sector. Para justificar as suas remunerações, os gestores assumem maiores riscos, o que a partir de certo ponto leva a distorções de preços e a crises. Assistimos à última parte deste ciclo durante os últimos dois anos.

Se esta explicação estiver correcta (e ela incorpora também a questão da desregulação), o que pode ser feito? Os políticos e os reguladores estão a explorar algumas opções, desde taxas de imposto mais elevadas, multas para determinados tipos de bónus, até exigências de capital variável. Impostos mais elevados podem justificar-se por outras razões mas provavelmente não vão resolver este problema. Os reguladores têm enfrentado este problema durante anos sem conseguirem encontrar uma solução. O Banco de Inglaterra descreveu de que forma a política de remunerações pode criar riscos para os bancos e conclui que esta questão representa uma "preocupação crescente para os reguladores e supervisores". Mas isto foi escrito em 1997 e desde aí os progressos têm sido lentos dos dois lados do Atlântico.

Os accionistas deveriam ser mais vigilantes? Afinal é o seu dinheiro que está em jogo. Os investimentos no sector financeiro têm gerado retornos baixos. Na verdade, durante os últimos dois anos, estes retornos foram extremamente negativos. Os accionistas parecem ter pouco interesse na política de remuneração. A nova disposição norte-americana - que define que os conselhos de administrações têm que submeter as políticas de remuneração aos votos dos accionistas (disposição "say on pay") - pode aumentar o seu interesse, apesar de uma disposição semelhante no Reino Unido ter tido um impacto modesto. Sem a pressão dos accionistas, tudo indica que o problema vai continuar. Howard Davies, Director da London School of Economics, foi presidente fundador da Financial Services Authority britânica e antigo vice-governador do Banco de Inglaterra

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