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08 de Janeiro de 2008 às 13:59

O serviço em Portugal

À caixa, no seu posto de trabalho, está a D. Manuela. Nós estamos em fila, uns de produtos na mão outros nos cestos esperando a nossa vez, contorcendo-nos aqui e ali para deixar passar outros clientes na disposição impossível deste supermercado, desenhado

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“Não sabe que é preciso pesar isto? Agora lá temos de ficar todos à espera!” A bata azul da D. Manuela suspira e o tamborilar dos dedos sobre a mesa não deixa antever nada de bom. Mentalmente controlo os produtos no meu cesto. Tudo pesado, sacos atados, preços identificados, tenho trocos... será que passo? Da minha observação estatística seis em cada dez clientes que passam pela D. Manuela merecem-lhe reparos. Quando chega a minha vez, desfaço-me em desculpas já um tanto diminuída, mas ela não se deixa comover: de entre tantos limpa vidros na prateleira logo fui eu escolher um em que o código de barras não passa! Deixando bem vincada a deferência, a D. Manuela introduz o código manualmente. Agradeço, ainda tenho uma encomenda para despachar nos Correios.

Em Lisboa, os fins de tarde no Outono podem ser bastante agradáveis. As árvores brilham com a luz do entardecer e o ar está impregnado de fragrâncias. Foi assim que entrei nos Correios e, por falta de paredes livres onde me encostar, me coloquei entre os escaparates dos livros para venda, com os do Cristiano Ronaldo de um lado, os da Alexandra Solnado no outro e o volume a despachar no chão. O volume vai para França e pretendo seguir o seu percurso até ao destino final. Não há problema asseguram-me, pago 56 euros, será enviado pelo CTT Expresso, chegará ao destino dentro de aproximadamente uma semana e até lá vou àquela página na Internet, introduzo o código e obtenho toda a informação. Mas aí está o que há de engraçado na vida, nunca sabemos o que vem a seguir.

Ao fim de alguns dias resolvo saber o que se passa com o meu volume. Surpresa: a introdução do código indica que tinha seguido para França logo no dia seguinte, mas a partir daí era um buraco negro: o código só funciona em território nacional. Já fui enganada, pensei, mas ainda assim esperei pelo melhor. Duas semanas depois pergunto ao destinatário se já recebeu a encomenda. Ainda não. Deixo passar três semanas – não quero ser acusada de precipitação – e vou então reclamar. A minha senha é a 437, chamaram agora a 412, três pessoas menos do que da última vez. Preencho isto e mais aquilo, dentro de dois dias vão contactar-me. De certeza? “Claro, mas se houver algum problema não vale a pena cá vir, o que eu faço aqui, você também pode fazer. É só ligar para este número.” Espero os dois dias, e mais dois, e mais dois. Depois telefono. A voz identifica-se e atende-me como uma pedra na mão e a outra em cima da secretária para o que der e vier. “Disseram-lhe dois dias? Como é que lhe podem ter dito isso?” Foi quanto bastou para se lhe esgotar a paciência, mas ainda assim a voz esclarece-me que se trata de duas empresas diferentes: os CTT onde eu despachei a encomenda e os CTT Expresso para onde estou a reclamar. “Portanto já vê, eles não sabem o nosso funcionamento.” Será então que estou a reclamar no sítio errado? Não, é ali e eles são exactamente o apoio ao cliente. Tomarão nota e o assunto será tratado “com a maior brevidade possível”.

A minha pergunta inquieta atrapalhou o desligar do telefone: “E o que é a maior brevidade possível, dias, semanas, meses, anos?” A voz explicou: “A maior brevidade possível é a maior brevidade possível.” À quinta reclamação telefónica, no meio do silêncio teimoso que permanecia mesmo quando falávamos, peço que encerrem o assunto e me indemnizem pela perda; de certeza a encomenda não vai aparecer. “Como é que sabe? Ainda não lhe dissemos isso. Além disso há procedimentos a seguir.” E o que posso fazer para acelerar esses procedimentos? “Nada. O assunto é entre nós e a França, tudo está a ser tratado com a maior brevidade possível.” Lembrei-me de uma entrevista com Howard Schultz, presidente da Starbucks que ouvira nessa manhã e tentei dizer que o êxito de uma empresa de serviços não está no marketing mas na formação do pessoal e na construção de um capital de confiança com o público: o marketing pode fazer promessas, mas quem as tem de entregar são as pessoas na linha da frente.

Além disso, hoje em dia, o serviço pós-venda faz parte da cadeia de valor de uma empresa e é aí que pode residir a sua vantagem competitiva. Ciente de que entre nós esse dia ainda vem longe, a voz fez um gesto em direcção à segunda pedra sobre a secretária – juro-vos que o ouvi – e calei-me então desfeita em desculpas. O Senhor Prestador de Serviços em Portugal está de um lado de uma barreira impenetrável convictamente tecida pelos seus serviços de apoio ao cliente; do outro está o cliente, um peixe debatendo-se numa poça esquecida pelas últimas chuvas de Verão.

De regresso ao supermercado, enquanto espero na fila da D. Manuela, olho para as outras caixas muito mais vazias. Porque é que a D. Manuela nos atrai como um magnete? Eu, desculpo-me, ainda tenho um interesse científico, mas e os outros? Porque gostamos de ser maltratados? Será o fado?

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