Opinião
Onde se tributa "o acesso a manifestações" ?
Regra comunitária sobre as prestações de serviços relativas à organização de manifestações de carácter cultural, artístico, científico, desportivo, recreativo, de ensino e similares levanta dúvidas
Nos últimos anos tem-se assistido a um esforço adicional por parte da Comissão Europeia em harmonizar a nível comunitário o imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
Esse esforço traduziu-se, nomeadamente, numa Directiva publicada em 2008 (Directiva de IVA) onde foram estabelecidas novas regras de localização das prestações de serviços, especialmente no que toca às que se realizam entre Estados-membros, sendo que a maioria dessas regras entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010.
Contudo foram estabelecidas algumas excepções, uma vez que entrarão em vigor novas alterações em 2013 e 2015, tendo já ocorrido a primeira no início deste ano (2011).
Foi o caso da regra relativa às prestações de serviços relativas à organização de manifestações de carácter cultural, artístico, científico, desportivo, recreativo, de ensino e similares, e fins acessórios que foi alterada a 1 de Janeiro de 2011, e transposta para o ordenamento interno através do artigo 6º n. 8º al. e) do Código do IVA.
A presente redacção do preceito tem suscitado inúmeras dúvidas quanto à sua interpretação e consequente aplicação, tanto a nível nacional como comunitário.
A inclusão da palavra acesso é o principal motivo para as dúvidas que têm vindo a ser suscitadas. É que, ao contrário do que se passava, a nova regra prevê:
"O lugar das prestações de serviços relativos ao acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou eventos similares, tais como feiras e exposições, e de serviços acessórios relacionados com o acesso, efectuadas a sujeitos passivos, é o lugar onde essas manifestações se realizam efectivamente."
Antevendo a dificuldade na aplicação deste preceito, o Comité de IVA da Comissão Europeia discutiu em 2010 algumas linhas orientativas na interpretação desta regra.
Foi também publicado este ano o Regulamento de Execução n.º 282/2011 do Conselho, o qual estabelece medidas de aplicação da Directiva de IVA e cujo objectivo consiste em assegurar a aplicação uniforme do actual sistema de IVA.
Não obstante tudo isto, as dúvidas parecem persistir.
Afinal o que devem ser consideradas prestações de serviços relativas ao acesso a este tipo de manifestações? E o próprio acesso a este tipo de manifestações como deve ser enquadrado?
Mais, a presença numa conferência ou num seminário, cai no escopo da nova regra ou, antes pelo contrário, está sujeito à regra geral, i.e. IVA devido pelo adquirente? E, caso seja esse o entendimento seguido, qual o motivo justificativo para esta alteração visto que no fim de contas a regra acaba por ser igual à que vigorou até finais de 2010?
Se estas questões pouca relevância terão para particulares, não sujeitos passivos de IVA, onde a tributação ocorre no lugar onde essas manifestações ocorrem, o mesmo já não se pode dizer quando se tratem de sujeitos passivos de IVA, vulgo, empresas sujeitas ao imposto.
Contudo, o próprio Comité de IVA parece indeciso relativamente a algumas destas questões.
Pensemos no caso do acesso a conferências e seminários. Nas "guidelines" de 22 de Abril de 2010, o Comité distinguiu duas situações. Se o acesso for garantido mediante um pré-registo, a nova regra não se aplicaria, o que levaria à auto liquidação do imposto por parte do adquirente. Contudo, se o acesso fosse garantido no próprio evento, o imposto seria devido no país onde se realiza a conferência devendo o prestado proceder à do imposto ao Estado.
Esta distinção, consoante o lugar onde for garantido o acesso ao evento, leva a diferenças de tratamento entre sujeitos passivos e, por outro lado, a um aumento da burocracia uma vez que, a título exemplificativo, o organizador da conferência está obrigado a obter um registo de IVA nesse país entregar o imposto às Autoridades Fiscais e o sujeito passivo adquirente, no caso de querer recuperar o IVA incorrido, vir-se-ia obrigado a submeter um pedido de reembolso nesse Estado.
Um mês depois, num documento datado de 26 de Maio de 2010, o Comité não fez qualquer distinção quanto à forma como se garante o acesso a tais eventos o que leva a crer que essas admissões cairiam no escopo da nova regra e como tal o IVA seria devido no lugar onde se realizam. o que daria origem a um número sem fim de registos de IVA para que as entidades organizadoras pudessem liquidar o imposto relativo á admissão dos participantes.
Quando se esperava que Regulamento de Execução n.º 282/2011 resolvesse esta dúvida criada pela (des)harmonização que esta nova regra causou, pouco ou nada veio acrescentar.
As autoridades fiscais portuguesas ainda não se pronunciaram quanto a este tema à semelhança dos nossos vizinhos espanhóis, e em ambos os casos parecem seguir o Regulamento de Execução da Comissão.
Já em França optou-se por seguir as definições que constam desse Regulamento, mas alguma doutrina local tem-se pronunciado no sentido de que a admissão em uma conferência organizada em benefício de um só sujeito passivo, não cai no âmbito de aplicação da nova regra.
Não descurando outras indústrias, pensemos no caso das farmacêuticas que promovem constantemente este tipo de evento e dadas as dificuldades da aplicação desta regra se deparam com uma situação de incerteza no momento de cobrar as respectivas admissões nos congressos.
Pode ocorrer, em situações extremas, caso os Estados-membros tenham interpretações distintas, uma dupla tributação do imposto que é de todo indesejável e contra os princípios deste imposto.
Basta imaginar a situação em que o país onde se realiza o evento entenda que o IVA é aí devido e, simultaneamente, o país do sujeito passivo que adquire o acesso entenda que se trata de um serviço sujeito à regra geral, pelo que o adquirente deve proceder à auto liquidação do IVA no país onde está estabelecido.
Não deixa de ser curioso que, numa altura em que se pretende caminhar para um imposto sobre o valor acrescentado harmonizado e onde se têm eliminado algumas burocracias que lhe estavam associadas, se criem dúvidas e levantem questões que a bem dos objectivos da Comissão se querem respondidas de forma célere.
Resta aguardar novas orientações quanto à interpretação do artigo, e uma posição da nossa Administração Fiscal seja ela qual for, que se pretendem claras pois só assim podemos atingir o objecto de harmonização do IVA há muito seguido pela União Europeia.
TOME NOTA
• Um dos principais objectivos da Comissão Europeia é harmonizar o imposto sobre o valor acrescentado.
Esse esforço traduziu-se, nomeadamente, numa Directiva publicada em 2008 (Directiva de IVA) onde foram estabelecidas novas regras de localização das prestações de serviços, especialmente no que toca às que se realizam entre Estados-membros, sendo que a maioria dessas regras entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010.
Foi o caso da regra relativa às prestações de serviços relativas à organização de manifestações de carácter cultural, artístico, científico, desportivo, recreativo, de ensino e similares, e fins acessórios que foi alterada a 1 de Janeiro de 2011, e transposta para o ordenamento interno através do artigo 6º n. 8º al. e) do Código do IVA.
A presente redacção do preceito tem suscitado inúmeras dúvidas quanto à sua interpretação e consequente aplicação, tanto a nível nacional como comunitário.
A inclusão da palavra acesso é o principal motivo para as dúvidas que têm vindo a ser suscitadas. É que, ao contrário do que se passava, a nova regra prevê:
"O lugar das prestações de serviços relativos ao acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou eventos similares, tais como feiras e exposições, e de serviços acessórios relacionados com o acesso, efectuadas a sujeitos passivos, é o lugar onde essas manifestações se realizam efectivamente."
Antevendo a dificuldade na aplicação deste preceito, o Comité de IVA da Comissão Europeia discutiu em 2010 algumas linhas orientativas na interpretação desta regra.
Foi também publicado este ano o Regulamento de Execução n.º 282/2011 do Conselho, o qual estabelece medidas de aplicação da Directiva de IVA e cujo objectivo consiste em assegurar a aplicação uniforme do actual sistema de IVA.
Não obstante tudo isto, as dúvidas parecem persistir.
Afinal o que devem ser consideradas prestações de serviços relativas ao acesso a este tipo de manifestações? E o próprio acesso a este tipo de manifestações como deve ser enquadrado?
Mais, a presença numa conferência ou num seminário, cai no escopo da nova regra ou, antes pelo contrário, está sujeito à regra geral, i.e. IVA devido pelo adquirente? E, caso seja esse o entendimento seguido, qual o motivo justificativo para esta alteração visto que no fim de contas a regra acaba por ser igual à que vigorou até finais de 2010?
Se estas questões pouca relevância terão para particulares, não sujeitos passivos de IVA, onde a tributação ocorre no lugar onde essas manifestações ocorrem, o mesmo já não se pode dizer quando se tratem de sujeitos passivos de IVA, vulgo, empresas sujeitas ao imposto.
Contudo, o próprio Comité de IVA parece indeciso relativamente a algumas destas questões.
Pensemos no caso do acesso a conferências e seminários. Nas "guidelines" de 22 de Abril de 2010, o Comité distinguiu duas situações. Se o acesso for garantido mediante um pré-registo, a nova regra não se aplicaria, o que levaria à auto liquidação do imposto por parte do adquirente. Contudo, se o acesso fosse garantido no próprio evento, o imposto seria devido no país onde se realiza a conferência devendo o prestado proceder à do imposto ao Estado.
Esta distinção, consoante o lugar onde for garantido o acesso ao evento, leva a diferenças de tratamento entre sujeitos passivos e, por outro lado, a um aumento da burocracia uma vez que, a título exemplificativo, o organizador da conferência está obrigado a obter um registo de IVA nesse país entregar o imposto às Autoridades Fiscais e o sujeito passivo adquirente, no caso de querer recuperar o IVA incorrido, vir-se-ia obrigado a submeter um pedido de reembolso nesse Estado.
Um mês depois, num documento datado de 26 de Maio de 2010, o Comité não fez qualquer distinção quanto à forma como se garante o acesso a tais eventos o que leva a crer que essas admissões cairiam no escopo da nova regra e como tal o IVA seria devido no lugar onde se realizam. o que daria origem a um número sem fim de registos de IVA para que as entidades organizadoras pudessem liquidar o imposto relativo á admissão dos participantes.
Quando se esperava que Regulamento de Execução n.º 282/2011 resolvesse esta dúvida criada pela (des)harmonização que esta nova regra causou, pouco ou nada veio acrescentar.
As autoridades fiscais portuguesas ainda não se pronunciaram quanto a este tema à semelhança dos nossos vizinhos espanhóis, e em ambos os casos parecem seguir o Regulamento de Execução da Comissão.
Já em França optou-se por seguir as definições que constam desse Regulamento, mas alguma doutrina local tem-se pronunciado no sentido de que a admissão em uma conferência organizada em benefício de um só sujeito passivo, não cai no âmbito de aplicação da nova regra.
Não descurando outras indústrias, pensemos no caso das farmacêuticas que promovem constantemente este tipo de evento e dadas as dificuldades da aplicação desta regra se deparam com uma situação de incerteza no momento de cobrar as respectivas admissões nos congressos.
Pode ocorrer, em situações extremas, caso os Estados-membros tenham interpretações distintas, uma dupla tributação do imposto que é de todo indesejável e contra os princípios deste imposto.
Basta imaginar a situação em que o país onde se realiza o evento entenda que o IVA é aí devido e, simultaneamente, o país do sujeito passivo que adquire o acesso entenda que se trata de um serviço sujeito à regra geral, pelo que o adquirente deve proceder à auto liquidação do IVA no país onde está estabelecido.
Não deixa de ser curioso que, numa altura em que se pretende caminhar para um imposto sobre o valor acrescentado harmonizado e onde se têm eliminado algumas burocracias que lhe estavam associadas, se criem dúvidas e levantem questões que a bem dos objectivos da Comissão se querem respondidas de forma célere.
Resta aguardar novas orientações quanto à interpretação do artigo, e uma posição da nossa Administração Fiscal seja ela qual for, que se pretendem claras pois só assim podemos atingir o objecto de harmonização do IVA há muito seguido pela União Europeia.
TOME NOTA
• Um dos principais objectivos da Comissão Europeia é harmonizar o imposto sobre o valor acrescentado.
• Tendo em conta esse facto as regras de localização nas prestações de serviços sofreram uma grande alteração em 2010 sendo que ficaram previstas algumas regras de aplicação diferida.
• Um desses casos foi a regra relativa às prestações de serviços relativas à organização de manifestações de carácter cultural, artístico, científico, desportivo, recreativo, de ensino e similares, e fins acessórios que foi entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2011 e transposta para o ordenamento interno através do artigo 6º n. 8º al. e) do Código do IVA.
• Têm sido suscitadas inúmeras dúvidas quanto à correcta aplicação deste preceito tanto por parte das empresas como das Administrações Fiscais dos vários Estados-membros, sendo que o Comité de IVA aparentemente tem directrizes contraditórias nas suas linhas orientativas.
• É necessário que essas questões tenham uma resposta rápida e clara a bem do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.