Opinião
Os filhos de Gordon Gekko
O inimigo público de Portugal é agora o "especulador", esse ente imaterial e materialista que subjuga países e ajoelha economias. É gente que, como explicava ontem Cavaco Silva, fila um país e o ataca para enriquecer. Vade retro, Satanás! Mas Satanás não vade.
O inimigo público de Portugal é agora o "especulador", esse ente imaterial e materialista que subjuga países e ajoelha economias. É gente que, como explicava ontem Cavaco Silva, fila um país e o ataca para enriquecer. Vade retro, Satanás! Mas Satanás não vade.
É contra esse colossal exército sem general que estamos a lutar "uma batalha pela sobrevivência do euro", na expressão de João Costa Pinto, um especialista experiente em política cambial que, no Banco de Portugal nos anos 90, se opôs à política de escudo forte.
Até George Soros arrasou um dia a libra, esvaziando os cofres do Banco de Inglaterra e arrasando, em consequência, o sistema monetário europeu. Mas são os países mais pequenos os mais fáceis de manipular nos mercados, quando estão frágeis. Esses especuladores são "predadores, muitas vezes estúpidos, completamente imprevisíveis", segundo o Nobel da Economia Joseph Stiglitz, que analisa o afundanço da economia mundial no livro "Freefall", a queda livre. O mesmo Stiglitz que, este fim-de-semana, avisou para os ataques predadores, primeiro à carcaça da Grécia, depois a Portugal.
O problema é grande porque não é grego nem é português, é alemão. E isso explica que o ministro alemão das Finanças tenha ontem garantido o que recusara há duas semanas: que a Alemanha será rede de segurança à Grécia.
É a única reacção que funciona: garantir a solvabilidade de alguém evita a sua insolvência. Foi assim com o "subprime": o mercado de crédito só voltou a funcionar quando os Estados garantiram que segurariam os bancos. Assim é agora: é a palavra da Alemanha que pode afastar a especulação da Grécia e de Portugal. Mas essa palavra ainda não foi suficientemente enérgica: os custos dos seguros de crédito (CDS) mostram que há dinheiro investido num incumprimento português a curto prazo.
O problema de curto prazo é, como dizíamos ontem, de liquidez. Os mercados não podem secar-nos o crédito, tendo em conta as dezenas de milhar de milhões que lhes pediremos nos próximos meses. O trabalho que virá depois, e que ninguém fará por nós, como diz Cavaco, é tratar da solvabilidade: adaptarmos o que gastamos ao que produzimos, reduzirmos as dívidas.
Ficou célebre o debate entre Cavaco e Constâncio, há uma década, sobre o perigo do endividamento externo: o primeiro sacralizava-o, o segundo desvalorizava-o. A discussão soava académica mas o tempo tirou-a dos livros de economia para as páginas dos jornais. Constâncio acreditava num pressuposto que falhou: que a especulação leva ao equilíbrio, que os mercados disciplinam um país.
Não disciplinaram. Errámos década após década após década, até nos tornamos presas fáceis dos especuladores, os tais que lucram com a nossa falência e a tentam precipitar. E isso já não é especulação, é manipulação. Um crime sem criminosos, crentes de que "greed is good", de que a ganância é boa, na famosa citação de Gordon Gekko, o icónico banqueiro do filme "Wall Street". Gekko tem muitos discípulos, filhos sem moral que só querem uma coisa: enriquecer. Ei-los ao redor, à espera que tombemos.
Ao secretário de Estado do Orçamento foge a boca para a verdade, quando diz que, se não fosse o euro, estaríamos como a Islândia: falidos. Valha-nos a Alemanha. Por isso, se estrangeiro lhe perguntar por que lhe há-de emprestar dinheiro, responda: "Ich bin ein Berliner, pá."
psg@negocios.pt
É contra esse colossal exército sem general que estamos a lutar "uma batalha pela sobrevivência do euro", na expressão de João Costa Pinto, um especialista experiente em política cambial que, no Banco de Portugal nos anos 90, se opôs à política de escudo forte.
O problema é grande porque não é grego nem é português, é alemão. E isso explica que o ministro alemão das Finanças tenha ontem garantido o que recusara há duas semanas: que a Alemanha será rede de segurança à Grécia.
É a única reacção que funciona: garantir a solvabilidade de alguém evita a sua insolvência. Foi assim com o "subprime": o mercado de crédito só voltou a funcionar quando os Estados garantiram que segurariam os bancos. Assim é agora: é a palavra da Alemanha que pode afastar a especulação da Grécia e de Portugal. Mas essa palavra ainda não foi suficientemente enérgica: os custos dos seguros de crédito (CDS) mostram que há dinheiro investido num incumprimento português a curto prazo.
O problema de curto prazo é, como dizíamos ontem, de liquidez. Os mercados não podem secar-nos o crédito, tendo em conta as dezenas de milhar de milhões que lhes pediremos nos próximos meses. O trabalho que virá depois, e que ninguém fará por nós, como diz Cavaco, é tratar da solvabilidade: adaptarmos o que gastamos ao que produzimos, reduzirmos as dívidas.
Ficou célebre o debate entre Cavaco e Constâncio, há uma década, sobre o perigo do endividamento externo: o primeiro sacralizava-o, o segundo desvalorizava-o. A discussão soava académica mas o tempo tirou-a dos livros de economia para as páginas dos jornais. Constâncio acreditava num pressuposto que falhou: que a especulação leva ao equilíbrio, que os mercados disciplinam um país.
Não disciplinaram. Errámos década após década após década, até nos tornamos presas fáceis dos especuladores, os tais que lucram com a nossa falência e a tentam precipitar. E isso já não é especulação, é manipulação. Um crime sem criminosos, crentes de que "greed is good", de que a ganância é boa, na famosa citação de Gordon Gekko, o icónico banqueiro do filme "Wall Street". Gekko tem muitos discípulos, filhos sem moral que só querem uma coisa: enriquecer. Ei-los ao redor, à espera que tombemos.
Ao secretário de Estado do Orçamento foge a boca para a verdade, quando diz que, se não fosse o euro, estaríamos como a Islândia: falidos. Valha-nos a Alemanha. Por isso, se estrangeiro lhe perguntar por que lhe há-de emprestar dinheiro, responda: "Ich bin ein Berliner, pá."
psg@negocios.pt
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